BNDES discute estratégia para atrair investidor

 

16/08/2016
Francisco Góes
Juliana Schincariol

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está discutindo "várias formas" de trazer investidores, como fundos de pensão e fundos de investimento, para as concessões em infraestrutura, disse Eliane Lustosa, diretora da instituição. "Estamos discutindo várias alternativas, estamos na fase de verificação, primeiro das demandas [do mercado] e depois do que a gente pode fazer." Segundo ela, "qualquer alternativa [de mercado] que possa fazer sentido vamos estudar".

Para atrair o capital estrangeiro para as novas concessões, Eliane afirmou que há coisas simples que podem ser feitas como publicar o edital dos leilões também em inglês e dar mais tempo ao investidor externo para avaliar as oportunidades em infraestrutura no Brasil. O mercado tem questionado, porém, o que pode ser feito para reduzir os riscos dos projetos. A redução do risco se relaciona, segundo Eliane, à existência de bons projetos, incluindo a parte de engenharia. Esse é um tema que passa pela discussão das chamadas "partes relacionadas", afirmou.

Em entrevista ao Valor no começo de julho, a presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, disse que uma das premissas dos novos leilões é não permitir partes relacionadas. A definição se refere a empresas concessionárias que também constroem os projetos. "Isso [as partes relacionadas] está no âmbito do governo, é um foco de atenção. Vamos discutir em detalhe", disse Eliane.

Segundo a diretora do banco, a participação do BNDES nas concessões deve ser na medida do "necessário" para assegurar o compromisso do investidor. Os ajustes vem sendo discutidos para tornar os leilões "críveis", segundo ela. "Temos tratado de iniciativas para melhorar a governança e incentivar o mercado de capitais nas concessões, disse Eliane, que participou ontem de seminário sobre a governança dos fundos de pensão.

O banco, afirmou ela, quer abrir mais espaço para o mercado participar dos projetos de infraestrutura em discussão no governo. Uma das medidas passa pelas empresas via BNDESPar, braço de participações do BNDES. O banco terá mais conselheiros independentes nas empresas da carteira da BNDESPar.

A ideia é melhorar a governança discutindo questões como sucessão, sustentabilidade e regras de conformidade, disse Eliane. O BNDES usa como uma das referências o IFC, braço do Banco Mundial para o setor privado, para o conselheiro atuar no melhor interesse da empresa investida "Também definimos nossa política de indicação, tomando como inspiração a lei das estatais, que veda indicação de políticos para [a carteira] a BNDESPar", afirmou.

Sobre as dificuldades enfrentadas pelo governo anterior para fazer deslanchar as debêntures de infraestrutura, Eliane afirmou que o BNDES está "em fase de discussão, inclusive com os fundos de pensão, sobre quais são as dificuldades do mercado para entrar em papéis como esse" e saber "o que impede, quais as dificuldades, desejos e garantias".

Segundo ela, o BNDES também vai continuar a incentivar a participação da instituição em fundos de investimento, um segmento que tem crescido dentro do banco nos últimos anos com o lançamento de vários novos fundos como o Criatec.

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Novas concessões abrem debate sobre 'hedge' cambial

 

16/08/2016
Francisco Góes

 

A atração de capital estrangeiro para financiar concessões e privatizações em infraestrutura - uma das prioridades do governo interino de Michel Temer - vai depender da existência de bons projetos e da garantia de segurança regulatória aos investidores. Executivos de bancos, advogados e especialistas em infraestrutura ouvidos pelo Valor dizem que será preciso atacar problemas que representam risco, incluindo questões como câmbio, taxa de retorno e licenciamento ambiental dos projetos.

Há consenso que será preciso estimular maior participação do mercado de capitais. A discussão passa pelo desenvolvimento de mecanismos complementares ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que pretende atrair capital privado para compartilhar o financiamento e o aporte de recursos para novas concessões de infraestrutura.

Na visão de um gestor de investimentos que tem ativos de infraestrutura na carteira, o mais importante é ter bons projetos, em termos de engenharia, capazes de reduzir o risco de execução. O risco dos empreendimentos também pode ser reduzido via contratação de seguros e pela existência de processos adequados de licenciamento ambiental, disse o gestor, que preferiu não se identificar.

Na avaliação do mercado, será inevitável contar com poupança externa para financiar a infraestrutura e os investidores estrangeiros vão se deparar com o risco cambial, uma vez que possuem recursos em moeda estrangeira (dólar, iene ou yuan, por exemplo) e os projetos no Brasil têm retorno em reais. "Pedágio em dólar não estou vendo acontecer no Brasil", disse, em evento que discutiu o cenário pós-Olimpíada, o presidente do Credit Suisse no Brasil, José Olympio Pereira.

A questão é se o BNDES poderia cumprir algum papel para mitigar o risco cambial dos investidores e assim estimular maior participação do capital estrangeiro nas privatizações. "Nessa parte da equação [o risco cambial], acho que o BNDES podia estudar maneiras de prover, dando aos projetos ou aos investidores um 'hedge' [proteção] nesse descasamento de moedas. Essa é contribuição que o governo pode dar", afirmou Pereira no evento. Apesar da crise, disse ele, o Brasil tem sido capaz de atrair o interesse de investidores financeiros e estratégicos.

O advogado Maurício dos Santos, do Souza Cescon Advogados, disse que há investidores interessados em oportunidades no Brasil na área de água e saneamento, por exemplo. Na visão dele, uma vez garantida a estabilidade política e econômica os fluxos de recursos em moeda estrangeira para financiar a infraestrutura podem ser ainda maiores. "Tem muita gente interessada, incluindo fundos de private equity, fundos de infraestrutura, fundos de pensão e tradings", disse Santos.

Os bancos comerciais, nacionais e estrangeiros, deverão ter maiores dificuldades para financiar a infraestrutura, uma vez que, quanto mais longo o empréstimo, maiores os requerimentos de capital exigidos pelas regras bancárias internacionais.

Na visão de Hélio Magalhães, presidente do Citi no Brasil, essas questões regulatórias praticamente inviabilizam empréstimos isolados de bancos. Para Magalhães, os bancos deveriam entrar na fase inicial do projeto, via empréstimos de curto prazo, com outras instituições, como fundos soberanos, de pensão e companhias de seguros, participando de uma segunda etapa, mais longa, de financiamento para os projetos.

Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), não vê razões para o BNDES fazer "hedge". "Sou contra hedge cambial por bancos públicos como BNDES", afirmou. Ele acredita que "hedge" cambial só é relevante agora dada a instabilidade econômica e política do Brasil. Quando o país garantir novamente a estabilidade, disse, pode se beneficiar de operações de swap cambial à semelhança do que ocorre hoje com outras moedas de países emergentes.

Langoni disse acreditar que poderá haver financiamento no mercado local por meio de debêntures cujos custos devem ser declinantes com a melhoria do marco regulatório. "Também poderia ser estudada a flexibilização do uso das cadernetas [de poupança], hoje dirigidas apenas ao mercado imobiliário", afirmou.

Eleazar de Carvalho Filho, ex-presidente do BNDES, avalia que podem ser criados estímulos para a participação dos investidores privados. Afirmou que no projeto hidrelétrico Itá-Machadinho, na região Sul do país, por exemplo, estimulou na época a emissão de debêntures e a inclusão de uma "put" [opção] de liquidez para o investidor em face do BNDES. "A cultura no Brasil é de ter liquidez instantânea, incompatível com projetos de infraestrutura", afirmou. A "put" exige ter alguém capitalizado para exercer a opção, disse um gestor.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4070, 16/08/2016. Valor, p. A4