Título: Nomes diferentes, mesmo trauma
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Fonte: Correio Braziliense, 29/10/2011, Cidades, p. 32

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, nenhum dos 454 roubos com restrição de liberdade é considerado sequestro-relâmpago. Para especialistas, no entanto, trata-se de crimes iguais

Dos 454 roubos com restrição de liberdade da vítima registrados pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) de janeiro a setembro deste ano, nenhum é tratado como sequestro-relâmpago. Isso porque a pasta considera esse delito apenas em casos nos quais há extorsão da vítima, que, restrita de sua liberdade, é obrigada a sacar dinheiro em caixas-eletrônicos, por exemplo. Juristas e especialistas consultados pelo Correio discordam e classificam o crime de acordo com o constrangimento e a privação de liberdade. Uma lei federal sancionada em abril de 2009 incrementou o sequestro-relâmpago no Código Penal Brasileiro e o caracterizou como a restrição de liberdade da vítima para obtenção de vantagem econômica.

Situações como a das duas mulheres, uma médica e uma enfermeira, sequestradas na noite da última quarta-feira na Quadra 102 do Sudoeste, foram definidas pela Secretaria de Segurança como roubos com restrição de liberdade. Uma das vítimas conseguiu fugir 40 minutos após a abordagem. A outra ficou por mais duas horas sob a mira de um revólver calibre .38 até o trio de assaltantes abandoná-la no Park Way e fugir com o carro e os pertences das duas. Mesmo com essas características, a secretaria informou que o caso não se enquadra em sequestro-relâmpago.

Para a advogada criminalista Juliana Caramigo Gennarini, atos que envolvam privação de liberdade e constrangimento das vítimas podem, sim, ser considerados sequestros-relâmpagos. "Se o criminoso constrange a pessoa e tira a liberdade dela no intuito de obter vantagem econômica, seja o carro, bens pessoais ou uma quantia em dinheiro, temos um sequestro. O roubo com restrição de liberdade acontece quando a primeira intenção é roubar e só depois segurar a vítima para ganhar tempo e evitar uma prisão, por exemplo", explica.

De acordo com a advogada, a primeira qualificação do crime fica a cargo do delegado de polícia, que colhe depoimentos das vítimas e o define como roubo com restrição de liberdade ou sequestro-relâmpago. Mas, segundo Juliana Caramigo, é recorrente a substituição dos delitos no Judiciário. "Quando (o caso) chega ao promotor, já tem outras provas e indícios. Então, muitos casos começam como roubo com restrição e depois se transformam em sequestro-relâmpago", afirma a advogada.

Mudança na lei Segundo o subsecretário de Operações da Secretaria de Segurança Pública do DF, Jooziel de Melo Freire, o DF registrou apenas 16 casos de sequestro-relâmpago até setembro deste ano. "Ano passado, foram 22 no mesmo período. E essa quantidade não está incluída nos números de roubos com restrição de liberdade", afirma o coronel. A secretaria garante que os crimes são qualificados conforme determina a Lei nº 11.923 (veja O que diz a lei), que, em 2009, acrescentou o parágrafo 3º no Artigo 158 do Código Penal para tipificar o sequestro-relâmpago. "Só há sequestro se houver extorsão, que é quando a pessoa é obrigada a sacar dinheiro em um caixa eletrônico ou levar os criminosos para a casa dela para eles subtraírem bens", explica Jooziel

Para o professor e pesquisador de segurança pública da Universidade Católica de Brasília (UCB) Nelson Gonçalves de Souza, há um grande interesse do poder público em desvincular os dois crimes. "O sequestro-relâmpago não é uma figura jurídica, mas foi comumente atribuído ao roubo com restrição de liberdade. No ponto de vista prático, estamos falando da mesma coisa", expõe. O especialista defende que a população saiba dos riscos e preocupações a respeito da segurança pública. "Não quero crer que as autoridades utilizem diferentes categorias ao se referir aos mesmos crimes para manipular e esconder os dados, pois a população tem necessidade de saber o que realmente é um problema para poder enfrentar", afirma Gonçalves. "Se estamos percebendo aumento nos índices, é sinal de que isso está vitimizando a sociedade e alguma coisa precisa ser feita".

Medo Para quem passa por momentos sob a mira de um revólver e ameaças diversas, a tipificação do crime é sempre a mesma — sequestros-relâmpagos. E os minutos ou horas de terror geram fortes traumas. Quatro meses após o dia em que Maria Pessoa Farias, 46 anos, ficou duas horas em poder de um assaltante, o medo ainda acompanha a comerciante. Sequestrada em 20 de junho, às 18h50, no Setor Central do Gama, ela só foi abandonada na BR-070, próximo a Águas Lindas de Goiás. Desde então, Maria faz acompanhamento psicológico e passa os dias sob efeitos de remédios. "Tenho pavor em parar em semáforos. Fecho tudo, mas tenho a impressão de que vão entrar pela única brecha aberta do carro", afirma.

Maria conta que, durante a ação, ela dirigiu o carro por alguns minutos até ser obrigada a entrar em uma estrada de terra. "Aí, fui trancada no porta-malas. Entrei em estado de choque. Minha boca ficou seca e eu não conseguia nem falar. Ele só decidiu me abandonar quando eu ofereci um cartão bancário que estava no meu bolso", disse a vítima, que faz acompanhamento na Subsecretaria de Proteção às Vítimas de Violência (Pró-Vítima). O carro da comerciante, um Fiat Siena, não foi localizado até hoje. "A minha bolsa e os documentos pessoais foram encontrados no dia seguinte, perto do lugar em que fui abandonada."