Correio braziliense, n. 19385, 22/06/2016. Política, p. 2

ESQUEMA NA CAMPANHA DE EDUARDO E MARINA

CRISE NA REPÚBLICA » Investigação da Polícia Federal aponta que organização criminosa irrigou disputas eleitorais em 2010 e 2014. OAS é acusada de repassar R$ 18 milhões para empresa de fachada
Por: JOÃO VALADARES, EDUARDO MILITÃO E TÉRCIO AMARAL

JOÃO VALADARES

EDUARDO MILITÃO
TÉRCIO AMARAL

 

 

Brasília e Recife — Investigação da Polícia Federal, que levou à prisão de quatro pessoas na Operação Turbulência, deflagrada ontem em Pernambuco e Goiás, indica que uma organização criminosa, com movimentação financeira de R$ 600 milhões nos últimos cinco anos, irrigou a campanha do ex-governador Eduardo Campos em 2010, ano em que se reelegeu, e 2014, durante a campanha presidencial. O socialista morreu num acidente aéreo quando o Cessna Citation tentava pousar em Santos. O senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), homem de confiança de Campos na época, é apontado como o negociador da arrecadação milionária ilícita que utilizava 18 empresas de fachada para lavagem de dinheiro sujo. “O que nós temos é que o esquema criminoso foi usado para pagamento de propina da campanha do ex-governador”, atesta a delegada da Polícia Federal Andrea Pinho Albuquerque.

A PF afirma que há indícios de que a aeronave utilizada por Campos e pela ex-senadora Marina Silva em 2014 foi comprada a partir de um repasse de R$ 18,8 milhões da empreiteira OAS para a empresa Câmara & Vasconcelos Locação Terraplenagem. “A OAS deposita R$ 18,8 milhões na conta de uma das empresas de fachada sob o suposto pagamento de locação e terraplanagem nas obras de transposição do Rio São Francisco”, afirmou a delegada. A Câmara & Vasconcelos foi aberta em 2007. Com capital social de R$ 600 mil, pertence a Paulo César de Barros Morato, que estava foragido até o fechamento desta edição. “Empresa de pequeno porte adquirindo aviões com valores milionários é suspeito”, disse Andréa Pinho.

Ela comentou a atuação do senador pernambucano. “Das provas que nós temos, eu falo isso baseada nos autos, teria sido o senador Fernando Bezerra Coelho (o responsável pela arrecadação). Há um inquérito que tramita na Operação Lava-Jato sobre o envolvimento dele no esquema da Petrobras. Nós usamos também um inquérito já concluído no STF. É que o esquema teria sido desenvolvido para entrega de recursos para os deputados alagoanos Benedito Lyra e Arthur Lyra. Esse inquérito já foi concluído com delações de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef”, explicou.

O delegado Daniel Silvestre, que também participa da investigação, afirmou que não tinha o montante exato da quantia movimentada por Bezerra. “De acordo com evidências que recebemos do processo que tramita no STF, o senador teria sido responsável por negociar esse aporte da campanha do governador Eduardo Campos na época. Essa é a informação que temos. Não temos o valor exato”, disse.

Os investigadores descobriram que “laranjas” apareciam como os verdadeiros donos da aeronave. O avião estava no nome da AF Andrade Empreendimentos e foi repassado a empresários nordestinos, que assumiram a dívida restante. Empresas fantasmas transferiram valores para a AF Andrade Empreendimentos. Extratos em poder da Polícia Federal indicaram16 transferências de pessoas físicas e empresas fantasmas que somam mais de R$ 1,7 milhão.

A empresa pertence a usineiros do interior de Ribeirão Preto (SP). Com capital social de R$ 222 milhões, a firma de Alexandre, Fabrício e José Carlos Andrade está em recuperação judicial desde julho de 2014, quando recebia pagamentos pelo avião. Ontem, o Correio deixou recados na empresa, mas não obteve retorno.

 

Academia

O empresário João Carlos Lyra Pessoa de Melo Filho, preso ontem em São Paulo, é considerado o “operacionalizador” da “compra”. No extrato da AF Andrade, consta uma transferência dele no valor de R$ 195 mil. Apolo Santana Vieira, também preso na operação, é dono de uma importadora de pneus. Ele aparece com João Carlos na intermediação do negócio.

Dezesseis dos 24 mandados de condução coercitiva e quatro dos cinco mandados de prisão expedidos pela Justiça foram cumpridos. João Carlos Lyra de Melo Filho e Eduardo Freire Bezerra Leite receberam voz de prisão quando desembarcaram no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Os empresários com atuação em Pernambuco já estavam sendo seguidos quando embarcaram juntos, na madrugada de ontem, no Aeroporto Internacional dos Guararapes, no Recife. O voo foi acompanhado por dois policiais à paisana, que aguardaram a expedição do mandado para cumprir a ordem judicial. De acordo com a PF, Eduardo Freire tinha passagem comprada para seguir ainda ontem para Miami, nos Estados Unidos. Com ele, foram encontrados US$ 10 mil em espécie.

Já Apolo Santana Vieira foi preso em uma academia no bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Além deles, foi detido Artur Roberto Lapa Roval. Paulo César de Barros Morato é considerado foragido. Todos os presos foram encaminhados para a sede da Polícia Federal no Recife, na Avenida Cais do Apolo. Para lá também foram levados quatro carros de luxo, entre Porsche, Land Rover e Audi, recolhidos hoje durante a operação. Também foram apreendidas três aeronaves, sendo dois helicópteros e um avião, avaliados em R$ 9 milhões.

 

Frase

“A logística de deslocamento de Eduardo Campos e de sua comitiva neste período era de responsabilidade exclusiva do PSB.  Viajei como carona em oito ocasiões, sempre na companhia de Eduardo Campos para cumprir agendas conjuntas”

Marina Silva, candidata do PSB ao Planalto em 2014

 

R$ 600 milhões

Movimentação financeira nos últimos cinco anos da quadrilha investigada pela Polícia Federal