Valor econômico, v. 17, n. 4071, 17/08/2016. Especial, p. A14

Campanha à reeleição de ACM Neto abre a sucessão estadual de 2018

Prefeito de Salvador deve se lançar ao governo baiano caso vença disputa deste ano

Por: Paulo Totti

 

À primeira vista está tudo resolvido: Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), 37 anos, será reeleito prefeito de Salvador. Tem o apoio de 14 partidos; preciosos 3min43s em cada um dos dois programas de dez minutos diários na TV, contra 2min55s da sua principal adversária, Alice Portugal, do PCdoB em aliança com PT, PSB, PSD e PTN; a máquina administrativa da prefeitura está azeitada e reciclada para ser máquina eleitoral, e o principal: o comando da campanha diz dispor de pesquisas alentadoras.

Que ACM Neto seria candidato à reeleição se sabe desde antes de inscrever-se candidato a prefeito em 2012. Há um mês não se sabia se o PT, com seis vereadores, abriria mão de encabeçar a chapa em 2016 em favor de um partido aliado e fiel, mas com apenas dois vereadores. Os padrinhos da candidatura de Alice, 57 anos, formada em química industrial e em farmácia, duas vezes deputada estadual e no quarto mandato federal, são o governador Rui Costa (PT), o senador Otto Alencar (PSD) e a senadora Lídice da Mata (PSB). "Há duas formas de perder eleição antecipadamente: achar que já perdeu e achar que já ganhou", disse o governador na convenção conjunta da aliança. A militância se animou.

Há exemplos históricos de reversão de expectativas. Jaques Wagner e Rui Costa se elegeram governador no primeiro turno em 2006, 2010 e 2014 quando até o domingo da eleição as pesquisas os indicavam como derrotados. Notório expert em eleições, o empresário baiano Marcelo Odebrecht, preso na Lava-Jato, foi um dos que se surpreenderam com a vitória de Wagner em 2006.

Adeptos de ACM Neto preferem tradição mais antiga: desde 1996, quando a hoje senadora Lídice da Mata (PSB) deixou seu mandato de prefeita então pelo PSDB, nunca mais um esquerdista ganhou eleição em Salvador.

Por mais espetacular que seja a vista da Baía de Todos os Santos de sua sala no Palácio Tomé de Souza, sede da prefeitura, o Brasil inteiro sabe que o herdeiro político de Antonio Carlos Magalhães I quer mudar-se para a Governadoria, um prédio imponente de onde só se veem congestionamentos e mais edifícios imponentes.

A intenção do prefeito torna esta eleição original e importante em seus desdobramentos. Se ACM Neto vencer, quem votar nele elegerá dois prefeitos. ACM Neto até 2018 e Bruno Reis, seu vice, nos dois anos seguintes. Assessor de ACM Neto quando este era deputado federal, o advogado Bruno Reis, 39, é deputado estadual pelo PMDB, o partido de Geddel Vieira Lima, hoje influente ministro de Michel Temer.

Ceder à pressão de Geddel e em troca receber os privilegiados minutos do PMDB na televisão, exigiu muita negociação. Pelo menos cinco partidos queriam indicar o prefeito de 2018. ACM Neto varou madrugadas em conversações, viajou a Brasília ao encontro de ministros, de caciques nacionais dos partidos, Antonio Imbassahy, do PSDB, Benito Gama, do PTB, Marcelo Crivella, da Igreja Universal, e também com Tia Eron (PRB), evangélica que votou contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara e queria ser vice. A paz foi selada 15 horas antes do início da convenção.

A chapa de ACM Neto ficou sem mulher e sem negro numa cidade em que ambos são maioria. "O importante são as ideias e ACM Neto já provou que governa para todos", disse ao Valor um afrodescendente, tocador de bumbo na banda que animou a festa da convenção, onde 3 mil pessoas se comprimiam num espaço em que cabiam menos de mil e tinha-se a impressão de que a multidão era ainda maior.

A convenção foi o sucesso esperado. Calça jeans e camisa branca, ACM Neto subiu ao palco, sorriu, deu alguns passos na cadência de axé e, no discurso, disse que Salvador renasceu e que é preciso vencer no primeiro turno. E o locutor repetia que ACM Neto é o melhor prefeito do Brasil.

