Pedra no caminho

 

20/07/2016
Dora Kramer

 

Tida como questão de dias, semanas, no máximo, a cassação de Eduardo Cunha já não é a mesma fava contada de antes do início do recesso parlamentar, na última sexta-feira. À primeira vista não se trata de conspiração, acordo, manobra ou jogada combinada para impedir que o ex-presidente da Câmara perca o foro privilegiado de Justiça até quando for possível.

Embora seja prudente confiar desconfiando, salvo segunda ordem ou até que surjam sinais objetivos do contrário, a possibilidade de novos adiamentos que na prática o favoreçam decorre de uma conjugação de fatores: Olimpíada, eleição de um novo presidente da Câmara, campanha eleitoral e o consequente arrefecimento do interesse de suas excelências em atender as demandas da opinião pública depois que seus candidatos e prefeitos e vereadores tenham passado pelo julgamento das urnas.

Segundo o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia, a ideia é levar o assunto ao plenário na segunda semana de agosto. Isso, em princípio. Porque, de acordo com ele, manda o bom senso que o julgamento de Cunha só entre na pauta de votação se, e quando, houver uma quantidade significativa de parlamentares na sessão.

Do contrário, o ex-presidente da Câmara pode até reunir quantidade de votos “contra” superior aos favoráveis a ele, mas ainda assim escapar da cassação por falta de quórum. São necessários 257 votos para retirar-lhe o mandato.

Para isso, um número seguro seria acima de 400 presentes.

Convenhamos, trata-se de uma tarefa difícil levar tantos deputados a Brasília em plena realização dos Jogos Olímpicos.

Menos pela corrida de deputados ao Rio para acompanhar tudo de perto e mais pelo natural afrouxamento da vigilância da população no período em que se imagina que os olhos, as torcidas e a atenção da maioria estejam voltados para o desempenho dos atletas e da capacidade do Brasil de sediar acontecimento dessa magnitude com sucesso. Em todos os aspectos, notadamente à recepção dos visitantes nas questões de conforto urbano, com destaque para a segurança.

Terminados os jogos, Brasília volta a tratar do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Aqui também o quórum é exigido. Mas, de senadores.

Em menor número (ao todo 81 contra 513 na Câmara) e com empenho mais distante das disputas locais por prefeituras e vagas nas câmaras municipais. Já os deputados têm as respectivas sobrevivências políticas diretamente ligadas à eleição de prefeitos e vereadores.

Portanto, setembro tem tudo para ser um mês perdido em matéria de obtenção do quórum alto na Câmara. A eleição acontece no início de outubro, mas nem por isso os deputados estarão totalmente liberados devido às disputas que forem ao segundo turno nas cidades com mais de 200 mil habitantes.

Sobram o mês de novembro e os primeiros 15 dias de dezembro. Período ideal, não fosse a queda do interesse dos deputados nos ditames da opinião do público depois das eleições. O Brasil estará discutindo os resultados, avaliando as repercussões para o pleito de 2018 e nada assegura que Eduardo Cunha será tema prioritário.

Ao governo interessava ajustar a situação da presidência da Câmara; aos deputados, uma satisfação externa a fim de aliviar a tensão. De onde não se pode conferir inocência de propósito nem atribuir isenção de interesse ao adiamento da cassação para depois do recesso.

 

Vaias contadas. O presidente em exercício irá à cerimônia de abertura da Olimpíada no Maracanã sabendo que a recepção do público será, nas palavras de um ministro com assento no Palácio do Planalto, “uma crônica da vaia anunciada”.

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Centrão age para adiar cassação de Cunha

 
20/07/2016
Erich Decat
Daiene Cardoso

 

Apesar do discurso de pacificação, menos de uma semana depois da eleição do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara, a base aliada voltou a divergir sobre o melhor momento para levar ao plenário a cassação do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). De um lado, os líderes do Centrão (PP, PSD, PR, PTB, PSC e partidos nanicos), grupo ligado ao peemedebista, são cautelosos e consideram que não haverá quórum suficiente para a votação em agosto, depois do recesso legislativo.

