Correio braziliense, n. 19389, 26/06/2016. Política, p. 4

A Lava-Jato além das fronteiras de Curitiba

CRISE NA REPÚBLICA » Primeiras ramificações da operação longe das mãos do juiz Sérgio Moro mostram que não se concretizou o temor de enfraquecimento após processos serem desmembrados
Por: MARIA CLARA PRATES

MARIA CLARA PRATES

 

A semana passada provou que não se confirma o temor de que o desmembramento dos processos da Operação Lava-Jato — centralizada em Curitiba sob o comando do juiz federal Sérgio Moro — enfraqueça as investigações contra a corrupção. Com as operações Turbulência e Custo Brasil, que acertaram em cheio nomes do PSB e do PT, as investidas da Polícia Federal, da Procuradoria da República e da Receita Federal, pela primeira vez, não partiram da caneta de Moro, mas da Justiça Federal de Pernambuco e São Paulo. No entanto, todas as informações tiveram um único ponto de partida: a Lava-Jato, que apura desvios de recursos da Petrobras para pagamento de propinas a políticos e financiamento de campanhas.

Se vale o ditado de que o “tempo é o senhor da razão”, a Operação Custo Brasil — desencadeada na quinta-feira em São Paulo e que teve como alvo principal o ex-ministro do Planejamento dos governos petistas Paulo Bernardo, — revela também uma ironia do destino. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu a um pedido da senadora Gleisi Hoffmann (PT-SC) — mulher de Paulo Bernardo e ferrenha defensora do mandato da presidente afastada Dilma Rousseff —, em razão de investigação da Lava-Jato, que apurava irregularidades em contratos do Ministério do Planejamento para gestão de crédito consignado. Justamente o suposto pagamento de propina a Paulo Bernardo motivou a etapa de investigações.

De acordo com as apurações, somente o ex-ministro Paulo Bernardo, que esteve também à frente da pasta de Comunicação, é suspeito de ter recebido R$ 7,6 milhões de esquema ilegal envolvendo operações de crédito consignado de servidores públicos, entre 2010 e 2015. Além de Paulo Bernardo, são investigados os ex-tesoureiros do PT João Vaccari Neto — preso desde 2015 —, e Paulo Ferreira, que se apresentou à Justiça na sexta-feira; Valter Correia da Silva, secretário de gestão do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT); Daisson Silva Portanova, Guilherme de Salles Gonçalves, além de seis pessoas.

 

Campanha

Seguindo o mesmo roteiro, a Operação Turbulência foi desencadeada a partir de Pernambuco, já que apurava as condições de contratação do avião usado pelo então candidato à Presidência da República Eduardo Campos (PSB), morto em acidente aéreo em agosto de 2014. Informações compartilhadas com a força-tarefa da Lava-Jato viabilizaram a apuração do suposto esquema de lavagem de dinheiro e propina para a campanha de Campos. O esquema teria lavado mais de R$ 600 milhões desde 2010.

De acordo com o delegado Marcelo Diniz Cordeiro, superintendente da PF em Pernambuco, a Turbulência reúne diversos documentos da Lava-Jato que permitiram a identificação de empresas fantasmas que contribuíram até para a aquisição da aeronave usada por Campos. Além disso, a investigação demonstrou que a Construtora OAS — uma das empreiteiras investigadas no esquema de desvios na Petrobras — usou uma empresa fantasma para repassar parte da quantia desviada em contrato para obras de transposição do Rio São Francisco.

A PF identificou um repasse de R$ 18 milhões para a OAS. Algumas das empresas alvos da Turbulência foram citadas em delações premiadas de condenados na Lava-Jato. A força-tarefa destacou ainda que o alvo dessa etapa foram os operadores que faziam a captação de recursos e distribuíam propinas a políticos. Em nome deles e de familiares, foram identificadas empresas fantasmas até no Uruguai.

 

Para MP, esquema de desvios ainda se mantém

A Polícia Federal e a Procuradoria da República descobriram que o fundo Consist — cujo mentor e beneficiário maior teria sido o ex-ministro Paulo Bernardo — continuou operando mesmo depois da deflagração da Operação Pixuleco II, em agosto de 2015, quando foram presos um lobista e um advogado sob suspeita de serem os operadores do esquema de desvios milionários sobre empréstimos consignados. Paulo Bernardo deixou o governo Dilma em 2015. A investigação mostra que, mesmo depois da saída dele do Ministério das Comunicações, o fundo Consist ainda se mantém ativo. “Há indícios de que havia uma permanência da organização criminosa e, mesmo após cessarem os cargos públicos esse esquema ainda se mantém em diversos locais, uma gama de contratos ainda está em vigor e diversas pessoas têm uma força política grande”, declarou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça.