O globo, n. 30279, 01/07/2016. País, p. 4

Cavendish, da amizade à mágoa com Cabral

Ex-dono da Delta, que buscava retomar negócios, não perdoa ex-governador por se sentir abandonado
Por: Juliana Castro e Chico Otavio
 

A ordem de prisão do ex-empreiteiro Fernando Cavendish chega no momento em que ele tentava reabilitar a imagem, após a recuperação judicial e venda dos ativos da Delta para o grupo espanhol Essentium, no ano passado. Quem conviveu com Cavendish nas últimas semanas o descreve como um homem magoado, que não perdoa o ex-governador Sérgio Cabral por tê-lo abandonado em 2012, quando veio à tona a relação do ex-dono da Delta com Carlinhos Cachoeira, durante a Operação Monte Carlo e a CPI do Cachoeira.

A empreiteira de Cavendish viveu o auge entre 2006 e 2011, quando tornouse a campeã de pagamentos do governo federal e amealhou algumas das principais obras do governo fluminense sob a gestão de Cabral, como a reforma do Maracanã e o Arco Metropolitano. Em 2010, o faturamento da empresa foi de R$ 3 bilhões.

Mas uma tragédia familiar revelaria que as relações entre Cavendish e Cabral iam além dos negócios públicos. Na queda de um helicóptero, em junho de 2011, na Bahia, morreram Mariana Noleto, namorada do filho do então governador; Jordana Kfuri, mulher do ex-presidente da Delta; e mais quatro pessoas. Cabral e o filho Marco Antônio também participavam da viagem, mas não embarcaram na aeronave, que levou somente as mulheres e as crianças. O motivo da viagem à Bahia foi a festa de aniversário de Cavendish.

 

OBRAS SEM LICITAÇÃO

Na época, Cabral negou que as relações pessoais com o então presidente da Delta tivessem influenciado no aumento de contratos da construtora. A empreiteira obteve cerca de R$ 1 bilhão em obras no período entre 2007, primeiro ano do governo Cabral, e junho de 2011. Reportagem publicada pelo GLOBO à época mostrou que, somente em 2011, a empreiteira obteve R$ 58,7 milhões em empenhos para a realização de serviços para os quais não houve licitação, pois foram aprovados em caráter emergencial.

No ano seguinte ao acidente, a Operação Monte Carlo foi um novo baque ao prender Carlinhos Cachoeira sob a acusação de que comandava uma quadrilha que explorava o jogo ilegal em Goiás, e descobrir que vinha da Delta grande parte do dinheiro repassado às empresas fantasmas do bicheiro. De acordo com o MPF, a relação era tão próxima que Cachoeira seria um sócio oculto da Delta. Depois da operação e da CPI do Cachoeira, na Câmara, Cavendish deixou o comando da Delta. A empresa pediu recuperação judicial.

Depois de a CPI do Cachoeira já ter sido instalada no Congresso, o ex-governador do Rio Anthony Garotinho divulgou fotografias em que Cabral aparecia risonho ao lado de Cavendish, em Paris. Em outra imagem, o ex-presidente da Delta aparecia com secretários de Cabral usando guardanapos na cabeça. No grupo, estavam o então secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, e o de Governo, Wilson Carlos.

Cabral conseguiu livrar-se de depor na CPI e saiu de cena, encerrando também a amizade com o ex-empreiteiro. Cavendish, isolado e sem a empresa, mudouse do Rio para São Paulo. Embora resista a revelar os bastidores da relação da Delta com o poder, abre uma exceção quando o tema é a decepção com Cabral.

Órgãos relacionados:

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Pivô de muitos escândalos, Cachoeira já foi condenado

Adir Assad também já cumpria pena da Lava-Jato em prisão domiciliar

 

-BRASÍLIA- Carlinhos Cachoeira é personagem frequente em escândalos políticos. Em 2012, a Justiça Federal em Goiás condenou o bicheiro a 39 anos, oito meses e dez dias de prisão por formação de quadrilha, corrupção ativa, violação de dados sigilosos, advocacia administrativa e peculato. Mas ele ganhou o direito de recorrer em liberdade. Naquele mesmo ano, antes da condenação, passara nove meses preso em Brasília, alvo da Operação Monte Carlo.

