Mercado é incapaz de perceber limites da política, diz Mendonça

 

16/08/2016
Sergio Lamucci

 

O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros considera "excelente" a gestão de Henrique Meirelles à frente da Fazenda, criticando a visão de parte do mercado, que vê lentidão da equipe econômica em apresentar medidas fiscais mais duras e aponta derrotas do governo em votações no Congresso, como na renegociação das dívidas dos Estados. "As pessoas esquecem que essa é uma transição complexa, que não ocorre a todo momento", afirma ele, classificando como "ridícula" a incapacidade do mercado de perceber os limites impostos pela política.

Mendonça de Barros diz que o país passa por uma situação incomum. "Nós vivemos o fim de uma hegemonia de 13, 14 anos, uma hegemonia política com uma marca muito sólida e ideológica, de querer transformar realmente a sociedade e mais especificamente a economia". O mercado, porém, age como se houvesse uma "transição normal, como se tivesse havido uma eleição". É algo bem diferente do que vive o país, destaca ele.

"Acho que Meirelles tem capacidade de entender essas circunstâncias", diz o ex-ministro das Comunicações e ex-presidente do BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso. "Mas o mercado fica cobrando coisas impossíveis de serem realizadas no curto prazo. Há um timing político que é diferente do [timing do] mercado."

Para Mendonça de Barros, Meirelles está indo muito bem nos primeiros meses à frente do cargo. "Ele conseguiu devolver credibilidade para a política econômica, escolheu um presidente do BC [Ilan Goldfajn] que também trouxe essa credibilidade para o BC e fez um diagnóstico absolutamente correto do que vem pela frente", diz ele, elogiando também os integrantes que o ministro levou para a Fazenda, como a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, e o secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto Almeida.

Mas não foi uma derrota de Meirelles o fato de a Câmara dos Deputados não ter incluído a proibição de aumentos acima da inflação para funcionalismo por dois anos, no projeto de renegociação das dívidas dos Estados? "Mande esses caras irem lá no governo fazer as coisas, para eles verem se é derrota ou não é derrota", responde Mendonça de Barros. "No governo, você vai sempre para o second best [a segunda melhor opção]. Não existe, pelo menos na condição política que nós temos hoje, a possibilidade de você ir para a cabeça, para aquilo que seria o ideal."

Segundo ele, o mesmo deverá ocorrer com as discussões sobre a reforma da Previdência e a reforma trabalhista. "Nós estamos num período meio caótico. É sempre assim quando uma hegemonia política de muito tempo acaba. Vira uma confusão."

Para Mendonça de Barros, seria importante a Câmara ter aprovado a proibição de aumentos reais para o funcionalismo estadual, mas é necessário entender as circunstâncias políticas atuais. "O que o deputado deve estar falando é o seguinte - Por que eu vou me queimar no meu Estado e deixar o governador inclusive falar mal disso?", afirma ele, ressaltando que o Congresso continua o mesmo.

Ele avalia que a decisão não chega a comprometer o ajuste fiscal, que deverá ocorrer ao longo do tempo. "Para aqueles que achavam que já no ano que vem haveria regras novas, duríssimas, é uma derrota. Mas é uma derrota que nunca foi possível de ser vitória", diz Mendonça de Barros, hoje presidente do conselho da Foton Brasil, que fabrica caminhões.

"O mercado financeiro é de um ridículo nessa incapacidade de perceber os limites que a política coloca", critica ele, que tem longa experiência no mercado. "Nós já mudamos. Só o fato de não ter mais o PT, o [Guido] Mantega [ex-ministro da Fazenda], a nova matriz econômica, já é uma mudança extraordinária. Mas não adianta. O governo Temer é um governo de transição."

Mendonça de Barros diz que o projeto que limita os gastos da União terá que se tornar viável longo de vários anos. "É um processo que vai começar no governo Temer e só se consolidará com o próximo presidente", afirma ele, destacando que a opinião pública não tem uma visão clara dos problemas - terá que ser "catequizada" nos próximos anos sobre a necessidade de reformas mais amplas.

"Será necessário construir uma agenda agora. Isso vai levar tempo, vai levar quatro, cinco, seis anos", acredita Mendonça de Barros. "O que se precisa dizer é que há agora uma gestão fiscal que, dentro dos limites estabelecidos, inverte pelo menos aquela tendência explosiva de crescimento [dos gastos]."

