Planalto teme que pressão do Nordeste trave PEC dos gastos

 

18/08/2016
Fabio Graner

 

O Palácio do Planalto está preocupado com o risco de as insatisfações das bancadas das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste atrapalharem o andamento no Congresso Nacional da proposta de emenda constitucional (PEC) que limita o crescimento dos gastos públicos. O movimento dessas bancadas tem se intensificado e é um elemento a mais a compor o quadro político em torno das negociações do principal projeto do governo e aposta do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

As movimentações dessas bancadas foram, e continuam sendo, importantes para o debate em torno do projeto de renegociação das dívidas dos Estados com a União, que ainda não foi concluído na Câmara dos Deputados. O encerramento desse processo depende da votação de destaques (emendas ao projeto), que não foram examinados por falta de quorum na semana passada, mesmo o governo tendo cedido no ponto que vedava reajustes e vantagens novas para servidores públicos estaduais.

A pressão corporativa foi reforçada pela insatisfação das bancadas dessas regiões mais pobres e que não se consideram significativamente beneficiadas pela renegociação, pois o endividamento desses estados é baixo. Os governadores querem aumento dos repasses federais, pois tiveram grande perda de receita com a recessão econômica afetando o ICMS e as transferências federais. Diante desse quadro, os governos têm tido dificuldade para pagar despesas correntes e realizar investimentos, situação que se torna politicamente indigesta, ainda mais em ano de eleições municipais.

Segundo uma fonte palaciana, o presidente interino, Michel Temer, pediu que a Fazenda avalie o que pode ser feito para ajudar essas regiões, mas não se comprometeu com qualquer ajuda. Na última terça, ele recebeu governadores e pediu duas semanas para analisar pleitos como aumento em 1% do percentual do repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE) em 2017 e mais 1% em 2018. O problema é que o governo federal considera muito limitado o seu espaço fiscal e tenta avaliar apoio a tomada de crédito, acelerando o acesso a recursos pelos Estados, ideia que não anima muito os governadores e parlamentares.

A fonte lembra também que o Nordeste tem sozinho 27 senadores (um terço do Senado), o que pode ser um enorme problema, tanto para a renegociação das dívidas como para os rumos da PEC dos gastos, cuja tramitação ainda está em fase inicial na Câmara.

Esse interlocutor destaca que, apesar das preocupações de natureza política, Temer ficou satisfeito com o fato de a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara ter votado rapidamente a admissibilidade da proposta, permitindo que a Comissão Especial pudesse ser instalada e iniciasse seus trabalhos.

O governo sabe que, apesar dos sinais favoráveis do Congresso em apoiar o ajuste fiscal, terá que enfrentar negociações difíceis com as diversas bancadas parlamentares. Uma das pressões mais fortes é da bancada da saúde, que teme que a PEC torne ainda mais problemática a situação do setor. Temer tem dado indicações de que aceita que tanto esta área como a educação tenham algum tratamento diferenciado, mas a preocupação do governo é evitar ajustes que firam o espírito da PEC e sua eficácia.

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Base no Senado resiste a limite para saúde

 

18/08/2016
Edna Simão
Thiago Resende

 

 

Senadores da base aliada do presidente interino Michel Temer manifestaram, nesta semana, dúvidas em relação à proposta de criar um limite para o aumento dos gastos públicos. Aliados do Palácio do Planalto já acreditam que possa haver mudanças no texto, que ainda está em tramitação lenta na Câmara.

Um debate anteontem na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado mostrou o nível de resistência dentro da base do governo.

Enquanto se reuniam para ouvir o secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, parlamentares disseram que a medida poderia engessar os próximos governos e diminuir em termos reais os investimentos nas área de saúde e educação, com impacto nos programas sociais.

Há entendimento sobre a necessidade de ajuste fiscal, mas foram colocadas pela base governista várias dúvidas sobre se o melhor caminho é a aprovação de um teto para o gasto público por dez anos, prorrogáveis por igual período.

A oposição argumenta que, ao determinar um teto para o valor total do gasto público, a proposta de emenda constitucional permitiria que os próximos Orçamentos reduzam os desembolsos para saúde e educação em relação à regra vigente. Senadores alinhados a Temer também manifestaram suas dúvidas em relação aos efeitos da medida.

Líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), criticou as propostas de aumento para servidores públicos aprovadas na gestão Temer, paralelamente à ideia de estabelecer um limite para despesas públicas. E sugeriu "um indexador único para que, pelo menos os setores da saúde e da educação, tão dependentes de uma decisão de governo, não ficassem penalizados com a perspectiva que talvez faça com que o projeto tenha dificuldade de caminhar na Casa".

O PSDB defende a medida proposta por Temer, mas o líder do partido no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), acredita que na tramitação na Câmara possa já haver uma flexibilização quanto à saúde e educação para os dois setores. "Com relação ao limite de gasto, eu acho que temos que cortar primeiro o tamanho do Estado", disse Flexa Ribeiro (PSDB-SP), na comissão.

Também em dúvidas em relação à PEC, o senador Roberto Muniz (PP-BA) defendeu melhorias na qualidade do gasto público, apesar da necessidade de ajuste fiscal.

Em oposição ao presidente interino Michel Temer, aliados da presidente afastada Dilma Rousseff atacam a emenda constitucional desde que foi anunciada. Para a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), a medida pode ter efeito negativo nas políticas sociais do país, enquanto que Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) infla o discurso de que a proposta é um caminho para estabelecer o Estado mínimo.

"Então só se fala em teto para gasto primário, para educação, para saúde, para previdência. O outro lado fica completamente livre. [...]Eu queria perguntar se os senhores têm noção do que vai acontecer na ponta. O prefeito, a cada ano, vai diminuindo o percentual vinculado à receita, vinculado à inflação. Ele vai investir menos. As consequências aqui são desastrosas na ponta", discursou o líder oposicionista no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ).

 

Valor econômico, v. 17, n. 4072, 18/08/2016. Política, p. A7