Na operação, foram presos ele e mais 34 pessoas suspeitas de envolvimento num esquema criminoso de exploração da jogatina mediante corrupção de forças policiais e de integrantes dos governos de Goiás e do Distrito Federal. A evolução das investigações demonstrou uma atuação que ia muito além da exploração ilegal de jogos de azar: o bicheiro atuava para a Delta Construções em contratos com diferentes governos.

A operação provocou um escândalo político em 2012, principalmente por conta da relação entre o bicheiro e o então líder da oposição ao governo Dilma, o senador Demóstenes Torres. Demóstenes pôs o mandato a serviço de Cachoeira e foi cassado pelo Senado.

O Congresso instalou a CPI do Cachoeira naquele ano. As relações do bicheiro se estendiam a 13 parlamentares, mas a CPI terminou sem sugerir o indiciamento de ninguém.

 

TORNOZELEIRA DE ASSAD VIBRA

O empresário Adir Assad estava em prisão domiciliar por conta da condenação de nove anos e dez meses na Operação Lava-Jato. Quando ele foi preso ontem, e retirado de casa para ser levado à Superintendência da PF, a tornozeleira eletrônica passou a vibrar. As autoridades que participaram da prisão pediram ao juiz Sérgio Moro que o dispositivo fosse desativado.

Na Lava-Jato, Assad foi condenado pelo juiz Sérgio Moro depois que o Ministério Público descobriu que ele usou empresas de fachada entre 2009 e 2012 para lavagem de R$ 40 milhões desviados da Petrobras, que tiveram como destino o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e o ex-gerente da estatal Pedro Barusco.

Órgãos relacionados:

  • Senado Federal

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Nas obras do Pan, Delta deixou problemas

Empreiteira de Cavendish foi responsável pela maioria das arenas de 2007 MAL-ACABADAS
 
Por: Carolina Oliveira Castro
 

Superfaturadas, mal-acabadas e pouco eficientes. Assim costumam ser definidas as obras feitas pela empreiteira Delta Construções para o Pan-Americano de 2007. Menos de nove anos depois de serem construídas, as que ainda estão de pé tiveram que passar por reformas estruturais significativas para poderem receber a Olimpíada do Rio.

Atrasos, problemas de engenharia e sucessivos aumentos de preço fizeram com que CPIs e investigações fossem feitas ao longo dos anos, sem nenhum resultado. Ontem, o Estádio Aquático Maria Lenk foi citado nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que aponta desvio de verbas e superfaturamento em obras da Delta.

A empreiteira de Fernando Cavendish, que teve sua prisão decretada, participou da construção de três das quatro arenas erguidas para o Pan. O velódromo, que seria temporário, subiu de preço e passou a ser fixo. Foi licitado por R$ 7 milhões e custou R$ 14,1 milhões. Fora dos padrões olímpicos, ele foi desmontado e levado para a cidade de Pinhais, no Paraná, onde está abandonado por falta de dinheiro para remontagem.

A mais problemática das obras assumidas pela Delta no Pan foi a construção do Engenhão. Inicialmente orçado em R$ 60 milhões (como consta no Diário Oficial do dia 15 de janeiro de 2003), o estádio olímpico já tinha consumido, em março de 2007, R$ 360 milhões da prefeitura. Cinco vezes mais.

A Delta, que formava um consócio com a Racional e a Recoma, abandonou a obra do estádio quando a cobertura estava começando a ser montada. Faltando meses para o começo do Pan, a obra foi assumida pelo Consórcio Engenhão (Odebrecht e OAS).

Em 2013, a prefeitura do Rio interditou o Engenhão, alegando que a cobertura corria risco de colapso por erro no projeto feito pelo primeiro consórcio. A Odebrecht e OAS pagaram mais de R$ 200 milhões pela obra e cobram da Delta na Justiça. Além disso, a prefeitura gastou R$ 52 milhões para resolver o crônico problema de iluminação do Engenhão. Nessa conta estão ainda a drenagem do gramado e todo o sistema hidráulico.

