Meirelles não descarta aumento de impostos

Martha Beck, Geralda Doca e Gabriela Valente

25/08/2016

 

 

Mas ministro diz não ver necessidade agora. Governo conta com R$ 30 bi em concessões e venda de ativos

 

Para fechar as contas de 2017, a equipe econômica contará com R$ 30 bilhões em receitas de concessões e venda de ativos. Segundo integrantes do Palácio do Planalto, o projeto de lei orçamentária do ano que vem trará uma previsão de aumento de arrecadação de R$ 50 bilhões, sendo a maior parte decorrente dessas operações. Outros R$ 20 bilhões virão do recolhimento de tributos, que deve subir devido ao crescimento da economia, estimado em 1,6%. Mesmo assim, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não descarta um aumento de impostos mais adiante, ainda que, no momento, não seja necessário.

Ao participar de audiência pública ontem na Câmara dos Deputados, Meirelles admitiu que a carga tributária brasileira é uma das mais elevadas do mundo e que subir tributos não é o caminho para resolver o problema fiscal a longo prazo. Mas disse que isso pode ser necessário. Segundo ele, a decisão final sobre o assunto será anunciada até o fim da próxima semana, quando a Lei Orçamentária será enviada ao Congresso.

— Pelo que estamos vendo até o momento, ainda não se configurou essa necessidade. Mas, se for necessário, sim, pode ter aumento de impostos — afirmou Meirelles.

A declaração foi feita um dia depois de o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmar que o governo não aumentará tributos no ano que vem.

 

RELATOR: ‘DIA DO JUÍZO FISCAL’

Elevar a carga tributária pode ser a única saída do governo para atingir a meta fiscal de 2017, de déficit primário de R$ 139 milhões, caso as expectativas com a venda de ativos e concessões sejam frustradas. Nesse pacote estão a raspadinha-Lotex, a Caixa Seguradora e o IRB. No caso das concessões, estão aeroportos, ferrovias, portos, rodovias e áreas de exploração de petróleo.

— A prioridade é a meta de déficit fiscal do ano que vem, e ela será cumprida — disse o ministro da Fazenda.

O Orçamento de 2017 foi elaborado pelo governo já considerando a regra da proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa um teto para os gastos públicos, que está em discussão no Congresso. Mesmo que o texto não seja aprovado este ano, a regra será mantida para 2017. Por isso, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, explicou ontem que também será preciso cortar gastos para fechar as contas.

Por causa da Previdência, as despesas obrigatórias subirão R$ 90 bilhões em 2017. O problema é que, para ajustar o Orçamento à regra do teto, será preciso reduzir os gastos entre R$ 5 bilhões e R$ 10 bilhões. Como não pode mexer nas despesas obrigatórias, o governo terá de cortar as discricionárias, onde estão os investimentos.

Meirelles disse aos parlamentares que as despesas públicas têm um desequilíbrio estrutural e que a PEC é ncessária para resolver isso. Já Oliveira ressaltou que, sem controlar gastos, o Brasil poderá ficar na mesma situação de Grécia, Portugal e Itália, que entraram em colapso:

— Nossas projeções são muito claras: elas (as despesas) vão continuar a crescer indefinidamente se nada for feito. A situação fiscal do país é grave, é gravíssima. Se nada for feito, o Brasil não vai voltar a ter superávits.

O deputado Patrus Ananias (PT-MG) fez duras críticas à proposta do teto. Citando Karl Marx, ele disse que essa é a “PEC do desmonte” e que a medida atende a uma “defesa de interesses”. Meirelles rebateu:

— Vou responder citando Nelson Rodrigues. Ele escrevia que nada é mais brutal do que o fato. O fato concreto é que o Brasil está hoje em recessão, com desemprego aumentando, com a renda da população caindo. E tudo isso com aumento enorme das despesas públicas. Conheço bem a visão de que tudo se resume à defesa de interesses, mas existe o interesse coletivo. A melhor política social é a de criação de emprego, e a pior é aquela que aumenta o desemprego.

O relator da PEC, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), também defendeu a PEC, afirmando que a crise brasileira precisa ser “tratada na UTI”:

— Sem a PEC, vamos ter “o dia do juízo fiscal”.

 

 

O globo, n. 30334, 25/08/2016. Economia, p. 27.