Estouro da boiada

 

10/07/2016
Eliane Cantanhêde

 

A Câmara dos Deputados chegou à redemocratização com o inatacável Ulysses Guimarães na presidência, mas acendeu o sinal amarelo com a eleição do indescritível Severino Cavalcanti e o sinal vermelho com o duplamente réu Eduardo Cunha e, agora, não apenas convive com o inacreditável Waldir Maranhão como está entre duas opções: ou um estouro da boiada e mais um presidente problema, ou uma união das forças políticas em torno de um nome palatável pela opinião pública.

Os maiores partidos, PMDB, PSDB e PT, simplesmente não apresentaram candidatos, para não piorar a implosão da Câmara e para esperar 2017. Mas, além deles, nenhum outro partido fechou firmemente em torno de um nome que preencha requisitos básicos, como o respeito da grande maioria e uma ficha razoavelmente limpa. Está difícil! Eleições para as presidências da Câmara e do Senado deveriam ser como quaisquer outras, quando sempre despontam nomes naturais, com liderança, legitimidade e ampla simpatia entre seus pares, como o de Ulysses, que era inquestionável. Mas os Ulysses andam em falta, e Severino Cavalcanti, de triste memória, acabou chegando lá exatamente por eliminação: não havia soluções naturais, nem consenso em torno de nomes. “Se não tem tu, vai de tu mesmo.” Depois, aguenta.

Hoje, a situação é ainda mais complexa: a sucessão de Eduardo Cunha gira em torno do próprio Eduardo Cunha.

Com uma multidão de candidatos avulsos no primeiro turno, o segundo será entre o candidato dele e aquele que galvanizar o anti-Cunha, criando um interessante movimento: Planalto e líderes anti-impeachment, PT e PSDB, todos teriam de tapar o nariz e se unir em torno de um mesmo candidato contra o “inimigo comum”. Até ontem, o nome mais forte era Rodrigo Maia (DEM), mas isso sempre pode mudar.

Assim, a maior força do deputado Rogério Rosso (PSD-DF) é Cunha (no primeiro turno) e a maior fraqueza de Rosso também é Cunha (no segundo).

Os demais não são candidatos ainda a presidente, mas candidatos a antídoto contra Cunha e Rosso, sem que nenhum deles consiga convencer nem ter apoio consensual nos seus próprios partidos. O PSB, o PP, o DEM, todos têm mais de um postulante, o que pode chegar a uma lista de 14 nomes. Quando há tantos, é porque não há nenhum. Logo, o estouro da boiada é no deserto.

O Planalto emite sinais contraditórios.

Michel Temer se encontra com Cunha no escurinho do Jaburu num domingo à noite, mas nega. É suspeito de tramar um acordão com Cunha para adiar sua cassação e garantir-lhe ingerência na escolha do sucessor, mas nega. Jura que o Executivo não vai se meter numa decisão da Câmara, mas sua entourage não faz outra coisa, claro. Um adversário na presidência da Câmara?! Enquanto isso, o Centrão bate cabeça, a base aliada ao Planalto está pulverizada em várias candidaturas e a “nova oposição” (PT e seus seguidores), que andava muito silenciosa, monta uma armadilha para Temer. Ou todos fecham com Rodrigo Maia, ou vem aí o ex-ministro da Saúde do final de Dilma, Marcelo de Castro, como forma de encurralar o presidente interino. Ou apoiar Castro, que votou contra o impeachment, mas é do PMDB, ou optar por Rosso ou um candidato qualquer de Cunha, confirmando a tese indigesta de um “acordão” entre Temer e Cunha.

Tudo está confuso, incerto e expondo as entranhas da Câmara: partidos rachados; um presidente que jamais deveria chegar aonde chegou e corre o risco de sair dali direto para a prisão; um substituto não só incapaz em vários sentidos como capaz de tentar um golpe para anular o impeachment aprovado em plenário; a inexistência de dois ou três líderes que emergissem como soluções naturais; logo, uma preocupante rejeição da opinião pública.

E a Operação Lava Jato nem começou ainda a julgar, condenar e prender os políticos.

