Valor econômico, v. 17, n. 4068, 12/08/2016. Política, p. A10

CPI do Carf encerra trabalhos sem aprovar relatório

Para oposição, blindagem de políticos e empresários impediu conclusão de apurações

Por: Raphael Di Cunto

 

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara dos Deputados que investigava desvios no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão do Ministério da Fazenda, encerrou os trabalhos ontem sem a aprovação de relatório final, sem avançar nas apurações já encaminhadas na Operação Zelotes e sob acusações de blindagem e achacamento.

"O que ocorreu, de fato, foi a blindagem dos atores políticos e representantes do poder econômico", acusou o líder do Psol, deputado Ivan Valente (SP). O parlamentar apresentou voto em separado para que o Ministério Público investigue políticos citados, como o senador Romero Jucá (PMDB-RR), e criticar a incapacidade da CPI de avançar nas apurações.

Para o parlamentar, o motivo são os interesses em jogo. De acordo com levantamento do partido, incluído no voto em separado, empresas alvo de investigação por suposta participação no esquema, como Gerdau e Bradesco, doaram R$ 2,7 milhões para as campanhas de integrantes da CPI em 2014. O documento, contudo, não terá efeito prático.

O prazo de validade da CPI chegou a ser prorrogado na época em que Waldir Maranhão (PP-MA) era presidente interino da Câmara, mas Rodrigo Maia (DEM-RJ) cancelou o adiamento quando eleito. O novo presidente da Casa disse que não tomaria nenhuma decisão em relação a CPIs sozinho e só levou anteontem ao plenário o pedido de prorrogação, aprovado por 16 a 10 pela comissão, depois de uma sessão cair por falta de quórum.

"As grandes empresas, o PIB nacional, quer acabar com a CPI para que não possamos ouvi-las. O trabalho está incompleto, não ouvimos o sistema financeiro e as grandes empresas, precisamos de mais tempo e cabe ao presidente da Câmara pautar, está no colo dele a responsabilidade", disse o relator da CPI, deputado João Carlos Bacelar (PR-BA).

Nos bastidores, deputados que defendiam a prorrogação dos trabalhos por 60 dias criticaram o presidente da Câmara por, enquanto o plenário deixava de deliberar por falta de quórum, almoçar com o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, réu por suspeita de ser beneficiário do esquema, e com Jorge Gerdau, cujo filho, André, presidente do grupo que leva o nome da família, é indiciado na operação.

Gerdau e Bradesco negam participação no esquema. Havia requerimentos para convocar representantes destas empresas, mas a CPI se esvaziava nessas horas. PSDB, DEM e deputados de outros partidos atuavam para evitar convocações de empresários - segundo eles, feitas para "achacar", denúncia levada ao Ministério Pública e corregedoria da Câmara. Já o PT trabalhou para impedir a convocação de familiares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de integrantes do governo que teriam vendido medidas provisórias.

Maia afirma que o almoço foi organizado pelo Instituto Talento Brasil com 12 empresários de peso para discutir a pauta econômica e estiveram também com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e com o presidente interino Michel Temer. "Querem transferir para mim uma responsabilidade que não é minha. O prazo vence hoje [ontem], por que não estão votando o relatório?", questionou.

Bacelar tentou pressionar pela prorrogação e, quando viu que não conseguiria, protocolou relatório sugerindo o indiciamento de 28 pessoas que já estavam na lista da Zelotes. A comissão, contudo, sequer debateu o documento, que será arquivado.

Para o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), autor de voto em separado com alterações no Carf, como a escolha dos julgadores por concurso público, o pior é saber que a estrutura não mudou. "Não adianta trocar os conselheiros, o caminho da extorsão continua", disse, lembrando que em julho um conselheiro foi preso tentando cobrar propina do Itaú em troca de sentença favorável. "E isso com toda a investigação em andamento."