Valor econômico, v. 17, n. 4042, 07/07/2016. Empresas, p. B1

EUA podem ampliar alcance de punições da Lava-Jato

Por: Fernando Torres

A ida de delatores da Lava-Jato aos Estados Unidos para repetir aos investigadores da Securities and Exchange Commission (SEC) e do Departamento de Justiça (DoJ, como é conhecido em inglês) as mesmas informações prestadas à Justiça brasileira, levanta dúvidas sobre os desdobramentos futuros do caso na terra do Tio Sam, uma vez que já existe colaboração dos americanos com a força-tarefa de Curitiba.

Um ex-integrante do DoJ afirma que a reedição das delações poderia representar apenas uma garantia de não punição dupla nos Estados Unidos, já que a condenação no exterior não é suficiente para livrar uma pessoa ou empresa sob jurisdição americana de uma nova pena, segundo a legislação de lá.

Mas a aposta majoritária entre especialistas é de que, em breve, as punições chegarão a pessoas e companhias que hoje estão fora do alcance do juiz Sergio Moro.

Os delatores que já refizeram seus depoimentos nos Estados Unidos são Júlio Camargo e Augusto Mendonça, ambos ligados à Toyo Setal, conforme revelado pelo Valor em abril. Pedro Barusco, ex-gerente de serviços da Petrobras, também viajou aos Estados Unidos para fechar o acordo de delação. Também negociam uma delação o Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

A visão de uma série de especialistas em legislação americana ouvidos pelo Valor, alguns sob condição de anonimato, é de que as investigações podem resultar na abertura de processos criminais não apenas ligados à lei anticorrupção no exterior (FCPA), como também por lavagem de dinheiro e debaixo da Travel Act, que penaliza aqueles que usaram meios de comunicação americanos para realizar atos ilegais.

Bancos americanos que porventura tenham facilitado ou permitido, ainda que sem dolo, o pagamento de propina, por exemplo, estariam entre os prováveis alvos, segundo mais de uma fonte.

A investigação também pode alcançar empresas americanas e multinacionais sujeitas à legislação dos Estados Unidos. É o caso de algumas companhias brasileiras envolvidas na Lava-Jato e com forte atuação no mercado americano. Mesmo que já tenham sido pegas na Lava-Jato, quem tem operações significativas nos Estados Unidos é um alvo potencial para o DoJ.

Uma dificuldade para se saber o objetivo do DoJ é que, nos Estados Unidos, ao contrário do que ocorre no Brasil, eles são expressamente proibidos de comentar qualquer investigação em curso, sob pena de ter provas ou o processo anulados.

Roberto Pozzobon, um dos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, disse ao Valor que o compartilhamento de provas com as autoridades americanas não é integral, mas feito caso a caso, a partir de requerimentos. Ele, no entanto, disse que estaria especulando se tentasse dizer exatamente o quê seus pares estão buscando nos Estados Unidos.

"Muita gente se questiona porque o DoJ não é mais ativo. Na realidade é bem possível que ele já esteja ativo, mas sem fazer barulho", afirma o advogado Dan Braun, do escritório Freshfields, que acumulou experiência de 16 anos no Departamento de Justiça dos EUA, sendo os últimos cinco na gestão do divisão criminal que cuida dos casos de violação da FCPA.

De acordo com Braun, uma investigação feita pelas autoridades de outro país pode evitar que o DoJ abra processo semelhante nos Estados Unidos - embora a lei permita que ele aja. O mais comum, diz ele, é que haja um acordo entre investigadores para definir quem está mais bem posicionado para conduzir o trabalho.

Um dos motivos para a cooperação é que é do interesse dos Estados Unidos que ele não seja o único país aplicando as legislações contra corrupção.

Ele comenta que uma divisão comum é que investigadores no país onde houve a corrupção processem as pessoas físicas e as empresas sejam imputadas na lei americana, já que a barra para atingi-las é baixa nos EUA.

Ao mesmo em que a barra é baixa, há bastante espaço discricionário para os membros do DoJ decidirem se vão levar os casos adiante. "Os promotores pensam: podemos processar a empresa. Mas será que devemos?", disse Braun.

Diretora executiva da FTI Consulting, empresa especializada em compliance e investigações, Cynthia Catlett diz esperar que as autoridades americanas respeitem a investigação que está sendo feita no Brasil. "Na medida em que apareçam empresas e indivíduos que não estão sob a jurisdição brasileira, acredito que os EUA assumam um papel persecutório mais robusto", afirma.

Segundo Cynthia, a lei americana anticorrupção não alcança políticos brasileiros, já que ela foca no "fornecimento" do suborno internacional, e não nos receptores. "No entanto, existem casos em que o governo dos Estados Unidos processou certos representantes de governos estrangeiros, não com base na lei de FCPA, mas nos estatutos de combate à lavagem de dinheiro e em outras leis americanas", diz. O caso do deputado Paulo Maluf (PP-SP) é um exemplo.

Sobre esse ponto, uma fonte que acompanha a investigação da Lava-Jato destaca que uma coisa é os EUA terem jurisdição para processar e outra é ter poder de enforcement, ou seja, de aplicar a lei. Isso porque uma empresa que não tem negócios relevantes e nem use o mercado de capitais americano para levantar recursos não teria muito a perder mesmo que condenada, tirando o dano de imagem. Em relação às pessoas físicas, o cidadão brasileiro não poderia ser extraditado para cumprir pena lá.

Cynthia alerta, contudo, que houve casos em que os Estados Unidos indiciaram indivíduos confidencialmente e os prenderam quando visitaram o país.