Correio braziliense, n. 19385, 24/06/2016. Política, p. 2

UM VENDAVAL CHAMADO PAULO BERNARDO

INVESTIGAÇÃO » Ex-ministro dos governos petistas Dilma e Lula é preso em Brasília acusado de ganhar R$ 7 milhões em propina de um esquema envolvendo crédito consignado de servidores públicos. Envolvidos negam participação na apuração da PF
Por: EDUARDO MILITÃO E JOÃO VALADARES

EDUARDO MILITÃO

JOÃO VALADARES

 

A Polícia Federal prendeu o ex-ministro Paulo Bernardo, um dos principais atores nos governos Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. Marido da senadora petista Gleisi Hoffmann, ele é acusado de “encabeçar” uma organização criminosa que desviou R$ 100 milhões de servidores públicos que tomavam empréstimos consignados entre 2010 e 2015. A operação Custo Brasil, derivada da 18ª fase da Lava-Jato, apurou que 70% dos R$ 140 milhões pagos pela administração dos empréstimos com desconto em folha à empresa Consist beneficiaram o ex-ministro, o Partido dos Trabalhadores e uma série de operadores e parceiros.

O juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Paulo Bueno de Azevedo, determinou que cópias das provas colhidas pelos investigadores fossem enviadas para o inquérito de mesmo tema contra Gleisi no Supremo Tribunal Federal. Segundo a polícia e o Ministério Público, a Consist contratou fraudulentamente o escritório de advocacia da senadora, Guilherme Gonçalves, que estava foragido ontem. Na entrevista coletiva, os investigadores disseram que ele repassou R$ 7,2 milhões para Bernardo pagar dois empregados, imóvel e ações na Justiça Eleitoral. No entanto, e-mail em poder do STF mostra uma planilha, de fevereiro de 2015, que lista recursos do fundo contábil Consist para pagar despesas da parlamentar e de militantes do PT, além de honorários de Gonçalves. “Estamos investigando até o sr. Paulo Bernardo; se ele repassava, isso vai ser com o STF”, disse o procurador Andrey Borges de Mendonça.

O ex-ministro tinha papel central no esquema. “Havia organização criminosa agindo no ministério, que era encabeçada pelo ex-ministro e boa parte do corpo diretivo do ministério”, disse o delegado regional de Combate ao Crime Organizado da PF em São Paulo, Rodrigo de Campos Costa. Todos os investigados que se manifestaram negaram as acusações.

Segundo a polícia, o esquema só foi possível porque o Ministério do Planejamento (Mpog) precisava de um sistema para centralizar a administração dos créditos consignados mas altos funcionários da pasta trabalharam para favorecer a escolha da Consist. A firma cobrava pouco mais de R$ 1 real para cada uma das centenas de milhares de pagamentos feitos pelos servidores num período de cinco anos, com desconto no contracheque, mas tudo só custava 30 centavos. “Dezenas de milhares de funcionários públicos foram lesados”, afirmou o superintendente ajunto da Receita Federal em São Paulo Fábio Ejchel.

 

Buscas

Com essa sobra milionária de dinheiro, a propina era distribuída pela Consist com contratações simuladas. Bernardo ficava com um percentual de 9,6% inicialmente. Essa taxa de corrupção foi caindo até que, no Ministério das Comunicações do governo Dilma, chegou a pouco mais de 2%. O operador e ex-vereador de Americana Alexandre Romano (PT), que fechou acordo de delação premiada, recebia um percentual de 20% a 25% e repassava 80% do dinheiro que ficava com ele para o PT. Segundo ele, esses recursos chegavam ao partido a partir da orientação dos ex-tesoureiros João Vaccari Neto, preso e condenado no Paraná, e Paulo Ferreira, que estava foragido até ontem. Outros operadores, chamados de “parceiros”, distribuíam o restante dos recursos a outras empresas — a maioria de fachada ou em nome de laranjas.

O juiz ordenou 40 ordens de buscas e apreensão, inclusive duas motos Harley Davidson do ex-ministro e ex-secretário do Ministério do Planejamento Carlos Gabas. Foi numa delas que ele colocou Dilma na garupa para passear pelas ruas de Brasília em agosto de 2013. Bernardo foi preso na 309 Sul, em Brasília, no apartamento funcional da senadora, onde houve busca e apreensão, mas apenas contra o ex-ministro — Gleisi tem foro privilegiado no STF. O Ministério Público chegou a pedir ao juiz Paulo Azevedo que fosse feito “auto de constatação” de bens e objetos da senadora, mas ele rejeitou a proposta. Ainda assim, o Senado entrou com reclamação no STF por causa da ação. E ainda prometeu ajuizar uma queixa contra o magistrado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

 

Frase

“Havia organização criminosa agindo no ministério, que era encabeçada pelo ex-ministro e boa parte do corpo diretivo do ministério”

Rodrigo de Campos Costa, delegado regional de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal em São Paulo

 

R$ 100 milhões

Total dos desvios feitos a partir de empréstimos tomados por servidores públicos