Valor econômico, v. 17, n. 4066, 10/08/2016. Política, p. A5

Governo recua, mas não consegue concluir votação sobre dívidas

Por: Fabio Graner / Raphael Di Cunto / Lucas Marchesini

Por Fabio Graner, Raphael Di Cunto e Lucas Marchesini | De Brasília

 

Mesmo tendo cedido em uma das contrapartidas mais importantes para o Ministério da Fazenda (a proibição de novos reajustes para os servidores estaduais por dois anos), o governo não conseguiu concluir a votação do projeto de renegociação da dívida dos Estados com a União. Sem quórum suficiente, a votação dos destaques (emendas ao texto-base aprovado na véspera) restantes, prevista para a manhã de ontem, ficou para outra sessão, que deve ocorrer somente daqui a duas semanas, praticamente junto com a votação final do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff.

Diante do resultado da véspera e sua percepção negativa no mercado financeiro, uma grande parte do dia de ontem foi dedicada pelo governo para tentar desfazer a percepção de derrota. Os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Eliseu Padilha (Casa Civil) negaram que o governo tenha perdido e ressaltaram a importância da aprovação do limite geral de aumento de gastos pela inflação do ano anterior, que, no projeto de lei, valerá até 2018.

Enquanto o governo buscava mostrar o lado positivo do texto aprovado, os deputados impunham mais um revés, ainda que de menor magnitude. Sem a presença de parlamentares em número suficiente, restou ao líder do governo anunciar o adiamento da votação da matéria, atrasando o seu envio para o Senado.

Ontem, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a Casa deve aprovar o projeto na mesma versão que sairá da Câmara. "Teremos, na próxima semana, nova conversa com governadores para tratar dos pleitos dos Estados que não foram contemplados pela renegociação", declarou Renan.

Pressionados pelo lobby dos servidores públicos, que prometiam complicar a vida dos deputados envolvidos nas eleições municipais, a própria base desistiu do acerto feito com o Palácio do Planalto na segunda-feira e convenceu o presidente interino Michel Temer a aceitar a retirada da proibição de reajustes salariais, mesmo com o desgaste que seria imposto à equipe econômica.

O placar da votação do texto-base mostra o cenário controverso que o governo enfrentou. Mesmo com as concessões, 55 deputados da base "traíram" o governo. Pelos menos 20 deles são candidatos a prefeito ou parentes diretos de candidatos (filho ou irmão). Nos bastidores, eles se queixavam da pressão de categorias numerosas, que ameaçavam fazer campanha contra eles nas cidades. O número pode ser maior porque nem todas as candidaturas estão registradas e o número de ausências foi alto - cerca de cem deputados.

O pior cenário foi no PSC, o partido do líder do governo, André Moura (SE): dos oito deputados, cinco votaram contra Temer. Foi o maior índice de traição na base.

Diante da repercussão negativa da derrota na madrugada, o Ministério da Fazenda divulgou logo de manhã nota à imprensa sobre a votação do projeto, enfatizando a importância de o texto-base ter mantido a contrapartida do crescimento total dos gastos não exceder a inflação do ano anterior, por um período de dois anos, considerada essencial.

É importante lembrar, contudo, que na segunda-feira Meirelles destacava a proibição de reajustes e vantagens como um elemento muito importante para viabilizar o cumprimento do teto pelos governo estaduais. E durante a sessão na noite de terça-feira, a Fazenda ainda se empenhava para manter essa contrapartida, embora sem sucesso.

Interlocutor dos parlamentares que articularam a derrubada do veto aos aumentos salariais, o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) classificou a votação do projeto de "grande vitória" e ainda enviou os cumprimentos à base aliada e ao seu colega de ministério, Henrique Meirelles.

Questionado sobre uma ajuda especial para os Estados do Nordeste, cobrada por vários deputados durante a votação do texto-base e nas discussões dos destaques, Padilha reconheceu que a região passa por dificuldades graves e lembrou que eles deram "duas ou três" sugestões de solução, que estariam em análise. Entretanto, o próprio ministro lembrou que não há muito espaço orçamentário para a concessão de novos benefícios, pois "o limite do Orçamento está perto de estourar".