Título: Choque à vista
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 29/10/2011, Cidades, p. 29

Detran mantém preparação para uso da arma não letal. Quase todos os agentes que atuam em blitzes já foram treinados

Apesar da suspensão temporária do uso de tasers em operações do Departamento de Trânsito (Detran), previsto para o fim deste mês, o governo dá sinais de que a medida deve mesmo sair do papel em breve. Quase 80% dos agentes do órgão que atuam em blitzes pelas ruas do DF já receberam treinamento para utilizar a arma de choque. Pelo menos quatro turmas concluíram as aulas práticas e teóricas e falta apenas a qualificação de um grupo de 40 funcionários. Todos tiveram três dias de curso e aprenderam noções de como operar a pistola não letal. Segundo a Secretaria de Segurança, ainda não há data para o início da utilização do taser e o tema ainda está em discussão.

A medida, anunciada no último dia 11, causou polêmica imediata e motivou uma grande discussão na sociedade do Distrito Federal. O Detran decidiu adotar as armas de choque em substituição aos revólveres usados pelos agentes que monitoram as vias urbanas da capital federal — os únicos do Brasil com porte de arma de fogo. O objetivo era aumentar a segurança dos servidores, já que são comuns casos de motoristas que agridem os funcionários do Detran, principalmente durante as operações da lei seca. A Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF)acha a medida "inaceitável" e promete recorrer à Justiça, caso o Departamento de Trânsito opte pelo uso das pistolas de choque.

O governo alegou que a adoção dos tasers representaria mais segurança para os agentes e também aos motoristas, já que não haveria abordagens com homens armados. Mas surgiu o receio de que a utilização das armas não letais se transformasse em uma forma de abuso de autoridade. Além disso, há muitos relatos de mortes associadas à pistola de choque, especialmente entre pacientes portadores de doenças cardíacas. O Detran comprou 220 armas não letais, ao custo de US$ 800 dólares cada uma (cerca de R$ 1,3 mil).

O secretário de Segurança Pública, Sandro Avelar, diz que os integrantes da pasta estão convencidos da necessidade dos tasers. Mas ele afirma que ainda não há data para o início da utilização das pistolas de choque. Segundo Avelar, o assunto ainda está em debate. "Tivemos várias reuniões e representantes da OAB pediram mais esclarecimentos. Ainda há muito desconhecimento com relação ao taser, mas o que todos precisam saber é que estamos seguindo uma doutrina do Ministério da Justiça, que defende o uso progressivo da força", explica.

Sandro Avelar garante que as pistolas de choque representam uma forma de defesa muito menos agressiva. "No âmbito da segurança pública, estamos convencidos de que é essencial o uso de uma força moderada antes da utilização da arma de fogo. Não existe risco de abuso de autoridade porque o taser é passível de auditoria, qualquer uso fica registrado no aparelho, então será possível verificar se houve mau uso", justifica o secretário.

Resistências Mas os argumentos do governo ainda não foram suficientes para convencer os representantes da OAB. Os conselheiros da Ordem não aceitam o uso da arma de choque. "Temos uma posição muito clara com relação a isso: o Detran tem função de fiscalização, não tem de polícia. Já houve um equívoco histórico quando os agentes tiveram autorização para porte de arma", comenta o advogado criminal Eduardo Toledo, também conselheiro da OAB. "Esse caso é muito grave porque eles terão às mãos uma arma dita não letal, mas que em algumas circunstâncias pode matar. Se não houver bom senso por parte das autoridades, a OAB vai à Justiça para evitar esse abuso e corrigir o erro histórico que foi a concessão de porte de armas de fogo para os agentes do Detran", acrescenta o representante da Ordem.

O chefe de Fiscalização de Trânsito do Detran, Marcelo Madeira, diz que quase todos os agentes já foram treinados e aprenderam a manusear a arma de choque com segurança. "O curso ensina regras de uso, como não atingir pessoas em locais altos ou dentro de veículos em movimento. O indicado é usar na região das costas, para não correr o risco de acertar o rosto, o que poderia ser perigoso. Os agentes recebem um disparo no próprio corpo, para saber como é o efeito", explica o chefe da Fiscalização do Detran, que já passou pela experiência durante a formação. "A sensação é de que a sua musculatura está travada", conta.

Segundo Marcelo Madeira, 90% dos casos de agressão a agentes do Detran envolvem motoristas alcoolizados. "O resto das ocorrências estão relacionadas a condutores que têm problemas na Justiça ou que andam armados. Só este ano, já houve dois casos de agentes mortos em operações, no Rio Grande do Norte e na Bahia. Não queremos que isso aconteça aqui para reagirmos", defende.

Autorização O porte de armas para agentes de trânsito do Distrito Federal foi concedido à categoria por meio da Lei Distrital nº 2.176, de 1998. O documento altera uma legislação anterior para incluir o Departamento de Trânsito do DF no rol de instituições com permissão para uso de armamento. O órgão se junta às polícias Civil e Militar e ao Corpo de Bombeiros, que são as corporações cujos funcionários podem ter arma.