Do outro, os partidos do grupo de Maia – DEM, PSDB, PPS e PSB – afirmam que convocarão as bancadas para tentar assegurar um número mínimo para votar a cassação de Cunha em agosto. “O PSB vai cobrar presença, igual escolinha”, afirmou o líder do partido, Paulo Foletto (ES). “Virá todo mundo e terá quórum elevado”, disse o líder do PPS, Rubens Bueno (PR). Para ele, a ausência da maioria dos deputados neste período seria “desmoralizante”.

No meio da pressão, Maia afirmou ontem que poderá pautar o processo entre os dias 8 e 12 de agosto. “Na primeira semana acho difícil, mas a partir da segunda é possível. Eu só não quero dar data porque se não tiver quórum vocês vão ficar me cobrando que eu adiei a votação.

Vamos ter uma noção melhor na primeira semana, como vai se construir o quórum para dar uma data objetiva”, disse.

A primeira semana de atividades no Congresso vai coincidir com a realização das convenções partidárias, que definirão os candidatos para a disputa municipal. Outro fator que pode influenciar é o início da Olimpíada no Rio. “Não sei se vai ter quórum”, afirmou o líder do PTB, Jovair Arantes (GO).

“O presidente falou que se não tiver um quórum de 460, ele não vai colocar para votação (o processo contra Cunha). É um risco, mas acredito que será votado”, considerou o líder do PR, Aelton Freitas (MG). O processo foi enviado pela Comissão de Constituição e Justiça à secretaria- geral da Mesa e não há prazo definido para que Maia dê início aos debates no plenário.

 

Anticorrupção. Outro item que deve entrar na pauta de votações da Câmara no segundo semestre é o projeto das 10 medidas de combate à corrupção encampadas pelo Ministério Público. Segundo Maia, a expectativa é de que as medidas sejam analisadas até 9 de dezembro, Dia Internacional contra a Corrupção. Ao receber um grupo de  juízes e procuradores ontem, Maia indicou que o tema será uma de suas prioridades.

A comissão que vai analisar o pacote foi instalada na semana passada, quatro meses após a proposta ser apresentada. “Queremos estar até lá com a matéria votada”, disse o relator do projeto no colegiado, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).

 

Anexo. O novo presidente da Câmara desistiu de iniciar as obras de construção do anexo da Câmara. Maia alegou que não é o momento de a Casa utilizar recursos públicos para a construção de um prédio. Maia informou ontem o primeiro-secretário da Mesa Diretora, Beto Mansur (PRB-SP), de que não levará adiante o projeto, bandeira de campanha de Cunha. A Casa já havia desembolsado R$ 50 mil para os primeiros trabalhos de escavação de solo.

Maia afirmou que a modernização do complexo pode ser feita “quando o País estiver voltando a crescer economicamente”. “No momento de crise, não cabe esse investimento.” Maia se disse preocupado com a repercussão do gasto.

“Neste momento, acho que a sinalização da construção de um anexo não vai cair bem aos ouvidos da sociedade.” Inicialmente, foi cogitada a construção do anexo com a participação privada, mas não houve interesse de empresas e o projeto do “Parlashopping” – que custaria R$ 1 bilhão – foi abandonado. A Mesa Diretora decidiu então gastar R$ 320 milhões do próprio bolso na obra que expandiria a antiga estrutura da Câmara, sem lojas.

 

PARA ENTENDER

Passo a passo do processo

Conselho de Ética

O Conselho de Ética instaurou processo de cassação do mandato do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em 3 de novembro. Sete meses depois, foi aprovado relatório pela cassação de Cunha.

 

CCJ

A defesa de Cunha entrou com recurso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Semana passada, a maioria do colegiado rejeitou parecer favorável ao peemedebista.

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Ex-líder diz agir ‘silenciosamente’ por Dilma

 

20/07/2016
Carmen Pompeu

 

Ex-líder do governo Dilma Rousseff na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) disse ontem, em Fortaleza, que o PT trabalha “silenciosamente” para a presidente afastada voltar à Presidência. “Nós estamos trabalhando silenciosamente, que é a melhor estratégia. Dialogando, conversando. (Há) grande possibilidade de reversão (do impeachment no Senado)”, afirmou. “Do ponto de vista técnico, já vencemos a batalha. A batalha agora é política. Na busca de voto e, principalmente, nas mobilizações sociais”, disse o deputado.

 

O Estado de São Paulo, n. 44836, 20/07/2016. Política, p. A6