Correio braziliense, n. 19383, 20/06/2016. Economia, p. 6

Acesso prejudica a concessão de portos

INFRAESTRUTURA »Rodovias e ferrovias deficientes, localização em área urbana e falta de investimento na navegação por rios encarecem escoamento por terminais marítimos em até R$ 12 bilhões por ano. Custo com frete pode representar metade do valor de produtos exportados
Por: SIMONE KAFRUNI

 

» SIMONE KAFRUNI

 

O leilão de sala vazia para o arrendamento de Terminais de Uso Privados (TUPs) no Pará, que foi adiado em março, e, em junho, novamente suspenso, descortinou problemas ainda mais graves do que a falta de atratividade dos contratos oferecidos pelo governo: as péssimas condições dos acessos aos portos brasileiros. Seja por terra, pela água, ou por trilhos, as condições de transporte de cargas aos terminais portuários são tão precárias no Brasil que os custos com frete chegam a representar até 50% do valor dos produtos exportados.
Dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostram que as perdas com a precariedade dos modais de transporte que levam os produtos aos portos brasileiros podem chegar a R$ 12 bilhões por ano. O pior é que a situação, que já está ruim, tende a se deteriorar. Diante do atual quadro político e econômico, os investimentos minguaram, estreitando ainda mais os gargalos de infraestrutura.
Para os especialistas do setor, a situação dos acessos aos terminais do país traduz a falta de atenção do governo com a questão portuária a despeito do fato de que mais de 90% das exportações brasileiras são escoadas pela via marítima. Apenas 10% são transportados além da fronteira Oeste do país por rodovias. O diretor executivo da CNT, Bruno Batista, explica que o volume de investimentos destinado aos portos sempre foi baixo. 

Entraves
Batista alerta que, para chegar a Santos, o maior porto do Hemisfério Sul, os caminhões precisam passar por dentro da cidade, situação que se repete na maioria dos terminais brasileiros. “Os acessos ferroviários também têm problemas, falta controle e há invasões nas áreas de domínio que resultam em queda da velocidade operacional. A profundidade dos canais de acesso é outro problema”, elenca Batista.
Além de insuficiente, o investimento público destinado aos transportes no país nem sempre é totalmente utilizado. Historicamente, o governo deixa de executar 30% do orçamento destinado ao setor. Em 2012, dos R$ 28 bilhões autorizados, apenas R$ 13,6 bilhões foram executados. De lá para cá, apesar de as necessidades terem aumentado, os recursos encolheram. “Chegamos, em 2016, com orçamento de R$ 10,7 bilhões. Queda de 300% em relação a 2012.”.
O que o governo tem feito, diz o especialista, é relegar os investimentos para a iniciativa privada. “No entanto, o último leilão foi suspenso pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Isso deu um sinal ruim para o investidor, que precisa ter um horizonte de retorno mais amplo”, comenta.

Modelagem
Além de suspensos, na primeira vez, com a alegação de problemas técnicos, os leilões foram remarcados e novamente não se realizaram. O último arrendamento de área para fertilizantes do porto de Santarém, no Pará, marcado para 10 de junho, também foi suspenso. Segundo a Antaq, a modelagem dos editais deverá ser ajustada com o objetivo de melhor atender à demanda atual. Para os especialistas, no entanto, não há dúvida: faltam interessados. Mas por quê?
Na avaliação do presidente da consultoria Inter.B, Claudio Frischtak, além da falta de segurança jurídica nos contratos, os últimos terminais de uso privado colocados em leilão não tiveram interessados porque os portos brasileiros têm péssimos acessos, o que afasta os investidores privados. “Porto precisa de carga e de acesso. Os terminais do Pará teriam carga garantida — a produção de grãos do Centro-Oeste — o problema ali é a BR-163, que é precária, muito ruim mesmo.”
O setor agrícola, o mais pujante da economia brasileira, é o que mais sofre com a falta de competitividade logística do país. “Quanto maior a velocidade permitida nos acessos, maior a eficiência no transbordo e  na competitividade logística. O que a gente vê no Brasil é o dinamismo do setor agrícola se esvair”, lamenta Batista.
Luiz Antônio Fayet, consultor de Planejamento Estratégico e Logística da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), ressalta que o agronegócio brasileiro aparece no primeiro time do mercado internacional, apesar da falta de competitividade logística. “O setor nasceu na Região Sul, expandiu-se para as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, que não têm infraestrutura adequada. Por isso, da porteira para dentro, o agronegócio brasileiro é espetacular, mas, saindo dali, perdemos a guerra”, diz.
O consultor da CNA explica que, de 2009 a 2013, a quantidade de soja e milho deslocada acima do paralelo 16 para os portos das regiões Sul e Sudeste passou de 38 milhões de toneladas para aproximadamente 60 milhões. “A falta de infraestrutura no chamado Arco Norte — de Itacoatiara (AM) ao Porto do Pecém (CE) — resulta em congestionamento nas rodovias do Sul e do Sudeste.

Economia no frete
O caminho rodoviário mais curto, para os portos do Norte, passa pela BR-163, que tem problemas em toda a sua extensão. No período de chuvas, os caminhões ficam atolados na via, pelas condições dramáticas da pista. Contudo, por sua localização estratégica, próxima do Centro-Oeste, maior produtor de grãos, o uso mais intensivo da rodovia poderia baratear muito o frete. Estudo da CNT calcula que a economia no frete dos grãos poderia chegar a R$ 125 por tonelada com o uso dos portos do Arco Norte. Para isso, contudo, seria fundamental a intermodalidade, com o uso de hidrovias.