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‘Aceito ser candidato se for o nome de consenso’, diz Rosso

 
10/07/2016
Luiz Maklouf Carvalho

 

“Aceito ser candidato à presidência da Câmara se for o nome de consenso da maioria. Mas não gostaria de ser o nome de consenso.” O quero-masnão- quero, dito nessa ordem é do deputado federal Rogério Schumann Rosso, de 47 anos, primeiro mandato. “De centro, pro lado direito”, como se define o brasiliense nascido no Rio de Janeiro e líder do PSD – a sexta maior bancada, com 37 deputados –, ex-presidente da Comissão Especial do impeachment, e um dos nomes com boa cotação para assumir o lugar do quase-já-vai-tarde Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Rosso recebeu o Estado na manhã da quarta-feira passada, em sua bela casa de 400 metros quadrados no Lago Sul, em Brasília. Defendeu a renúncia de Cunha – anunciada na quinta-feira seguinte –, afirmou que nunca pertenceu a seu grupo político (“A relação foi apenas institucional, de líder para presidente”), e disse não acreditar que Cunha possa ter qualquer influência efetiva na escolha do novo presidente.

Nas contas do deputado – “julho é recesso, agosto é Olimpíada, setembro e outubro têm eleição” –, o próximo presidente terá apenas três meses de pleno exercício (o mandato acaba em fevereiro do ano que vem). “Uma disputa combativa por tão pouco tempo não me parece salutar para o País”, disse. “Num momento em que está em jogo a garantia da governabilidade, mais do que o poder de comando da Casa, a disputa pode fragilizar ainda mais a base do governo.” Sua primeira tarefa, com o cargo na mão, seria “fazer com que a Casa volte à normalidade, prestigiando os partidos, o colégio de líderes, e formatando uma agenda previsível para os próximos cinco meses, que ajude o País a sair da crise”.

O País, no caso, é o governo interino de Michel Temer, onde seu partido tem um ministro, Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), e outros postos de relevo na administração federal.

“O presidente está indo bem nos dois pilares em que a presidente Dilma foi mal: política econômica e relacionamento com o Congresso”, disse.

“Com a vantagem de já ter sinalizado que não é candidato à reeleição”, acrescentou.

 

Militante. Os dois se conhecem desde que Rosso era um entusiasmado militante do PMDB de Brasília. Temer perguntou, pouco antes de assumir, se o deputado desejava alguma posição no governo interino.

Ele se disse honrado com a sondagem, mas declinou. Explicou ao presidente, para não parecer desdém, que tem um projeto de lei defendendo quarentena para quem tenha sido presidente ou relator de comissão do impeachment.

Favorável ao afastamento definitivo da presidente Dilma, “por crime de responsabilidade”, acha, em tese, que ela ainda possa voltar. Mas sua percepção é a de que o jogo acabou.

Lembrou que a presidente o recebeu sete vezes, como líder da bancada pedessista e amigo e braço direito do ministro Gilberto Kassab, na época, comandando a pasta de Cidades na gestão petista. Nunca o convidou para uma conversa a dois, ou a três. Com Temer, em dois meses, Kassab novamente ministro, Rosso já contabilizou 15 reuniões. O hoje presidente já esteve na casa do Lago algumas poucas vezes, como convidado para eventos sociais.

 

Roqueiro. Rosso é músico autodidata. Toca piano, baixo e guitarra com destreza e desenvoltura, compõe, e é roqueiro aficionado que pode ficar horas e horas conversando sobre bandas e artistas contemporâneos, especialmente os do gênero heavy metal, seu preferido. Seu aplicativo para ouvir música tem duas mil pedradas, “99,9% de rock”. Adorará responder, por exemplo, se não é absurdo colocar Jimmy Page, do Led Zeppelin, apenas em quinto lugar em sua lista de cinco melhores guitarristas do mundo.

No pequeno estúdio logo à esquerda na entrada da residência, Rosso executa solos curtos, de piano e de guitarra, para mostrar que manda bem.

“Eu sou advogado e músico, mas estou político”, gosta de dizer. Suas performances podem ser vistas no canal que tem no YouTube – como os 11 minutos de Brasilia Magical Journey, composição que compartilha com 35 músicos, num fantástico desfile de guitarras estilosas – ou em sua página do Facebook, por onde passam até 450 mil cliques mensais.

O estúdio é o seu canto preferido da casa no Lago Sul – no momento vazia, porque dona 0Karina Curi Rosso e os quatro filhos (de 15 a 9) estão passando as férias na Disney. O deputado usa o estúdio para tocar, pelo menos meia hora por dia, para ler e para rezar. É devoto de Nossa Senhora de Lourdes, com peregrinação anual ao santuário, no sul da França. “Rezo muito”, diz, servindo-se de uma bem fornida bandeja de café.