Mendonça de Barros enfatiza outro ponto que, para ele, ajudará bastante o governo Temer: a recuperação cíclica da economia, que já estaria contratada. Depois da forte queda da atividade econômica desde 2014, ele nota que já há sinais de melhora, como no caso da trajetória da indústria. Para o ex-ministro, é possível que o país cresça mais de 2% no ano que vem e 3,5% a 4% em 2018.

Ele ressalta também que muito do déficit público atual é conjuntural, resultado da recessão. "Há um ciclo na economia que você não consegue afetar diretamente. Não adianta querer agora aumentar imposto ou reduzir despesa - e, primeiro, reduzir despesa no contexto legal que nós temos é praticamente impossível", diz ele.

"O que nós temos que fazer é ganhar credibilidade, com uma agenda correta num determinado prazo, para que a economia volte a crescer." Na visão de Mendonça de Barros, o Brasil vive a dinâmica de uma bolha de consumo que estourou. "E a dinâmica de bolha que estoura é conhecida, pelo menos para quem acompanha. Você terá dois, três ou quatro anos à frente uma taxa de crescimento do PIB superior à potencial", afirma ele, numa referência à grande ociosidade existente na economia.

Isso deve permitir a Temer terminar o mandato numa situação muito favorável de opinião pública, segundo ele. "Aí há a importância de que se crie uma outra hegemonia política, que aproveite esse momento para se eleger com um discurso, aí sim, de reformas mais abrangentes e mais vigorosas." Esse, afirma Mendonça de Barros, é o timing da política. "Graças a Deus, existe a recuperação cíclica, que é ajudada pela credibilidade que voltou - não teria isso se Dilma [Rousseff] continuasse." Essa retomada cíclica, acredita, levará a um crescimento em 2018 de 3,5% a 4%.

O ex-ministro nota ainda que, com juros baixíssimos ou negativos no mundo desenvolvido e as taxas elevadas no Brasil, há um fluxo de recursos para os ativos do país. "O Brasil tem um histórico, tirando o período histórico recente do PT, de uma economia que não é brilhante, não é uma maravilha, mas que tem dinamismo, que tem força", diz Mendonça de Barros. "A parte externa está equilibrada. Daí você coloca um juro como o que nós temos aqui num mundo em que o juro é negativo. O que você acha que o investidor vai fazer?"

Mendonça de Barros atribui a valorização de ativos brasileiros nos últimos meses a essa combinação de um cenário internacional com ampla liquidez e de uma percepção de melhora do quadro interno. "Houve uma corcova a partir de julho do ano passado, principalmente quando o país perdeu o grau de investimento. O mercado precificou o caos, e não veio o caos. Então ele corrigiu."

Para ele, existe a possibilidade de o dólar cair para R$ 2,80, num momento em que há essa grande diferença entre os juros internos e externos. Uma vez superado a votação definitiva do afastamento da presidente Dilma Rousseff, o que deve ocorrer no fim deste mês, a moeda americana tende a buscar os R$ 3, na avaliação de Mendonça de Barros.

Nesse ambiente, diz ele, o BC deverá continuar a reduzir o estoque de swaps cambiais, o que equivale a compra de dólares no mercado futuro. "Mas, com esses juros lá fora e se o governo Temer conseguir depois do impeachment passar uma imagem de que Meirelles continua a liderar, será muito difícil segurar a entrada de dinheiro", afirma Mendonça de Barros, para quem então é factível a queda da moeda americana para a casa de R$ 2,80. "E não seria uma coisa boa, porque o câmbio está ajudando principalmente a recuperação da indústria."

Se esse cenário se concretizar, o BC não poderia então antecipar o início do ciclo de redução dos juros? "É difícil, porque o mercado fica no cangote do BC", diz ele. Para Mendonça de Barros, a inflação de alimentos deve ceder nos próximos meses, ao mesmo tempo em que as expectativas para os índices de preços em 2017 estão em queda. "Aí o BC terá espaço [para baixar a Selic]. É uma questão de dosar expectativas. Se ele baixar agora, esse discurso de que está tudo indo para o espaço volta com força."

 

Valor econômico, v. 17, n. 4070, 16/08/2016. Valor, p. A3