Correio braziliense, n. 19391, 28/06/2016. Brasil, p. 5

O DESAFIO DE TRATAR A ÁGUA DE UM PAÍS

MEIO AMBIENTE » Durante evento preparatório do Fórum Mundial da Água, especialistas destacam a importância de investimentos em reservas hídricas e atenção aos esgotos nas cidades brasileiras. Debates em Brasília seguem até amanhã

Por: JULIA CHAIB E RAFAEL CAMPOS

JULIA CHAIB

RAFAEL CAMPOS

 

Se as chuvas e outras ações amenizaram a crise hídrica que assolou o estado de São Paulo, falta de água ainda assombra outras regiões do país, como o Nordeste, que enfrenta uma das maiores secas dos últimos 50 anos e impõe uma série de desafios ao Brasil, segundo especialistas. Investir em reservas hídricas, coleta e tratamento de esgoto, por exemplo, são metas para o país, que sediará em março de 2018 o 8º Fórum Mundial da Água. A análise é do presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, que participou ontem do lançamento oficial do evento, em que estiveram cerca de 700 representantes de 57 países. A largada segue até amanhã em Brasília, onde será sediado o Fórum.  É a primeira vez que um país do Hemisfério Sul dará palco ao evento.

Integrante da organização do Fórum, Braga enumera alguns desafios ao Brasil. Ele defende, por exemplo, o aumento no número de reservatórios de água e a ampliação do debate acerca das polêmicas em torno das construções. “O país precisa aumentar sua segurança hídrica. Significa ter mais reservatórios de água. Precisamos abrir uma discussão com o pessoal do meio ambiente no sentido de que entendam que a construção de barragens tem impacto, mas os benefícios advindos desses reservatórios são muito maiores do que os malefícios por ele trazidos”, afirma Braga, que também é secretário de de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo. Segundo ele, ainda mais se forem levados em conta os prognósticos de secas para o futuro, é necessário estar preparado. “O meio ambiente é muito importante, mas temos que pensar que as pessoas também são importantes porque a população merece ter mais segurança.”

O presidente do Conselho também defende que é preciso investir na coleta e no tratamento de esgoto. E que alternativas de reúso de água, como a dessalinização, devem ser consideradas e analisadas segundo a região. A mesma ideia defende o  presidente da Agência Reguladora de Águas e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), Paulo Salles. "Não podemos tolerar as pessoas não terem água limpa para beber e um esgoto tratado. A situação é a seguinte: São Paulo está relativamente recomposta. Agora, o Nordeste continua sem água. O Nordeste está enfrentando o que talvez seja uma das piores crises, secas da história”, disse.

 

Roteiro

Esses temas foram debatidos ontem por grupos de trabalho ao longo dessa etapa chamada “kick-off meeting”. Especialistas de diversos países debruçaram-se sobre seis temas principais definidos no último Fórum na Korea, em 2015, para estabelecer um roteiro para o próximo evento, em busca dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas até 2030. O tema central do Fórum é Compartilhando Água e visa estabelecer diálogo com outros países sobre como compartilhar rios, por exemplo.  A expectativa é de que 30 mil pessoas participem do evento em 2018. As propostas de cada grupo de trabalho não foram apresentadas. Serão compiladas e apresentadas em outubro. No ano que vem, haverá nova reunião preparatória para o Fórum.

Ontem pela manhã, durante o lançamento, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, informou que o investimento total no evento é de R$ 80 milhões. Desses, R$ 50 milhões são da iniciativa privada e os outros R$ 30 milhões, dos governos federal  e do Distrito Federal. “Há um conjunto de ações nas escolas, no setor produtivo, para que esse tema seja incorporado como estratégico para o futuro da humanidade. Esse tema permeará atividade pedagógicas das escolas de Brasília. Que seja tema interdisciplinar permanente pra dar salto qualitativo na consciência em relação à água”, disse.O presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, também participou da abertura do evento.

 

Entenda o caso

A pior seca dos últimos 50 anos

A seca que segue castigando o Nordeste do país chegou nos últimos dois a outros os estados e gerou uma grave crise no Sudeste. A ausência de precipitações em 2014 e 2015, aliada à falta de preparo para lidar com a estiagem colocou o estado de São Paulo em alerta no ano passado e levou autoridades, inclusive, a cogitarem o rodízio de água, situação que foi vivida por moradores de Minas Gerais.

No início do ano passado, o Sistema Cantareira, que era responsável por levar água a 6,5 milhões de pessoas em São Paulo, chegou a operar com índice inferior a 5% e a usar a segunda cota de seu volume morto. Neste ano, os níveis dos reservatórios de São Paulo e Rio de Janeiro se elevaram. O secretário de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, Benedito Braga, atribui a saída da crise à normalização dos níveis de chuva, obras que interligaram os sistemas no estado e a redução do consumo de água pela população.

Diante da oferta de um bônus para reduzir o gasto, que foi extinto neste ano, a população passou a consumir 20% a menos de água. “Além disso, no passado, o Cantareira era responsável por 50% do abastecimento e conseguimos fazer com que a água ocorresse no sentido inverso para que outros sistemas pudessem ajudar o Cantareira. E tivemos um verão normal, as chuvas voltaram à normalidade,” disse.

Enquanto a situação se normalizou em São Paulo, embora especialistas ainda alertem para riscos de uma nova crise, o Nordeste continua vivendo a pior seca em 50 anos. Braga, que também é presidente do Conselho Mundial de Águas, defende a transposição do Rio São Francisco como uma das alternativas para driblar a crise na região.