Valor econômico, v. 17, n. 4069, 15/08/2016. Brasil, p. A5

OAB estuda se PEC de gastos é constitucional

Presidente da entidade é contra congelamento de despesas em termos reais na saúde por 10 anos

Por: Fabio Graner

 

Entrando na fase de discussão de mérito na Câmara dos Deputados, a pressão por mudanças na proposta de emenda constitucional (PEC) que limita o crescimento dos gastos públicos pela inflação já começa a se intensificar. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia, informou ao Valor que pediu para a Comissão de Direito Constitucional da entidade avaliar a constitucionalidade da PEC 241 e prepara uma intensa agenda de encontros nos principais gabinetes de Brasília para tentar retirar ou pelo menos alterar as regras para a saúde e também para a área de educação.

De outro lado, o Ministério da Fazenda já se prepara para o embate e reforça os argumentos em defesa da PEC. A pasta destaca que ela é o melhor caminho para ampliar, no longo prazo, o atendimento à saúde da população e também os investimentos em educação. O secretário de Acompanhamento Econômico do ministério, Mansueto Almeida, destacou ao Valor que, para poder investir muito mais nessas áreas, o país precisa voltar a crescer de forma sustentável, o que só ocorrerá com implantação do ajuste fiscal, do qual a PEC é considerada o principal veículo.

Para Lamachia, cuja entidade que preside foi nessa semana anfitriã de um encontro com uma série de entidades da área de saúde que se manifestaram contrárias à proposta do Executivo, a medida vai gerar um congelamento no financiamento da saúde, o que na prática levaria a uma redução dessa despesa. Ele explica que isso ocorrerá porque a população continuará crescendo e envelhecendo, gerando pressão adicional por serviços de saúde, que, por sua vez, não poderão ser atendidos por conta do represamento desses gastos.

"Nós somos frontalmente contrários ao entendimento da PEC 241 para a área da saúde. Ela levará à redução desses investimentos e a uma situação de caos, pois a população brasileira está aumentando e também está envelhecendo", destacou Lamachia.

Segundo ele, a análise sobre a constitucionalidade da PEC 241 deve levar cerca de 30 dias e corre em paralelo à atuação política da entidade, junto com as demais organizações da área de saúde. Lamachia explicou que uma possível inconstitucionalidade poderia ser constatada por suposta violação do princípio da saúde como dever do Estado e direito de todos. Mas ele mesmo prefere não ser taxativo sobre isso, em especial porque o assunto está sendo tratado por meio de emenda à própria Constituição. "Vamos aguardar a posição da comissão. Mesmo que a avaliação seja de que não há inconstitucionalidade, nós vamos seguir trabalhando para retirar a saúde da PEC", afirmou.

Lamachia disse também que já está articulando encontro nas próximas semanas com o presidente interino Michel Temer, com os ministros da Saúde, Ricardo Barros, e da própria Fazenda, Henrique Meirelles, além dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Rodrigo Maia, e uma série de outros parlamentares para explicar a necessidade de se mudar a PEC e excepcionalizar principalmente a área de saúde, mas também a educação, que demanda mais investimentos.

Considerada prioridade absoluta do Ministério da Fazenda, a pasta tem defendido com veemência a PEC 241. A visão do time liderado pelo ministro Henrique Meirelles é que a medida, pela primeira vez, coloca um freio nos gastos públicos e estabelece uma política de longo prazo para melhorar a solvência fiscal do país, reduzindo assim os juros e fomentando os investimentos e o crescimento econômico de longo prazo.

O secretário Mansueto Almeida reconhece que há um grupo ligado ao direito levantando a tese de que a PEC retiraria os meios para o Estado prover os direitos constitucionais à saúde e educação. Mas ele considera a tese contestável, pois, apesar do sistema universal, o Brasil já gasta mais com saúde privada do que com pública, enquanto na Inglaterra 85% da despesa com saúde é feita com gasto público. "Para o país investir mais em saúde e educação, precisa crescer", disse, reafirmando que para isso é necessária a resolução da questão fiscal.

Ele salientou ainda que a PEC não impede que a saúde e a educação cresçam mais que a inflação, que é o mínimo garantido para essas áreas. Na verdade, explica, o que a proposta faz é desvincular das receitas o piso de gastos dessas rubricas. Na prática, argumentou, a PEC garante os gastos em saúde e educação. Além disso, recorda, se os parlamentares julgarem necessário, poderão subir mais essas rubricas, desde que no total a despesa pública respeite o teto.

Ele lembra que, diante da queda da arrecadação, provocada pela recessão econômica, o financiamento à saúde já tem sido afetado e só não caiu mais porque o governo tem trabalhado acima do piso definido na legislação atual. "O mínimo constitucional não garante nada", comentou, lembrando que no ano passado houve cortes, por exemplo, dos investimentos em educação.

O secretário afirma que o governo entende a preocupação com a questão do direito à saúde, mas lembra que o fato de se ter na Constituição um sistema de saúde integral, universal e gratuita não significa que o país tenha os meios para cumprir isso rapidamente. Ele destaca que países com crise fiscal séria, como a Grécia, tiveram que cortar uma série de despesas públicas, até mesmo aposentadorias. Enquanto isso, a proposta do governo é não reduzir o gasto público geral em termos nominais. "Estar na Constituição não garante direitos se o país estiver quebrado", pontuou.

Além disso, ressaltou, a regra da correção da despesas pela inflação valerá por dez anos e depois poderá ser reavaliada para os dez anos seguintes. Mansueto lembrou que, se o conjunto das despesas não tiver um freio, o país terá que fazer um ajuste muito forte na carga tributária, o que prejudicaria ainda mais o crescimento econômico, crucial para garantir o cumprimento do comando constitucional de saúde para todos.