Valor econômico, v. 17, n. 4042, 07/07/2016. Internacional, p. A11

MERCOSUL BUSCA 'PEDALADA' PARA PRESSIONAR VENEZUELA

Por: Daniel Rittner / Fabio Murakawa

Por Daniel Rittner e Fabio Murakawa | De Brasília e São Paulo

 

Os sócios do Mercosul podem recorrer a uma série de "pedaladas" da Venezuela como justificativa para impedir que o país assuma a presidência rotativa ou, em uma hipótese extrema, seja afastado do bloco. As "pedaladas", no caso, são uma metáfora que designa violações aos compromissos assumidos pelos venezuelanos para aderir ao grupo na categoria de membro-pleno.

A entrada da Venezuela foi oficializada em agosto de 2012, em meio à suspensão temporária do Paraguai pelo Mercosul, como uma espécie de represália ao impeachment do então presidente Fernando Lugo. O pedágio cobrado dos venezuelanos era a incorporação do acervo normativo do bloco - uma infinidade de acordos, protocolos e regras - em um período máximo de quatro anos. Às vésperas de terminar esse prazo, o país ainda não cumpriu 45% do combinado, segundo apurou o Valor junto a fontes da entidade.

Não há nem sinal de incorporação pela Venezuela, por exemplo, de duas normas importantes. Uma é o Acordo sobre Residência, que permite a cidadãos do Mercosul viver e trabalhar em países-membros sem maior burocracia. Outra, considerada fundamental, é o Protocolo de Assunção sobre Compromissos com a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul.

Tudo isso deveria estar em plena vigência até agosto deste ano, mas o presidente Nicolás Maduro tem dificuldades em aceitar as condições do protocolo sobre direitos humanos. Já o protocolo sobre residência, em meio à grave crise econômica no país, poderia servir como estímulo à emigração de venezuelanos para os vizinhos.

Essas violações são consideradas graves, mas talvez fossem relevadas em uma situação de normalidade. O próprio Brasil e a Argentina, sócios-fundadores do Mercosul, também não incorporaram plenamente todas as normas em 25 anos de existência do bloco.

Na prática, o que se busca é encontrar fundamentação jurídica para pressionar a Venezuela. De forma absolutamente cautelosa, traça-se um paralelo com a situação vivida pela presidente afastada Dilma Rousseff: pode-se até discutir se o descumprimento de obrigações impostas na adesão venezuelana ao Mercosul é grave o suficiente para gerar punições; mas há um reconhecimento de que a própria discussão em torno do descumprimento só acontece em virtude do caos político e econômico em que se encontra o país.

Em meio às discussões sobre o que fazer com a Venezuela, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, apareceu com uma solução contemporizadora. O Paraguai está decidido a não permitir que a Venezuela assuma o comando do bloco. O Uruguai, pelo contrário, faz questão de seguir rigorosamente a regra e fazer a passagem de bastão - que deveria ocorrer no início deste segundo semestre. A Argentina demonstra posição ambígua, mas encontra-se mais alinhada aos uruguaios.

Diante da crise, os presidentes dos quatro países já haviam decidido cancelar participação na reunião semestral de cúpula do Mercosul. Para evitar um impasse total também no encontro de chanceleres, Serra sugeriu o adiamento da cúpula até meados de agosto e sua ideia foi acolhida.

Nas próximas semanas, os sócios do Mercosul pretendem observar os desdobramentos da crise venezuelana. Uma eventual dissolução da Assembleia Nacional, proposta do Partido Socialista Unido da Venezuela, é tida como linha vermelha que não pode ser cruzada em nenhuma hipótese, pois exigiria a aplicação sumária da cláusula democrática contra Caracas.

Em uma situação menos radical, porém, os cenários se complicam. O acionamento da cláusula exige unanimidade dos países-associados, o que incluiria o improvável apoio dos "bolivarianos" Equador e Bolívia. Por isso, as violações ao que foi combinado em 2012 podem surgir como carta na manga para evitar a Venezuela na presidência "pro tempore" do bloco.

O Paraguai, além disso, poderia não enviar representante para a cúpula em agosto - o que, na prática, impediria a passagem do bastão para a Venezuela.

Fontes diplomáticas lembram que, a rigor, o poder detido pelo país à frente da presidência rotativa não é tão grande assim - nada que se assemelhe à capacidade do presidente da Câmara ou do Senado de pautar votações. A questão é, acima de tudo, de imagem: evitar uma situação constrangedora para o Mercosul enquanto seus sócios buscam se abrir ao mundo e se engajar em negociações comerciais com parceiros externos.

A estratégia detonada pelo chanceler brasileiro visava impedir um impasse imediato e evita a paralisia completa do bloco no curtíssimo prazo. Na segunda-feira, os ministros dos quatro países vão se reunir em Montevidéu para discutir a crise venezuelana. Há uma expectativa de que nada de muito relevante será decidido. O Brasil acredita que, por ora, falar em punições à Venezuela seria precipitado e prefere acompanhar com atenção os desdobramentos da crise até meados de agosto.