Juízes: Gilmar age contra a Lava-Jato

André de Souza e Carolina Brígido

25/08/2016

 

Associação rebate críticas de ministro do STF, que acusa investigadores de vazarem delação

Associações que representam juízes e integrantes do Ministério Público reagiram às críticas feitas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes aos investigadores da Operação Lava-Jato. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) foi a que usou tom mais duro. O presidente da entidade, João Ricardo Costa, acusou o ministro de agir contra a LavaJato e de tentar acabar com a credibilidade das propostas de combate à corrupção em discussão no Congresso.

— Nós estamos contrários a essa postura dele de obstaculizar a Operação Lava-Jato, de criar factoides contra a magistratura brasileira, como ele fez, usando adjetivos grosseiros, não cabidos a um ministro do Supremo Tribunal Federal — afirmou o presidente da AMB, João Ricardo Costa, ao GLOBO.

Anteontem, Gilmar atribuiu ao Ministério Público o vazamento de trecho de uma delação premiada da Lava-Jato com menções ao ministro Dias Toffoli, do STF, e chamou policiais e procuradores de “falsos heróis”. Gilmar também disse que vários juízes de instância inferior ganham até R$ 100 mil por mês, burlando o teto constitucional de R$ 33,7 mil. Nas palavras de Gilmar, “cada um faz seu pequeno assalto”.

Em nota, a AMB afirmou que Gilmar ataca a magistratura brasileira para pôr em dúvida a credibilidade de juízes que trabalham contra a corrupção:

“É lamentável que um ministro do STF, em período de grave crise no país, milite contra as investigações da Operação Lava-Jato, com a intenção de decretar o seu fim, e utilize como pauta a remuneração da magistratura. O ministro defende financiamento empresarial de campanha e busca descredibilizar as propostas anticorrupção que tramitam no Congresso Nacional, ao invés de colaborar para o seu aprimoramento”.

Anteontem, Gilmar também criticara uma das dez medidas contra corrupção propostas pelo MP que tramitam no Congresso. Ela permite que provas colhidas de forma ilícita sejam usadas em investigações, depois de ponderados os interesses em jogo. Gilmar disse que o autor da proposta sofre de “cretinismo”.

— Essa manifestação dele vem num contexto em que ele começa a atacar a Operação Lava-Jato, dizendo que ela tem que terminar, sustentando que medidas anticorrupção que tramitam no Congresso são medidas inadequadas, chegando a adjetivar de cretinos aqueles que fizeram a proposta. Quando o país precisa de medidas dessa ordem, o ministro Gilmar tem defendido financiamento de campanha (empresarial), que é uma fonte para a corrupção.

Em relação aos salários, a AMB sustenta que os vencimentos que ultrapassam o teto incluem verbas indenizatórias que não foram pagas no momento devido e que só agora estão sendo repassadas aos juízes. João Ricardo Costa criticou ainda o apoio de Gilmar ao projeto de lei do abuso de autoridade, visto por investigadores como forma de inibir seu trabalho.

— É visível que ele (Gilmar) tenta incluir na pauta da questão da crise os vencimentos da magistratura. Isso é uma forma de nos atingir, e é uma forma de descredibilizar nossa ação contra a corrupção generalizada que há no país — afirmou o presidente da AMB.

Seis associações que representam integrantes do Ministério Público (MP) manifestaram ontem apoio ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e aos integrantes da Lava-Jato. Em nota, na qual não chegam a citar o nome de Gilmar, elas sustentam que, na falta de bons argumentos, são lançadas acusações vazias contra os investigadores. Entre os signatários está o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti. Em entrevista, ele negou que os integrantes da força-tarefa queiram ser heróis. E, embora destacando que não deseja ser censor de Gilmar Mendes, Robalinho destacou que o ministro dá muito mais entrevistas que qualquer procurador da Lava-Jato:

— Ele fala aos jornais muito mais do que a força-tarefa da Lava-Jato. É apenas para fazer uma comparação e dizer que, muito ao contrário, os membros da Lava-Jato sempre agiram com comedimento. Deram entrevistas apenas nos momentos agudos em que os esclarecimentos eram necessários.

Em sua conta no Twitter, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da forçatarefa, disse que a equipe subscreve a nota das entidades que representam procuradores e promotores. Ele também agradeceu à AMB e a “toda a sociedade brasileira que tem apoiado a Lava-Jato”.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, defendeu a apuração do vazamento da delação da OAS com referências a Dias Toffoli. Ele disse duvidar que a divulgação de informação de forma ilegal tenha partido do Ministério Público.

— O vazamento, eu não consigo imaginar que parta do Ministério Público. Precisamos apurar, porque é algo que conflita com a lei regedora da colaboração premiada, e verificar como houve esse vazamento. Certamente o vazamento não partiu da revista “Veja”— disse Marco Aurélio.

Robalinho defendeu a medida anticorrupção criticada por Gilmar, dizendo que há incompreensão por parte de muitas pessoas que a criticam.

 

 

O globo, n. 30334, 25/08/2016. País, p. 8.