Sanatório geral no Senado

27/08/2016

 

 

Renan diz que julgamento ocorre num “hospício” e, ao rebater Gleisi, que questionara moral da Casa, provoca bate-boca generalizado pelo segundo dia

Pelo segundo dia, terminou em baixaria o julgamento do impeachment de Dilma no Senado. De novo, houve bate-boca entre Ronaldo Caiado e Lindbergh Farias, mas a confusão atingiu seu ápice com o presidente do Senado, Renan Calheiros. Além de dizer que a Casa estava parecendo um hospício, Renan quase levou os senadores às vias de fato ao criticar Gleisi Hoffmann e dizer que conseguira “desfazer” o indiciamento dela no STF. Presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski chegou a ameaçar usar seu “poder de polícia” para conter os ânimos. Osegundo dia do julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff conseguiu ter embates ainda mais acalorados do que o primeiro, a ponto de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, anunciar que poderia usar seu “poder de polícia” para conter os ânimos, e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chamar a Casa de “hospício”.

Exaltação. Renan apontou ingratidão de Gleisi, afirmando tê-la ajudado em processo no STF, e foi interpelado por Lindbergh. Mais tarde, considerou sua reação desproporcional

— Vossa Excelência, constitucionalmente, está sendo obrigado a presidir um julgamento em um hospício! Fico muito triste, porque esta sessão é, sobretudo, uma demonstração de que a burrice é infinita — disse Renan para o presidente do Supremo.

Inicialmente, Renan estava fazendo um apelo para que todos tivessem bom senso. Mas ao falar do “hospício” e da “burrice infinita” e ainda chamar a lei do impeachment de “excrescência” foi cercado por petistas. O presidente do Senado partiu então para o ataque a Gleisi Hoffmann (PT-PR), que na véspera questionara a moral da Casa para julgar Dilma. Ontem, Gleisi reafirmou o que disse, mas se inclui entre os integrantes do Senado que estão sendo investigados.

— O Senado não tem moral para julgar ninguém porque boa parte dos senadores está sendo investigada. Como eu vou fazer esse julgamento? Aponto o dedo para uma pessoa e tem três dedos apontados para mim — disse Gleisi.

Renan, no entanto, não perdoou a senadora petista.

— Ontem, a senadora Gleisi chegou ao cúmulo de dizer aqui para todo o país que o Senado Federal não tinha moral para julgar a presidente da República. Como uma senadora pode fazer uma declaração dessa? Exatamente uma senadora que, há 30 dias, o presidente do Senado conseguiu, no Supremo Tribunal Federal, desfazer o seu indiciamento e do seu esposo que havia sido feito pela Polícia Federal — disse Renan, proclamando uma interferência no Judiciário em frente ao presidente do STF. Gleisi e outros petistas reagiram, aos gritos. — Não é verdade — disse Gleisi. — Que baixaria, Renan, trazer isso da Gleisi — interferiu Lindbergh Farias (PT-RJ).

Gleisi e Paulo Bernardo são investigados pela Polícia Federal. Em junho, Bernardo foi preso na operação “Custo Brasil” e depois liberado por ordem do STF.

Ao contrário do que disse Renan, o STF não anulou o indiciamento de Gleisi. O relator da Lava-Jato, ministro Teori Zavascki, arquivou o caso sem julgá-lo. Ponderou que a Procuradoria Geral da República já havia denunciado a senadora ao tribunal. Como a consequência jurídica da denúncia é mais ampla, não faria sentido examinar o indiciamento. Na época, a defesa de Gleisi pediu ao tribunal que anulasse o ato da PF, e o Senado apenas enviou à corte um parecer concordando com os argumentos da defesa.

Renan, que é alvo de oito inquéritos na Lava-Jato, foi diretamente para o gabinete da Presidência e disse a senadores que Gleisi havia “passado do limite”. Lewandowski, em meio a gritos, suspendeu a sessão.

Mais tarde, Renan fez um desabafo, queixando-se da “ingratidão” dos petistas, com quem disse sempre ter mantido boa relação.

— Vou propor o agravamento da pena de ingratidão — disse.

Pouco antes da confusão com Gleisi, Lewandowski tivera que conter os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO) e Lindbergh.

— Vou usar meu poder de polícia! Vou mandar desligar os microfones. Estamos sem áudio! Está suspensa a sessão!

Caiado também criticou Gleisi por ela ter contratado a servidora Esther Dweck, que já tinha sido dispensada como testemunha.

— Esse senador é um desqualificado! O que ele insinuou da senadora Gleisi é de uma covardia... — afirmou Lindbergh.

— (Lindbergh) É pior que o Beira-Mar. Tem mais de 30 processos no Supremo Tribunal Federal — rebateu Caiado.

— Cachoeira é quem sabe da sua vida — disse o petista.

— Tem uma cracolândia no seu gabinete — disparou Caiado.

Nos bastidores, líderes afirmaram que a briga serviu para dar um “freio de arrumação” e retomar apenas a oitiva de testemunhas.

No início da noite, ao responder reclamação de aliados da presidente afastada, Lewandowski desabafou:

— Quando você está pilotando um boeing e se depara com uma tempestade, você desvia. Eu me sinto aqui como um piloto de boeing que já desviou de várias turbulências. (Cristiane Jungblut, Eduardo Bresciani, Evandro Éboli, Isabel Braga, Júnia Gama, Leticia Fernandes, Maria Lima e Simone Iglesias)

 

 

O globo, n. 30336, 27/08/2016. País, p. 6.