Correio braziliense, n. 19392, 29/06/2016. Política, p. 4

BOLSONARO NO CONSELHO DE ÉTICA

CRISE NA REPÚBLICA » Representação pede cassação do mandato do parlamentar por apologia à tortura durante voto em favor do impeachment de Dilma
Por: NATÁLIA LAMBERT

NATÁLIA LAMBERT

 

Após meses de dedicação exclusiva ao processo de cassação do presidente afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o Conselho de Ética da Câmara instaurou ontem ação por quebra de decoro parlamentar contra o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ). A representação oferecida pelo PV pede que Bolsonaro perca o mandato por apologia à tortura ao ter dedicado o voto a favor da admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador durante o regime militar. O presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PR-BA), anunciará o nome do relator da matéria na próxima quarta-feira. A partir de agora, o processo tem 90 dias úteis para tramitar.

Na sessão de ontem, Araújo sorteou três nomes entre os seis deputados do PT e do PR para a relatoria: Zé Geraldo (PT-PA), Wellington Roberto (PR-PB) e Valmir Prascidelli (PT-SP). O sorteio ficou restrito às siglas por causa das regras do conselho que definem que o relator não pode ser do mesmo partido ou bloco partidário do representado nem do representante, nem ser do mesmo estado das partes. O presidente conversará com os selecionados e escolherá um deles. “Vou levar em consideração a relação que o deputado tem com o representado. Se é amigo íntimo, se é inimigo, se tem disposição, se não tem e qual seria o caminho que ele tomaria para estudar essa representação”, comentou Araújo.

A escolha do relator pode definir a rigidez da punição. A tendência é de que os nomes do PT sejam mais duros por causa do histórico de luta pelos direitos humanos e em razão de Bolsonaro ter se tornado réu no Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, em uma ação em que é acusado de injúria e incitação pública ao estupro quando, em 2014, afirmou na tribuna da Câmara que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) “porque ela não merece”. O episódio também rendeu processo disciplinar no Conselho de Ética contra Bolsonaro, em dezembro de 2014, mas a representação foi arquivada porque o mandato parlamentar havia se encerrado.

O presidente afirma que a legenda não influencia na decisão. De acordo com Araújo, o Conselho de Ética é apartidário. “Ao entrarem no conselho, os deputados devem abdicar da função partidária. O deputado não vai levar em consideração a relação com o partido”, comentou. O deputado também acredita que a decisão do STF não pesa no processo. “Uma coisa nada tem a ver com a outra. Aqui, nós estamos analisando sobre a ética e o decoro. O Supremo julga dentro dos seus parâmetros e o conselho vai julgar também dentro dos seus parâmetros”, acrescentou.

Apesar da visão de Araújo, o relatório do ministro Luiz Fux pode servir de base para o relator, já que Bolsonaro tem alegado a imunidade parlamentar para se defender. Fux considerou que o texto que Bolsonaro não pode ser protegido pela prerrogativa, já que a fala não tem nenhuma relação com a atividade que exerce na Câmara. “A frase do parlamentar tem potencial para estimular a perspectiva da superioridade masculina em relação às mulheres, além de prejudicar a compreensão contra as consequências dessa postura. O resultado de incitação foi alcançado porque várias manifestações públicas reiteraram essa manifestação (de Bolsonaro)”, defendeu Fux, na semana passada.

 

Reincidência

Além da representação aberta no caso da deputada Maria do Rosário, em 2013, Bolsonaro se livrou de outro processo disciplinar no colegiado. Na época, o conselho arquivou por unanimidade a abertura de processo no qual Bolsonaro era acusado pelo PSol de ter dado um soco no senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) durante uma visita de integrantes das comissões da verdade da Câmara e do Senado à sede do extinto DOI-Codi, no Rio de Janeiro. Bolsonaro foi impedido de entrar com os parlamentares, mas insistiu em acompanhar o grupo. Durante uma discussão com o senador, teria ocorrido a agressão.

Por meio de nota, o deputado Jair Bolsonaro ressaltou que expressou uma opinião no voto. “Trata-se de denúncia feita pelo Partido Verde (PV), um dos partidos de esquerda contumazes em apresentar representações contra parlamentares que os incomodam e que, por força do Regimento Interno, obrigatoriamente motivam a instauração de processo. O assunto, por demais conhecido, foi a referência que fiz ao coronel Brilhante Ustra ao proferir meu voto na sessão de impeachment da presidente Dilma e que, certamente, não deverá motivar qualquer sanção, já que se trata de opinião de parlamentar, proferida em plenário da Câmara dos Deputados. A menos que os próprios congressistas queiram dar munição àqueles que insistem em relativizar a imunidade parlamentar assegurada no art. 53 da Constituição Federal.”

 

Memória

Torturador do DOI-Codi

Nascido em Santa Maria (RS), na década de 1930, Carlos Alberto Brilhante Ustra foi coronel do Exército Brasileiro e diretor do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) durante o regime militar. Foram quase quatro anos à frente do centro no período de vigência do terceiro Ato Institucional (AI-3). Ustra foi o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça paulista como torturador em 2008, após vários relatos e denúncias de vítimas e familiares. Enquanto o coronel presidiu o DOI-Codi, estima-se que 502 pessoas tenham sofrido tortura nas dependências do local e que mais de 50 pessoas tenham sido assassinadas. Relatos detalharam espancamentos, afogamentos e choques elétricos. Em outubro de 2015, aos 83 anos, o coronel morreu vítima de um câncer de próstata. Apesar das denúncias, Ustra não chegou a ser condenado pela Justiça brasileira.

 

Voto

Confira as palavras do deputado na votação da admissibilidade do impeachment:

 

“Nesse momento de glória para o povo brasileiro, tem um nome que entrará para a história nessa data pela forma como conduziu os trabalhos nessa Casa. Parabéns, presidente Eduardo Cunha. Perderam em 64. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas nossas Forças Armadas, pro Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim.”