Valor econômico, v. 17, n. 4068, 12/08/2016. Brasil, p. A2
Presidente da Suíça defende acordo entre o Mercosul e bloco comercial fora da UE
Por: Cristian Klein
Presidente da Suíça, Johann Schneider-Ammann, de 64 anos, usa da neutralidade típica de seu país quando o assunto é política ou a colaboração da Justiça suíça com autoridades brasileiras à frente da Operação Lava-Jato.
Em visita ao Rio, onde esteve na abertura da Olimpíada, Schneider-Ammann, em entrevista exclusiva ao Valor, não quis se comprometer. Preferiu falar sobre os esforços na preparação do terreno para mais investimentos de empresas suíças no Brasil e o avanço na negociação de acordo entre o Mercosul e a Associação Europeia de Livre-Comércio (EFTA), bloco comercial composto por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. "Nunca foi ambição da Suíça oferecer ao mundo oportunidade de esconder seu dinheiro. Nunca foi a ideia", disse, ao defender a imagem do país.
A conversa se dá no Baixo Suíça, montado na Lagoa, um espaço de lazer com pista de patinação, de corrida, slackline e uma bolha cheia de bolinhas de isopor que simulam neve para os visitantes. Antes da abertura, há uma fila de quase cem metros para cada lado da entrada, à beira da ciclovia.
Em confraternização que conta com a presença de uma miss Suíça morena e de emissoras de televisão do país, Schneider-Ammann festeja o sucesso do empreendimento voltado a difundir e mudar a imagem do país no Brasil, maior parceiro comercial na América Latina.
Pesquisa de opinião mostrou que 56% dos brasileiros não conheciam a Suíça. O país decidiu então investir R$ 26 milhões numa campanha com várias ações que incluíram o primeiro e também bem-sucedido Baixo Suíça, durante a Copa de 2014, e o patrocínio do desfile da escola de samba Unidos da Tijuca, no ano passado. O volume de brasileiros que viajam para a Suíça cresceu 30% entre 2010 e 2015, quando chegou a quase 100 mil, apesar do aprofundamento da crise econômica.
Para Schneider-Ammann, é tempo de se investir no Brasil, apesar da recessão que chega em seu segundo ano. "A economia europeia também não está bem. Não é recessão, mas é perto do crescimento zero. Há uma filosofia do empreendimento que diz que você precisa decidir investir em situação de custo ótimo. É isso que empresas suíças fizeram nos últimos meses", diz, numa referência a investimentos como o da Flughafen Zürich AG no aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte. "Estamos no Brasil para negociações nas quais não consideramos a condição econômica atual, mas para quando a situação melhorar. Isso é uma questão de tempo", afirma.
O presidente suíço encontrou-se com o ministro das Relações Exteriores, José Serra, para negociações que tentam firmar um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a EFTA. "Em 2010, estive aqui para anunciar nossa intenção, mas não houve muito interesse por parte do lado brasileiro. Em 2014, os sinais foram positivos. Agora, o ministro Serra falou claramente sobre os próximos passos e se comprometeu com o processo de negociação."
Questionado sobre a origem da neutralidade suíça, Schneider-Ammann conta que ela remonta à origem do Estado, no Lago Lucerna, em 1291, quando três cantões, Uri, Schwyz e Unterwalden, formaram a primeira confederação - hoje composta por 26 cantões - que não aceitavam o poder dos Habsburgos.
Nos tempos atuais, o país se mantém longe da União Europeia. "Somos historicamente por nossa conta própria", diz, embora ressalte que o país, ainda que soberano, é "relativamente independente", porque depende economicamente da União Europeia para a maioria das exportações.
Sobre a saída do Reino Unido do bloco, o presidente diz que espera que ambos estabeleçam "o quanto antes" as novas regras. "Precisamos de uma Europa calma, segura e em condições para investimentos, que reduzam a taxa de desemprego", afirma.
Quando o assunto é política com implicações para o Brasil, Schneider-Ammann sai pela tangente ao ser questionado sobre se o dinheiro transferido para um fundo de "trust" é propriedade de quem o depositou. O chefe de Estado sabe que o tema trata do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, cuja conta na Suíça serve de base para a cassação do parlamentar. Schneider-Ammann diz que, por princípio, sabe-se "quem é quem" pelos padrões internacionais e pela "política básica do mercado financeiro suíço".