PF prende ex-cúpula da Eletronuclear

 

07/07/2016
Vinicius Neder
Mariana Sallowicz
Constança Rezende
Clarissa Thomé

 

A Polícia Federal prendeu ontem no Rio dez pessoas acusadas de desviar recursos da obra da Usina Nuclear Angra 3, investimento de R$ 17 bilhões no litoral sul do Estado. Entre os presos preventivamente está o vice-almirante reformado Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, que já havia sido detido na Operação Lava Jato no ano passado e estava em prisão domiciliar desde dezembro. Ele voltou para a cadeia ontem.

A Operação Pripyat, desdobramento da Lava Jato no Rio, também atingiu o atual presidente da subsidiária da Eletrobras, Pedro José Diniz Figueiredo, que foi afastado do cargo por decisão judicial e levado a depor por condução coercitiva.

Além de Othon, os presos são cinco funcionários do alto escalão da Eletronuclear, todos já afastados de seus cargos por causa de apurações internas.

Segundo as investigações, o alto escalão da estatal recebeu R$ 26,4 milhões em propina por Angra 3. O dinheiro era pago tanto por meio de prestação fictícia de serviços – por firmas como Flexsystem, VW Refrigeração, Eval, Legend, SP Terraplanagem e JSM Engenharia, as três últimas de Adir Assad, acusado de ser operador de propina – quanto em dinheiro vivo.

Os valores eram sacados num esquema de “caixa 2” com as empresas ligadas a Assad, disse o Ministério Público Federal.

“Foram descritos vários encontros, em cafés, em shoppings, para a entrega dos pacotes de dinheiro”, disse o procurador Lauro Coelho Jr. Assad foi alvo de outra operação da PF, semana passada, a Saqueador, e teve o pedido de prisão renovado.

Além das prisões, nove pessoas foram levadas a depor por condução coercitiva. Entre elas está o diretor licenciado da Eletrobras Valter Cardeal, tido como próximo da presidente afastada Dilma Rousseff (mais informações nesta página).

Nas estimativas dos procuradores, incluindo o valor destinado a políticos, a propina pode chegar a R$ 48 milhões, considerando o porcentual de 4% sobre o contrato de R$ 1,2 bilhão da Andrade Gutierrez para as obras civis de Angra 3. “Existe um núcleo político da organização criminosa em relação a Angra 3, então, houve pagamento de propina para políticos, mas isso é objeto de inquérito STF”, afirmou Coelho Jr., que evitou comentar se as investigações da Pripyat resvalaram em pessoas com foro privilegiado.

 

‘Influência’. Os investigadores justificaram o novo pedido de prisão de Othon pela influência que ele mantém na Eletronuclear. “Ele continuou a influenciar nas atividades da estatal, que trabalhou em sua defesa na ação penal em andamento”, afirmou Coelho Jr.

Fonte próxima às investigações disse ao Estado que a prisão domiciliar de Othon não se mostrou a melhor alternativa. Isso porque ele continuava com acesso a telefone e recebia visitas, podendo combinar esquemas com envolvidos no caso.

Figueiredo, que substituiu o vice-almirante em agosto do ano passado, estaria atrapalhando as investigações, tentando influenciar os trabalhos de uma comissão independente criada pela Eletrobras. A fonte ouvida pelo Estado disse que os funcionários afastados tiveram acesso ao material da comissão, mesmo quando já estavam impedidos de entrar na companhia.

Os funcionários presos ontem são Luiz Antonio de Amorim Soares, Edno Negrini, Persio José Gomes Jordani, Luiz Manuel Amaral Messias e José Eduardo Brayner Costa Mattos.

Escutas telefônicas revelaram que os funcionários da Eletronuclear montaram um escritório para acompanhar as investigações.

As conversas apontaram indícios de ocultação de patrimônio, destruição de documentos e manutenção de contas no exterior. Afastados, eles tiveram as salas lacradas, mas conseguiram voltar à empresa para pegar documentos.

O nome da operação é referência a uma cidade da Ucrânia, abandonada após o acidente da usina de Chernobil, em 1986.

 

‘Audácia’

“As investigações constataram a audácia da organização criminosa que vitimou a Eletronuclear, sendo que, mesmo após ter sido alvo da Operação Radioatividade, continuou a ter influência na estatal, atrapalhando a elucidação do esquema de corrupção, fraude a licitações e lavagem de dinheiro.”

