O globo, n. 30279, 01/07/2016. Economia, p. 17
Tombo de 11% no mês
Dólar tem maior queda desde 2003. Analistas veem BC aproveitando para combater inflação
Por: João Sorima Neto, Rennan Satti, Marcello Corrêa, Martha Beck e Gabriela Valente
Depois de registrar sua terceira queda consecutiva, o dólar comercial encerrou junho com a maior desvalorização mensal desde abril de 2003. A moeda americana caiu 0,74% ontem, a R$ 3,21, o menor nível desde 21 de julho do ano passado (R$ 3,174). No mês, a queda foi de 11,07%, inferior apenas aos 13% de abril de 2003. No ano, a perda acumulada é de 18,6%. A desvalorização do dólar, resultado de uma combinação dos cenários externo — o Brexit — e interno — o processo de impeachment —, está sendo vista como uma ferramenta para controlar a inflação, mas preocupa o setor exportador.
No fim do dia, o Banco Central (BC) anunciou um leilão de swap reverso, que equivale a uma venda de dólar no mercado futuro, no total de dez mil contratos, que somam US$ 500 milhões. Essa operação, que não ocorria desde 18 de maio, visa a evitar uma queda acentuada do câmbio.
— O leilão deve “testar as águas” — disse uma fonte da área econômica.
Segundo o operador de câmbio Cleber Alessie, da H. Commcor, o BC deve aproveitar o movimento de queda do dólar para reduzir seu estoque de contratos de swap tradicional (que buscam segurar a alta da moeda), que é de US$ 62,1 bilhões. A retomada dos leilões reversos, diz, também sinaliza ao mercado que o BC se mantém vigilante em relação a uma depreciação muito acentuada do dólar.
— Tivemos um dia atípico, já que houve a formação da Ptax (taxa média) para a liquidação de contratos de câmbio futuro. Pela manhã, puxaram a cotação para baixo para ter uma liquidação mais favorável. A Ptax fechou em R$ 3,20, o dólar subiu um pouco, mas entraram os exportadores vendendo, e a moeda voltou a recuar. Além disso, tivemos um cenário externo tranquilo — disse Ricardo Gomes, especialista em câmbio da corretora Correparti.
‘PARECE NÃO HAVER MAIS PISO’
Segundo ele, o BC sob a presidência de Ilan Golfajn já sinalizou que o câmbio é livre, o que foi interpretado como não havendo um piso para o dólar.
— O BC “antigo” tinha como objetivo manter, com unhas e dentes, um piso de R$ 3,50 para o dólar. Este novo BC ainda está estudando, mas certamente está vigilante para evitar que um dólar muito fraco prejudique nossas exportações. Até agora, o dólar está resistindo a cair abaixo de R$ 3,20. Mas há fluxo estrangeiro para o país, e isso deve aumentar após a consolidação do impeachment da presidente Dilma, o que deve impactar o câmbio — afirmou Gomes.
Para o gerente de câmbio da corretora Treviso, Reginaldo Galhardo, a estratégia do BC é deixar que o próprio mercado defina o piso e o teto para o dólar. Ele não vê, por enquanto, prejuízo para os exportadores, que estariam vendendo um excedente de produção, originalmente destinado ao mercado interno e que encalhou com a recessão.
— Parece não haver mais piso para o dólar. O BC não está atuando para segurar essa queda e, assim, o mercado vai testando para ver até onde a cotação pode cair — afirmou Luiz Roberto Monteiro, operador da corretora Renascença.
Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, também acha que o BC não trabalha mais com um “piso informal”. Maurício Molan, economista-chefe do Santander, vê na nova gestão do BC uma mensagem clara de que o câmbio deve flutuar mais livremente.
Segundo analistas, a consequência mais imediata de um dólar mais fraco é o controle da inflação. Essa seria, inclusive, a razão pela qual o BC estaria menos disposto a interferir no câmbio, diz Luiz Eduardo Portella, sócio-gestor do Modal Asset Management :
— O BC precisa de um câmbio mais baixo para ajudar a inflação. Passando esse choque de alimentos, ele pode voltar a comprar (dólar).
Outro benefício de um dólar mais barato seria a redução do endividamento das empresas, afirmou Molan:
— É só olhar casos de empresas como a Petrobras. Tem empresas que sofreram quando o câmbio bateu R$ 4. Agora pode ser um espaço para elas se protegerem.
REAL FORTE NÃO DEVE DURAR MUITO
O período de real forte, no entanto, deve ser curto. Molan espera algo entre algumas semanas e dois meses. Para o fim do ano, prevê taxa de R$ 3,65, destacando incertezas em relação à situação fiscal e ao cenário interno. A avaliação é compartilhada por Zeina, da XP:
— Meu ceticismo é em relação ao fôlego desse movimento. A gente tem um ambiente externo que ainda não está claro. A tendência é acabar atrapalhando um pouco a dinâmica dos emergentes. E internamente, a gente vê um time econômico se esforçando para um ajuste fiscal, mas ainda há muito a ser entregue.
Já Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector, acredita que esse movimento pode levar o dólar abaixo de R$ 3. Ele se preocupa com os possíveis efeitos sobre o nível de exportações, afetando a competitividade das empresas:
— Os outros países não têm a inflação que temos no Brasil. Com câmbio valorizado, é o pior dos mundos.
Parte da equipe econômica já se preocupa com a desvalorização do dólar frente ao real. Para integrantes do governo, esse movimento é temporário, decorrente de fatores externos como o Brexit. No entanto, se persistir, pode haver problemas. Os técnicos admitem que, a curto prazo, isso ajuda no combate à inflação e na redução do endividamento externo das empresas, mas, a longo prazo, pode afetar o setor exportador.
— Pode prejudicar a economia pelo canal comercial e pelo investimento porque torna os ativos brasileiros mais caros. Como uma das saídas para muitas empresas será a venda de ativos para investidores estrangeiros, ficará mais caro e tornará as operações mais difíceis — disse um integrante da equipe econômica.
Por enquanto, o BC não tem feito intervenções no mercado. Mas isso, ressaltam, não significa que não há um piso para o dólar. Interlocutores da área econômica afirmam que, se a moeda ficar persistentemente em torno de R$ 3,20 ou abaixo disso, o sinal amarelo se acende.
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Enquanto investidores ainda avaliam os impactos do Brexit, o jornal americano “The Wall Street Journal” tem uma recomendação a seus leitores: “na dúvida sobre que moeda comprar, tente o real”. Segundo o diário de finanças, a divisa brasileira foi a que mais se valorizou frente ao dólar desde o anúncio da saída do Reino Unido da União Europeia, que mexeu com os mercados no mundo todo. A alta foi de 4%, mais do que a de tradicionais portos seguros, como o franco suíço e o iene japonês, que se valorizaram 2%, cada um, frente à moeda americana. Os motivos para o desempenho do real incluem os altos juros praticados no Brasil e a expectativa de que, com o fim da crise política no país, a economia brasileira possa se recuperar.