Título: O poder de Lula
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 25/10/2011, Política, p. 2

Pela terceira vez na gestão de Dilma, ex-presidente sai em defesa de ministro envolvido em denúncias. Palocci e Alfredo Nascimento não resistiram e deixaram o cargo, mas Orlando Silva garantiu uma sobrevida

Três dias depois de telefonar para o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, afirmando que Orlando Silva deveria resistir às denúncias envolvendo o Ministério do Esporte, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve pessoalmente com a presidente Dilma Rousseff para participar da inauguração de uma ponte sobre o Rio Negro, em Manaus, avaliada em R$ 1,099 bilhão. Dilma e Lula tiveram pouco tempo para conversar sobre o caso, já que o ex-presidente prosseguiu viagem direto para o México, onde participará de um encontro de negócios. Mas o roteiro seguido pelo ex-presidente no caso repete o mesmo script de crise anteriores, colocando as opiniões dele e da presidente em campos opostos.

Pelo menos nesse caso, Lula ajudou a garantir uma sobrevida a Orlando. A solidariedade expressa ao PCdoB ocorreu na sexta-feira, dia em que a crise atingiu o ápice e os comunistas chegaram a temer pela demissão do ministro. Dilma decidiu que Orlando Silva ficaria, mas exigiu que ele promova uma reforma administrativa na pasta, limpando-a dos apadrinhados políticos e imprimindo um novo ritmo na gestão da pasta. No domingo, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, admitiu que a permanência de Orlando no ministério não é uma "situação definida".

Não é a primeira vez que Lula envolveu-se diretamente em denúncias de corrupção no governo Dilma. A inauguração desse estilo ocorreu justamente no primeiro episódio traumático — as suspeitas de enriquecimento ilícito do ex-chefe da Casa Civil Antonio Palocci. Lula veio a Brasília para almoçar com senadores do PT e pedir que os parlamentares apoiassem Palocci, gesto político ao qual o PT relutava em aderir. O movimento acabou não dando certo, o PT não apoiou Palocci e Dilma resolveu substituí-lo por Gleisi Hoffmann.

Outro agraciado pela solidariedade lulista foi o ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento. Lula é grato a ele, pois foi o primeiro governador, ainda em 2002, que manifestou apoiou à candidatura presidencial vitoriosa do petista. Alfredo só deixou o ministério no momento em que se desincompatibilizava para concorrer às eleições. Passada essa fase, retornava à pasta. Quando o escândalo do Transporte estourou, Lula ligou para Nascimento para manifestar seu apreço.

"Casco duro" Há pouco mais de um mês, nova divergência conceitual. Enquanto a presidente Dilma discursava em Nova York defendendo as ações de combate à corrupção em seu governo — batizadas de "faxina ética" —, Lula defendia que os ministros precisam ter "casco duro porque se cada político tremer a cada vez que alguém disser uma coisa errada dele, se ele não enfrentar a briga para provar que está certo, as pessoas vão saindo mesmo".

Segundo interlocutores palacianos, Lula e a presidente Dilma não precisariam arrumar pretextos para conversar sobre a crise no Ministério do Esporte. Mas admitem que, em episódios como esses, o ex-presidente não se contém e envolve-se diretamente no debate, muitas vezes emitindo opinião. "Ele é o nosso 12º jogador", afirmou um aliado, citando uma expressão futebolística que representa o atleta, do banco de reservas, que entra no meio do jogo para alterar o panorama da partida.

Um dirigente de um partido aliado tem medo do poder intervencionista de Lula na administração federal. "Ele é um perigo porque, como ex-presidente, não tem mais as amarras institucionais que o cargo lhe impõe. E pela alta popularidade e pelo prestígio que conquistou, acha-se no direito de falar o que quiser por considerar-se imune a críticas", declarou ao Correio o dirigente partidário.

Mas essa atuação explícita de Lula não teria, na opinião de alguns aliados, capacidade de ofuscar as decisões da presidente — tanto que, à exceção de Orlando, todos os demais envolvidos em denúncias de corrupção acabaram deixando seus cargos. No caso do Ministério do Esporte, avaliam, a opinião de Lula pode ter sido levada em conta, mas a decisão presidencial amparou-se nas conversas que ela teve com os ministros mais próximos e nas análises dos documentos encaminhados pela Controladoria-Geral (CGU) da União e pela Polícia Federal.

Para pessoas próximas a Dilma, o papel exercido por Lula é fundamental para acalmar os ânimos dos partidos envolvidos nas crises políticas. "O PCdoB estava histérico e o telefonema de Lula ajudou a serenar os ânimos", afirmou um experiente governista.

Sindicância no ministério O Ministério do Esporte divulgou ontem que criou uma comissão de sindicância para investigar suspeitas de irregularidades em convênios da pasta. Segundo nota do ministério, a ordem para iniciar a investigação interna sobre o envolvimento de servidores do ministério em irregularidades administrativas partiu do próprio ministro Orlando Silva. Ontem, um cunhado de Orlando Silva perdeu o emprego. O novo prefeito de Campinas, Pedro Serafim (PDT), exonerou oficialmente três secretários. Entre eles está o secretário de Esportes, Gustavo Petta, irmão da mulher de Orlando Silva.