PROCURADORIA DA REPÚBLICA

 

‘PRIPYAT’

● Operação da PF apura esquema de propina nas obras de Angra 3 que, segundo investigações, teve a participação de ex-presidente e dirigentes afastados da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras

 

Principais alvos

Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear FOI PRESO

- Vice-almirante da reserva, ontem teve prisão preventiva decretada “diante da demonstração da manutenção de sua influência na estatal”

- Foi preso na 16ª fase da Lava Jato, em julho de 2015, e, desde dezembro, estava em regime

domiciliar, com tornozeleira eletrônica

- É réu em processo na 7ª Vara Federal Criminal, no Rio, por corrupção e lavagem de dinheiro. É acusado de receber propinas para facilitar a contratação dos consórcios responsáveis pelas obras de Angra 3

 

Valter Cardeal, diretor licenciado da Eletrobras

FOI CONDUZIDO COERCITIVAMENTE*

 

Pedro José Diniz Figueiredo, presidente da Eletronuclear

FOI AFASTADO DE SUAS FUNÇÕES

 

A divisão da propina, segundo a Procuradoria O vice-almirante e cinco dirigentes afastados da Eletronuclear receberam repasses ilícitos da Andrade Gutierrez, diz investigação

 

R$ 17 bilhões

Orçamento total da obra da usina de Angra 3

 

R$ 26,4 milhões

Total pago em propina

 

ALVOS DE MANDADO DE PRISÃO PREVENTIVA

R$ 12 milhões

Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente

 

R$ 3,6 milhões

Luiz Antonio de Amorim Soares, diretor técnico afastado

 

R$ 3,6 milhões

Edno Negrini, diretor afastado de Administração e Finanças

 

R$ 2,4 milhões

Luiz Messias, superintendente afastado de Gerenciamento de Empreendimentos

 

R$ 2,4 milhões

José Eduardo da Costa Mattos, superintendente afastado de Construção

 

R$ 2,4 milhões

Persio Jordani, diretor afastado de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente

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Defesas dizem que não tiveram acesso a teor de decisão

 

07/07/2016
Clarissa Thomé

 

O advogado de Adir Assad, Miguel Pereira Neto, disse que ontem não havia tido acesso às medidas adotadas no processo que originaram a prisão de seu cliente.

“Ainda não pude ler as medidas nem o teor da decisão de hoje (ontem)”, afirmou.

Carlo Luchione, que defende os empresários Marco Aurélio Viana Pereira Leite e Marco Aurélio Barreto Pereira Leite, da VW Refrigeração, que tiveram a prisão temporária decretada, também declarou que não teve acesso aos autos. “O que se sabe é que há uma delação premiada, mas não sei dizer de quem. Não tenho ainda os dados”, disse.

O Estado procurou o advogado Helton Pinto, que defende o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, mas ele não respondeu até a conclusão desta edição. Também não foram localizados os advogados dos diretores afastados da Eletronuclear Luiz Messias, Luiz Soares, Edno Negrini, Persio Jordani e José Eduardo da Costa Mattos.

Em nota, divulgada na manhã de ontem, a Eletrobras informou aos seus acionistas que tomou conhecimento pela imprensa “de suposta” operação da Polícia Federal. “A companhia está verificando o episódio noticiado pela imprensa e manterá o mercado informado”, diz o texto. A Eletronuclear não se pronunciou sobre a Pripyat.

Radioatividade. O caso do vice- almirante e de outros 13 acusados de participar de desvios nas obras da usina de Angra 3 estava sob responsabilidade do juiz Sérgio Moro, que cuida das ações da Lava Jato na Justiça Federal no Paraná. Mas, por determinação do Supremo Tribunal Federal, o caso foi deslocado para a Justiça Federal no Rio.

A Operação Radioatividade, fase da Lava Jato que deteve Othon no ano passado, investigou uma empresa considerada de fachada, a Aratec Consultoria, em nome da filha e do genro do vice-almirante. Ouvido em Curitiba, Othon disse que a Aratec tem “efetiva atividade, sendo local de exercício profissional de sua filha Ana Cristina e de seu genro Sergio Toniolo”.

 

O Estado de São Paulo, n. 44823, 07/07/2016. Política, p. A6