Perícia falha gera dúvida sobre morte de alvo operação

Reynaldo Turollo

03/07/2016

 

 

Corpo de Morato, citado em suposto esquema irregular envolvendo Eduardo Campos, foi encontrado em motel

A Polícia Civil de Pernambuco, que investiga a morte do empresário Paulo César Morato, alvo de uma operação que revelou um esquema que teria irrigado campanhas do ex-governador Eduardo Campos (PSB), cometeu falhas de procedimento que geraram incertezas na apuração.

Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), responsável pela Polícia Civil, a falha foi de comunicação. Para o Sindicato dos Policiais Civis, houve ingerência política na investigação. Já para a Associação dos Peritos Papiloscopistas, o episódio mostra que essa categoria, que não pôde completar seu trabalho, é subvalorizada.

Morato foi encontrado morto num quarto de motel em Olinda (PE) na noite do último dia 22. Na manhã do dia anterior, a Polícia Federal deflagrara a Operação Turbulência e fora até a casa dele para prendê-lo, mas não o encontrou. Ele chegou no motel na tarde da terça (21).

O empresário é apontado pela PF como dono de uma empresa de fachada, a Câmara & Vasconcelos, envolvida na compra do avião que caiu em Santos (SP) em 2014 matando Campos, então candidato à Presidência.

Depois de passar um dia no quarto sem fazer contato com os funcionários, a camareira do motel Tititi resolveu entrar e encontrou Morato morto.

A delegacia especializada em homicídios (DHPP) entrou em cena com a delegada, uma perita criminal, seu auxiliar e um perito papiloscopista.

Esse último afirmou, em relatório posterior, que avisou a delegada e o restante da equipe que não conseguiria fazer a perícia completa sozinho e, por isso, voltaria com reforço na manhã da quinta (23). A equipe toda ficou menos de uma hora no local.

Quando voltou com mais um perito pela manhã, uma ligação da chefia orientou-os a não realizar o trabalho no quarto. Foi o estopim dos desentendimentos.

Segundo o presidente da associação da categoria, Carlos Eduardo Maia, na noite da quarta, o perito papiloscopista só fez fotos do local. Não coletou fragmentos de impressões digitais no ambiente nem nos objetos. Conforme Maia, esse trabalho é fundamental porque ajudaria a saber se havia outra pessoa com Morato.

OBJETOS COLETADOS

Os únicos objetos coletados no quarto para exame posterior de impressões digitais, segundo Maia, foram dois copos e uma garrafa plástica de água. Mas o acondicionamento desses objetos em sacos plásticos, feito pela perita criminal naquela noite, teria sido inadequado.

Os itens, segundo Maia, tocaram os sacos plásticos, apagando vestígios. "Na segunda [4] ou na terça [5] vai sair um laudo dizendo que não foi possível fazer a perícia nesses objetos", adiantou.

A SDS contestou as queixas afirmando que, já na noite em que o corpo foi achado, o quarto foi liberado pela delegada, Gleide Ângelo, e pela perita criminal.

"Não havia mais o menor sentido mandar outra equipe no dia seguinte, para suposta perícia complementar, especialmente porque o local foi liberado, não havia isolamento", afirmou a SDS.

Após o presidente do Sinpol, Áureo Cisneiros, crítico ferrenho da gestão do governador Paulo Câmara (PSB), divulgar nota denunciando "ingerência política e/ou falhas na investigação" da morte, o governo escalou sua equipe para se explicar.

Na segunda (27), a delegada Gleide disse à imprensa que, no calor do momento, pode não ter escutado o perito avisar que voltaria de manhã.

"Num local com alta rotatividade de pessoas, impressões digitais podem ser consideradas questionáveis. Além das provas materiais, existe uma investigação que interpreta e fecha o inquérito", minimizou a SDS, acrescentando que outros exames foram feitos.

Neste sábado (2), a perícia voltou ao motel.

Um primeiro resultado já foi divulgado: Morato ingeriu "chumbinho", tipo de pesticida muito tóxico que causa insuficiência respiratória e parada cardíaca, segundo o professor de medicina legal da Uerj Nelson Massini.

A SDS não quis informar se encontrou no quarto alguma embalagem em que pudesse estar o "chumbinho".

O órgão afirmou que Morato entrou sozinho no motel, mas não quis dizer como chegou a essa conclusão. Imagens de câmeras não foram divulgadas.

Segundo a Folha apurou, uma das enteadas de Morato, descrito como um homem reservado e que viajava muito, contou à polícia que ele já havia tentado se matar. Na opinião de Massini, isso reforça a tese de suicídio.

Ultimamente, o empresário não tinha proximidade com parentes –havia se separado da mulher, com quem criara as duas enteadas.

MILHÕES

No endereço em que a PF tentou prendê-lo, em Paulista, próximo a Recife, há uma casa simples. No motel em que morreu, Morato chegou em um Jeep Renegade. Também colecionava relógios. Conforme as investigações, ele movimentava milhões, mas a polícia não sabe quanto embolsava.

O superintendente da PF em Pernambuco, Marcello Diniz, diz que Morato era "testa de ferro" da organização criminosa, pois conhecia o esquema. Ele teria o papel de arregimentar "laranjas" para abrir empresas de fachada.

Com ele no motel havia relógios, envelopes de depósitos bancários, oito pen drives e três celulares.

Até agora, segundo Diniz, a PF descobriu que o dinheiro do grupo veio da Petrobras e da transposição do rio São Francisco –a firma de Morato recebeu R$ 18,8 milhões da construtora OAS por supostos serviços de terraplanagem na transposição. Suspeita-se de uma movimentação total de R$ 600 milhões pelo grupo desde 2010.

A advogada de Morato, Marcela Moreira Lopes, de São Paulo, negou que a empresa dele fosse de fachada. Segundo ela, Morato conhecia os demais suspeitos porque todos eram do meio empresarial pernambucano.

No Recife, jornais e policiais têm se referido à morte como "o caso PC Morato" –uma alusão a PC Farias, morto há 20 anos em circunstâncias não esclarecidas.

 

 

Folha de S. Paulo, n. 31868, 03/07/2019. Poder, p. A11.