Após atrito com PMDB, PSDB ameaça romper com governo

Júnia Gama, Eduardo Bresciani, Simone Iglesias e Maria Lima

25/08/2016

 

 

Tucanos reagem a ‘sinais trocados’ e apoio do governo ao reajuste de servidores

A tensão gerada pela divergência sobre o ajuste fiscal levou caciques do PSDB no Senado e na Câmara a falar em assumir posição de independência em relação ao governo, após o impeachment. Interlocutores do presidente interino, Michel Temer, entraram em campo ontem para tentar baixar a temperatura na base aliada. A estratégia foi tentar descolar o governo da defesa dos projetos de aumentos salariais e liberar a base para votar como quiser.

Mas os tucanos acusam o PMDB e o Palácio do Planalto de fazerem um “jogo duplo”, que põe o partido numa posição incômoda com setores que pleiteiam os reajustes. No meio do tiroteio, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chamou de “pequenez” a reação de DEM e PSDB, e marcou para o dia 8 a votação do aumento salarial de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em outra frente, os senadores aprovaram, no fim do dia, um reajuste que elevará o piso salarial dos defensores públicos da União em 67%, até atingir 28,9 mil em janeiro de 2018.

À noite, na tentativa de gerenciar a crise, Temer foi jantar na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com líderes de PSDB e DEM. Participaram os ministros Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e Eliseu Padilha (Casa Civil), os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Aloysio Nunes (PSDB-SP), Agripino Maia (DEM-RN) e Romero Jucá (PMDB-RR), e o deputado Antonio Imbassahy (PSDBBA), líder tucano na Câmara, além de Moreira Franco.

Mais cedo, Aloysio Nunes, líder do governo no Senado, fez um discurso veemente contra o aumento, mas o PMDB argumentou que houve um acordo para obter apoio da oposição, liderada pelo PT, em troca da quebra do prazo para votar, ontem mesmo, o segundo turno da PEC de Desvinculação dos Recursos da União (DRU).

Em oposição a Aloysio, a líder do governo no Congresso, Rose de Freitas (PMDB-ES), encaminhou a favor do aumento da Defensoria Pública. A matéria foi aprovada com apoio de PMDB, PT e PCdoB e outros partidos da oposição. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) externou sua indignação com os sinais trocados do governo:

— O mais provável, se continuar assim, é o PSDB liberar sua bancada e ficar em uma posição de independência e indiferença em relação ao governo daqui para frente. Se ficar rachado na sua base, quem vai cair é o governo, não o PSDB. Se a base não apoia essa política, eu também não vou servir de boi de piranha — reclamou Tasso.

O projeto que prevê o aumento para os ministros do Supremo ainda está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Mas há um requerimento de urgência, com assinaturas coletadas pelo PMDB, para tentar levar o tema a plenário.

Renan afirmou que o impacto do reajuste na União seria “mínimo”, de R$ 200 milhões em 2016. Minimizou o efeito cascata, dizendo que o Congresso tem ajudado os estados e municípios com medidas como a renegociação das dívidas. Criticou ainda os que vinculam o reajuste dos ministros e o impacto no teto a uma flexibilização da política fiscal do país.

— Não significa dizer que nós vamos compartilhar o entendimento de que o problema fiscal do Brasil é em função do reajuste do Poder Judiciário. Isso é uma pequenez que restringe muito a discussão e não dá para concordar com ela — afirmou.

O Planalto tenta minimizar a ira dos tucanos contrários ao reajuste. O ministro Geddel, que conversou com Aloysio ontem, após rumores de que este poderia deixar a liderança do governo, disse que o governo não é contra nem a favor do reajuste que elevará de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil os salários no STF.

Geddel tinha conversado com Renan pedindo que deixasse a votação da matéria para depois do impeachment de Dilma.

— Pedi mais tempo para conversar com os senadores e tentar mais harmonia em meio à desarmonia que gerou esse tema — disse.

Uma frase repetida na cúpula do PSDB é a de que o partido não quer ser sócio de projeto falido.

— Isso é a ponta do iceberg. Nosso apoio ao governo só depende do Temer, se ele vai manter ou não o compromisso com o ajuste. Não vamos levar o governo e o PMDB nas costas. Se continuar neste caminho, temos certeza que o governo vai dar errado — afirmou Cássio Cunha Lima (PB).

O senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que apresentou relatório paralelo pela aprovação do aumento do STF disse que o governo não indicou que os reajustes devem ser recusados. Questionado se o governo faz jogo duplo, Raupp assentiu:

— É isto mesmo que está acontecendo. Comigo ninguém falou nada, ninguém pediu para segurar aumento algum.

O líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), disse que, passada a votação do impeachment, convocará a Executiva nacional para rediscutir a participação do partido no governo.

 

“Se continuar assim, é o PSDB liberar sua bancada e ficar em uma posição de independência e indiferença”

Tasso Jereissati (PSDB-CE)

Senador

 

“Isso (reação dos tucanos) é uma pequenez que restringe muito a discussão e não dá para concordar”

Renan Calheiros (PMDB-AL)

Presidente do Senado

 

 

O globo, n. 30334, 25/08/2016. País, p. 9.