Serra e Meirelles travam embate em torno de projeto sobre securitização

 

19/08/2016
Vandson Lima
 

Os ministros das Relações Exteriores, José Serra, e da Fazenda, Henrique Meirelles, travam um embate nos bastidores do governo em torno do projeto que permite à União, Estados e municípios venderem ao mercado financeiro créditos que têm a receber de contribuintes, a chamada securitização de dívidas, que está na pauta de votação do Senado.

Serra é o autor original da proposta. A equipe econômica do governo conta com a aprovação para ver ingressar um montante que varia de R$ 15 bilhões a R$ 55 bilhões, a depender do autor da estimativa - em um cenário de dificuldade para obtenção de receita.

Mas os lados discordam em relação aos principais pontos da medida. Pelo parecer acertado entre a Fazenda e o relator, senador Paulo Bauer (PSDB-SC), no mínimo 70% da receita decorrente da venda de dívidas já reconhecidas será usada para amortização de dívida pública fundada e aporte em fundos de previdência. Os 30% restantes serão destinados a investimentos.

Serra discorda. Alega que regras para o uso do dinheiro nesse tipo de operação já estão previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo portanto uma ingerência querer impor mais limitações através de uma lei complementar. O uso predominante do montante para abatimento de dívidas é uma exigência do Ministério da Fazenda. A regra valeria para todos os entes.

Outro ponto de desacordo é sobre a fatia que estará sujeita à securitização. A dívida ativa da União está em torno de R$ 1,5 trilhão. O projeto visa apenas a cessão da parte mais facilmente "cobrável" deste montante, ou seja, créditos já reconhecidos pelo devedor e objeto de parcelamento.

Neste ponto, segundo fontes, a Casa Civil se juntou a Serra. Pediu que ele interviesse junto ao relator para que toda a dívida possa ser vendida. A justificativa é que, apesar da maior dificuldade, esse crédito terá seu risco avaliado pelos compradores e refletido no próprio deságio. Ainda assim, poderia render um bom dinheiro. A Fazenda não concorda.

O potencial arrecadatório ainda é incerto. O especialista em contas públicas Felipe Salto e o analista do Senado Leonardo Ribeiro, que auxiliaram Serra na formulação, estimaram em R$ 55 bilhões para a União e R$ 30 bilhões para os demais entes.

Valdery Albuquerque, diretor da área de investimentos do banco Fator, fez ao Valor estimativa mais modesta: do total, R$ 90 bilhões foram parcelados; a parte da União é estimada em R$ 60 bilhões - os R$ 30 bilhões restantes são a fatia de Estados e municípios em tributos. A securitizadora emitiria duas séries de debêntures. Na primeira, "sênior", é que seriam levantados os R$ 15 bilhões.

A confusão é tamanha que o PSDB, que tem autor e relator da proposta, está dividido. O senador Aécio Neves (MG), presidente nacional da sigla, apresentou uma emenda, acatada por Bauer, para que a dívida possa ser cedida apenas a instituições privadas, vedando a participação de bancos exclusivamente públicos - o que não constava no texto de Serra.

Presidente da Caixa Econômica Federal, Gilberto Occhi, indicado pelo PP, defende emenda para habilitar a instituição a comprar partes da dívida. Benedito de Lira (PP-AL), em sessão na quarta-feira, pediu o adiamento da votação por causa do apelo de Occhi.

Senadores que participam dos debates explicaram que o setor financeiro público quer entrar na disputa, pois considera que um bom mercado será criado.

Os tucanos planejam se reunir no começo da semana para buscar um entendimento.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4073, 19/08/2016. Política, p. A6