PF vê suspeita de caixa 2 de fornecedor de Dilma em 2014

 

10/07/2016
Ricardo Brandt
Fausto Macedo
Mateus Coutinho
Fábio Serapião

 

A Operação Custo Brasil, desdobramento da Lava Jato, investiga suspeitas de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em negócios do segundo maior fornecedor da campanha da presidente afastada Dilma Rousseff. Relatório da Receita Federal repassado à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal mostra que, entre 2010 e 2014, uma das empresas de Carlos Roberto Cortegoso, a CRLS Consultoria e Eventos, movimentou quase R$ 50 milhões, cinco vezes o valor declarado no período.

Os investigadores apontam contabilidade “atípica” e indícios de caixa 2 com recursos provenientes do PT e de esquemas de desvios na Petrobrás e no Ministério do Planejamento. “A CRLS, segundo a Receita Federal, movimentou em suas contas cerca de R$ 25 milhões de entrada (crédito) e R$ 24 milhões de saída, mas declarou receita bruta de menos de R$ 10 milhões”, afirmam procuradores da República da Custo Brasil.

Cortegoso é proprietário da CRLS e da Focal Confecções e Comunicação Visual, que recebeu R$ 25 milhões na última campanha de Dilma e ficou atrás apenas do publicitário João Santana (R$ 70 milhões), preso preventivamente em Curitiba na Lava Jato.

As empresas têm sede em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. O empresário fornece ao PT estruturas de palanques e materiais desde a campanha à reeleição de Lula, em 2006. Ele ficou conhecido como “garçom” do ex-presidente por ter trabalhado em restaurante frequentado por sindicalistas petistas.

Na Custo Brasil, que apura desvio de até R$ 100 milhões de recursos de empréstimos consignados de servidores federais entre 2010 e 2015, a CRLS é citada por ter recebido, a pedido do ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, R$ 309 mil da Consist Software, responsável por gerenciar os contratos do Ministério do Planejamento. A CRLS foi alvo de buscas ordenada pela 6.ª Vara Federal Criminal de São Paulo no dia 23 de junho.

Embora a empresa não conste na prestação de contas da campanha de Dilma, ela atuou por intermédio da Focal. Investigadores da Custo Brasil e da Lava Jato verificaram que as duas empresas integram um mesmo negócio. Compartilham equipamentos e movimentam recursos entre si, conforme relatórios da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Documento da Custo Brasil com dados das contas de Cortegoso e das empresas vê ocorrências suspeitas como depósitos e saques em espécie “que apresentam atipicidade em relação à atividade econômica”, “movimentação de recursos incompatível com o patrimônio” e “movimentação de recursos de alto valor, de forma contumaz, em benefício de terceiros”.

Com as transações financeiras entre as duas empresas, a força-tarefa suspeita que propina tenha transitado por suas contas. Parte dos valores movimentos na CRLS, que apontam indícios de ocultação de origem, é de 2014. Naquele ano, a empresa registrou R$ 9,3 milhões de entrada e R$ 8,5 milhões de saída, mas declarou receita bruta de R$ 2,5 milhões.

“A referida empresa é uma produtora, que fazia eventos para o PT, e que tinha créditos com o PT. Cortegoso teve evolução patrimonial bastante rápida, tendo sido garçom e atualmente teria até mesmo avião em seu nome”, afirmou a Procuradoria da República.

 

Parceria. Os pagamentos da campanha de Dilma são investigados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ação implica a chapa reeleita em 2014, o que inclui o presidente em exercício, Michel Temer (PMDB). Para o ministro Gilmar Mendes, há “indicativos” de que o PT e a candidatura presidencial foram financiados por propina desviada da Petrobrás. A Focal é uma das empresas que passam por perícia técnica por suspeita de incompatibilidade entre serviços ofertados e a estrutura existente.

Fundada em 2005, a Focal tem sede em um galpão. A CRLS foi aberta em 2009, um ano antes de Cortegoso comprar sete imóveis do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula, réu na Lava Jato, acusado de tomar empréstimo de R$ 12 milhões para o PT, em 2004. A transação também está sob investigação.

A Focal está registrada em nome da filha e de um funcionário de Cortegoso, e a CRLS, atualmente em nome do empresário e de sua mulher.

A relação de Cortegoso com o PT tem mais de 20 anos e deslanchou após Lula assumir a Presidência em 2003. Os negócios suspeitos com o partido surgiram em 2005, quando Cortegoso e a Focal foram citados por Marcos Valério na CPI dos Correios como destinatários de dinheiro de caixa 2 do mensalão.

Em 2006, a Focal recebeu R$ 3,9 milhões da campanha à reeleição de Lula. Quatro anos depois, já com Dilma, os gastos do partido com a empresa chegaram a R$ 14,5 milhões.

 

Defesas. Procurado por meio de seu advogado, Márcio Decreci, Cortegoso não quis se pronunciar.

Segundo o defensor, o caso está sob sigilo.

Sobre os imóveis, a defesa de Bumlai afirma que a venda foi feita dentro da “mais estrita observância da legislação” e não há irregularidade no negócio.

O advogado Flávio Caetano, da campanha de Dilma, informou que a Focal presta serviços de montagens de palanques em todo o País. “O papel da campanha é saber se a empresa existe, se tem capacidade para prestar os serviços no prazo, com a qualidade acertada e preço de mercado”, disse Caetano. “Não cabe à campanha saber da vida privada da empresa. O PT e o Instituto Lula não responderam à reportagem.

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Patrimônio pessoal de empresário reforça indício

 

10/07/2016

 

O patrimônio pessoal de Carlos Roberto Cortegoso e seus negócios imobiliários com o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reforçam as suspeitas da força-tarefa da Lava Jato e da Custo Brasil de que o empresário está envolvido em lavagem de dinheiro.

“A movimentação de Cortegoso chama a atenção por ser, em muitos casos, 69 vezes maior do que o valor de seus rendimentos declarados”, afirmou representação da Polícia Federal, na Operação Custo Brasil.

Documento da Receita Federal com base em dados de 2010 a 2014 mostra que a movimentação financeira de Cortegoso foi superior aos rendimentos declarados.

“Embora tenha declarado renda de R$ 10 mil por mês, (Cortegoso) movimentou R$ 1.450.199,00 em um ano”, afirmou a Procuradoria.

O ex-vereador do PT Alexandre Romano, que fechou acordo de delação premiada, afirmou que Cortegoso “aparentava ser uma pessoa simples”. “Carlão conversava abertamente que tinha sido garçom, mas que tinha aberto essa empresa para atender o PT e que ele fazia todos os eventos do partido”, afirmou Documento da Receita informou também que, entre 2010 e 2012, Cortegoso negociou sete imóveis com Bumlai. Os terrenos foram vendidos sem lucro.

Para adquirir os bens, o empresário usou a CRLS Consultoria e Eventos. Um dos imóveis foi vendido por R$ 4 milhões. Bumlai nega irregularidades no negócio. / RB, FM, MC e FS

 

O Estado de São Paulo, n. 44826, 10/07/2016. Política, p. A4