Mulher e negra, antiga militante do PV, a atual vice-prefeita, advogada Célia Sacramento, não foi à convenção do DEM. "Fui traída", declarou. E lançou-se candidata à prefeita pelo minúsculo Partido Pátria Livre (PPL). O PV continuou com ACM Neto.

A chapa "Cara de Salvador" liderada pelo PCdoB também não tem negro, mas tem duas mulheres. Para vice, o PT indicou a deputada estadual em segundo mandato María del Carmen, engenheira civil e espanhola de nascimento. A escolha surpreendeu até para a deputada, que visitava parentes em Madri quando seu nome foi homologado. "Del Carmen conhece como ninguém cada ladeira e cada baixada dos 160 bairros de Salvador. Vai cuidar da infraestrutura urbana em nosso governo", disse Alice. ACM Neto, na convenção, afirmou que os adversários nem conhecem Salvador, não conseguem andar pela cidade sem ajuda do GPS. Filha de costureira e de funcionário do extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), Alice respondeu: "Conheci toda Salvador ainda estudante, sacolejando dentro de um ônibus ou andando a pé. O ACM Neto, tenho certeza, nunca subiu num ônibus".

Jaques Wagner refere-se a ACM Neto como "garoto brilhantina", suas obras "maquiagem, perfumaria". Salvador, porém, está com ruas mais limpas, praças mais bem cuidadas. ACM Neto recebeu de seu antecessor, João Henrique Carneiro, então no PMDB, caos administrativo e dívidas de R$ 3 bilhões com fornecedores e com a União. ACM não dá detalhes de como reequilibrou as finanças e fez a prefeitura funcionar. "O governo federal não me ajudou, o estadual muito menos. A solução foi competência na gestão e administração sem corrupção, andar com as próprias pernas". Em verdade, quem fez o ajuste foi, por dois anos, o secretário da Fazenda Mauro Ricardo Machado Costa, economista importado da equipe de José Serra no governo de São Paulo. Hoje Ricardo está no governo de Beto Richa (PSDB) no Paraná.

O balanço a ser usado na campanha diz que a prefeitura pagou as dívidas herdadas e são honrados os compromissos com fornecedores e com o Tesouro Nacional. Para comprovar que ACM Neto trabalha muito e desde muito cedo, um assessor mostra o registro no seu celular. "Tem alguém acordado?" É o prefeito, às 5h34, à procura de contato com um dos seus vários grupos de WhatsApp que cuidam de praças, lixo, iluminação, política e, o mais acionado, imprensa. "Sempre tem alguém acordado", diz o assessor.

A publicidade da prefeitura informa que os gastos com educação ascendem a 28% do orçamento, três pontos a mais do que a lei exige. A aplicação na saúde vai chegar a 20% este ano, e a lei só exige 15%. Em obras viárias investiram-se R$ 150 milhões nos bairros periféricos, com destaque para a ligação Cajazeiras/Águas Claras/Valéria/BR324 (14 km). Na orla, a novidade é o calçadão frente ao mar no bairro do Rio Vermelho. O turista realmente se impressiona, mas petistas reclamam do custo, R$ 70 milhões. "Daria para construir 20 creches na periferia", diz o governador Rui Costa. E Alice: "Temos que embelezar a cidade, atrair turistas, mas o que se fez foi descaracterizar o lugar. Não tem a ver com a tradição cultural da cidade. O que precisava ser feito era uma restauração."

O que mais se destaca em Salvador, entretanto, é a linha 2 do metrô, que avança em direção ao aeroporto a 22 quilômetros do centro. Todas as estações, nenhuma subterrânea, estão sendo construídas simultaneamente e se veem os operários trabalhando dia e noite. A obra é do governo do Estado com verba federal e, pelo andamento, estará mesmo pronta no ano que vem. Na TV, o governo de Costa exibe um comercial com as obras do metrô e outras sob sua responsabilidade. "É obra pra todo lado. Quem faz? O governo do Estado".

O governador Rui Costa, 53 anos, economista filho de metalúrgico, mergulhou na campanha. Derrotar o DEM em Salvador é importante para a autoestima do PT nacionalmente. ACM Neto ocupa hoje o cargo mais alto da política brasileira que o DEM conseguiu alcançar em eleições recentes. Além disso, se reeleito, será o adversário direto do governador Costa quando este tentar sua própria reeleição em 2018.