O fim da lenda Cunha

Dora Kramer

08/07/2016

 

 

A renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara põe um ponto final na lenda urbana segundo a qual seus poderes seriam ilimitados, sua rede de proteção inexpugnável e sua influência no mundo político inesgotável. Conforme já sobejamente demonstrado na derrocada do PT, e de Lula em particular, poderosos podem muito, mas não podem tudo. Há limite para o erro, que se localiza exatamente na perda de apoios à medida que aliados vão percebendo que determinadas alianças rendem mais prejuízos que benefícios.

Cunha afastou-se com um discurso cujo prazo de validade estava vencido. Não mencionou as agruras que enfrenta, não fez referência à pá de cal posta sobre ele no dia anterior na sessão da Comissão de Constituição e Justiça, não falou sequer em “renúncia”.

Procurou dar a impressão de que se afastava para permitir que a Câmara pudesse se livrar de uma presidência “bizarra”, referindo- se ao antigo parceiro Waldir Maranhão.

A ideia era construir uma saída menos desonrosa, como se fosse possível. Na verdade, uma hipótese levantada pelo presidente em exercício Michel Temer nas conversas que teve com ele a respeito do tema. Um conto da carochinha, relatado apenas para conseguir quebrar a resistência dele à renúncia.

Outras histórias contadas a fim de que a fera ferida não se sentisse irremediavelmente sem saída foram as de que ele poderia com seu gesto levar seus pares a lhe preservar o mandato (medida protetiva contra a aproximação do juiz Sérgio Moro) e também influir na eleição do próximo presidente da Câmara.

Duas tolices. Na verdade, três, pois a primeira subjacente às outras duas seria a garantia dada a ele pelo Palácio do Planalto. O governo quer vê-lo longe. E, ainda que não quisesse, não teria instrumentos para transformar a influência do repúdio da sociedade a Cunha sobre os deputados em votos eleitoralmente suicidas. A menos que o plano da Câmara seja assinar um contrato de desmoralização coletiva, Cunha será cassado.

Quanto à hipótese de ingerência na eleição do próximo presidente, trata-se de uma possibilidade inexistente, risível mesmo.

Eduardo Cunha hoje é visto como má companhia. Além disso, não dispõe mais de instrumentos para manter unida uma tropa.

Acabou-se, perdeu tudo, entre outros motivos porque o excesso de autoconfiança o fez esticar a corda muito além dos limites suportáveis por possíveis aliados. Ele não é mais referência que, agora, volta a ser o Palácio do Planalto e seus eficientes mecanismos de convencimento.