Em 2010, Delta, Odebrecht e OAS, venceram a licitação para reforma do Maracanã, mas a empresa de Cavendish também abandonou a obra, que custou R$ 1,266 bilhão e é investigada pela Lava-Jato por suspeita de superfaturamento e pagamento de propina ao então governador, Sérgio Cabral.

O Maria Lenk tinha o custo previsto de R$ 88,2 milhões, mas acabou custando em R$ 91,6 milhões. Para os Jogos, a prefeitura gastou mais R$ 32 milhões em reformas estruturais.

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Polícia Federal investiga empresa da família de relator de CPI

Embratec, de João Carlos Bacelar, é um dos alvos da Operação Tabela Periódica

Por: Eduardo Bresciani
 

Uma empresa da família do relator da CPI do Carf, o deputado João Carlos Bacelar (PR-BA), foi um dos alvos ontem da Operação Tabela Periódica, da Polícia Federal, que investiga a atuação de um cartel de empreiteiras em licitações da Valec, estatal federal da área de ferrovias. A Embratec foi apontada em acordo de leniência da empreiteira Camargo Corrêa como uma das empresas do esquema. Pela investigação, chegam a 37 as empresas que participaram do cartel.

Bacelar é herdeiro da empresa, que permanece tendo como sócio-administrador nos registros da Receita Federal o pai do deputado, já falecido. O GLOBO procurou Bacelar ontem, mas não o localizou.

A Operação Tabela Periódica investiga prejuízos aos cofres públicos de R$ 631,5 milhões. Foram cumpridos ontem 44 mandados de busca e apreensão e 14 mandados de conduta coercitiva em Goiás e outros oito estados. O objetivo é colher provas adicionais sobre o envolvimento de empreiteiras e seus executivos em crimes de formação de cartel, fraudes e pagamento de propinas.

Desdobramento da Lava-Jato, a operação é também uma nova etapa da Operação O Recebedor, deflagrada em 26 de fevereiro. A Camargo Corrêa já se comprometeu a devolver R$ 800 milhões aos cofres públicos, dos quais R$ 65 milhões destinados a ressarcir os danos causados à Valec.

Segundo o documento do acordo de leniência da Camargo Corrêa, tornado público pelo Conselho Administrativo e Defesa Econômica (Cade) ontem, a Embratec participou do cartel em licitações no ano de 2010 de obras das ferrovias Norte-Sul e Oeste-Leste. A empresa, porém, fez parte de um consórcio que acabou perdendo o lote que lhe tinha sido direcionado pelo acordo dos empreiteiros, gerando até surpresa entre os participantes do esquema. “A expectativa do cartel era que o Consórcio Ferrovias do Brasil (composto pelas empresas Embratec/ Paviservice/ S.A. Paulista/ Somague/ Top) se sagrasse vencedor”, diz trecho do documento.

Em gravação obtida pelo GLOBO, em 2012 a ex-mulher do deputado, Isabela Suarez, afirmou que o parlamentar tinha tentado direcionar um lote da ferrovia Oeste-Leste para a empresa da família. Segundo o relato dela, a tentativa foi frustrada porque o deputado Valdemar Costa Neto, líder do PR, interferiu a favor de uma empresa portuguesa, a Cavan.

Na gravação, Isabela disse: “João foi tirado, João não participa mais. Na época foi o maior bafafá, a gente tentou articular para ele voltar. Na época foi a maior confusão porque tinha um lote destinado a ele. Parece que Valdemar Costa Neto se juntou com uma empresa de Portugal e o tirou da jogada. Ele foi limpado do processo”.

Os executivos da Camargo Corrêa contam que o cartel existe, ao menos, desde o governo Fernando Henrique. Relatam uma licitação dessa época na qual teria havido direcionamento por ele para beneficiar Camargo, Mendes Jr., SPA e Andrade Gutierrez.

Segundo o documento, a prática se consolidou a partir de 2003 e foi ampliada em 2010, chegando a contemplar as 37 empresas. José Francisco das Neves, o Juquinha, ex-presidente da Valec, teria sido o responsável pela ampliação do cartel, incluindo construtoras de menor porte. Juquinha ocupou o cargo por indicação do PR, partido de Bacelar e Valdemar.