O livro do momento está em uma das pequenas mesas que atravanca o lusco-fusco do estúdio: Regimento Interno da Câmara dos Deputados. São 470 páginas.

Ele está no capítulo 12, que trata das questões de ordem.

Há muitos grifos de caneta azul e algumas anotações. Não é campanha para a presidência – ele dirá, rindo –, mas uma releitura que vai embasar uma próxima proposta de mudança regimental. “É preciso atualizar e, principalmente, simplificar o regimento da Câmara, fazendo- o dialogar com o do Senado”, explica. Uma das mudanças que vai propor é a criação de um prazo para que uma Casa decida sobre votações da outra, o que hoje não existe.

Músico desde os 15, Rosso formou-se advogado, teve escritório e acabou optando em ser diretor executivo de grandes montadoras de veículos, como Caterpillar, Mercedes- Benz e Fiat, com atuação nos pátios das respectivas fábricas.

No final de 2002, a Fiat o convidou para trabalhar no exterior.

Ele até quis ir – “estava no auge da carreira”, diz –, mas dona Karina, hoje subsecretária do governador de Brasília, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), simplesmente vetou. Ela é filha do empresário Roberto Curi, dono do Grupo Curinga (de pneus, principalmente), e tem a veia política mais grossa que a do marido. Conseguiu, na época do convite profissionalmente tentador, que o então governador Joaquim Roriz, pai de uma velha amiga sua – a hoje deputada distrital Liliane Roriz (PTB) – convidasse seu marido, já pai de Roberta, para secretário de Desenvolvimento Econômico. Rosso aceitou, “para evitar uma situação de extrema infelicidade na família”.

Ganhou, de cara, aos 32 anos, o vício de fumar. Chegou aos cinco maços ou 100 cigarros.

Por dia. Parou, de fato, dez anos depois, quando um quase-infarto o levou na correria para o hospital. Chegou a pesar, depois, 132 quilos. Hoje são 100, para 1,94 de altura, mantidos com ciclismo, natação, musculação e disciplina. Acorda às 5h30, regularmente, e dá-se por satisfeito com seis horas de sono.

Rosso passou incólume pelos governos Roriz e, depois, José Roberto Arruda – ambos cenário de muitos escândalos, alguns ainda em tramitação.

Ninguém arrancará dele qualquer crítica a nenhum dos dois. “Foram bons gestores e administradores”, limita-se a dizer. “Quanto à conduta ética, cabe à justiça decidir.”

 

O sogro. Em 2006, com 50 mil votos e o apoio financeiro do sogro, Rosso não passou da primeira suplência à Câmara dos Deputados. Em 2010, com 13 votos, foi eleito governador indireto do Distrito Federal – no mandato-tampão da gestão Arruda, que fora cassado pela Justiça Eleitoral. Rompido com o PMDB de Brasília, por questões políticas locais, entrou no PSD, a convite de Kassab, e candidatou-se novamente em 2014, na base aliada de Dilma Rousseff. Elegeu-se com 93.653 votos. Do R$ 1 milhão que arrecadou para a campanha, R$ 600 mil saíram do sogro e do Grupo Curinga. Sua declaração de bens, na mesma campanha, arrolou quatro imóveis e um carro no valor de custo de R$ 580 mil. O maior imóvel é uma chácara em Cidade Ocidental (GO) – onde planta maracujá e tem um estúdio profissional de gravação desativado pela política. “Não respondo a nenhum processo”, disse. É parte no inquérito 1.055, que tramita no TRE do Distrito Federal, “mas apenas como testemunha da deputada distrital Liliane Roriz”.

Em tempo: os cinco melhores guitarristas do mundo, na lista de Rosso, são, pela ordem, Jimmy Hendrix, Ingwie Malmsteen, Van Halen, Steve Vai e, por último e menos importante, Jimmy Page. Se pedir, ele dará demonstrações de um por um.

 

Governabilidade

“Num momento em que está em jogo a garantia da governabilidade, mais do que o poder de comando da Casa, a disputa (pela presidência da Câmara dos Deputados) pode fragilizar ainda mais a base do governo (do presidente em exercício Michel Temer).”

Rogério Rosso

DEPUTADO FEDERAL (PSD-DF)

 

O Estado de São Paulo, n. 44826, 10/07/2016. Política, p. A8