Valor econômico, v. 17, n. 4074, 22/08/2016. Brasil, p. A3

Governo vê política fiscal contracionista em 2017

No ano que vem, haverá corte adicional de despesas discricionárias e déficit primário menor

Por: Fabio Graner

 

O envio do projeto de lei orçamentária para 2017 com corte adicional nas despesas discricionárias (as que o governo pode dispor livremente), déficit primário bem menor do que neste ano e gasto total corrigido pela inflação de 2016 reforçam o caráter contracionista da política fiscal no próximo ano, na avaliação da equipe econômica, segundo apurou o Valor.

O efeito esperado pelo governo (e que os técnicos entendem que já começa a se manifestar) é um processo de redução dos juros no mercado, maior otimismo de empresários e consumidores e expansão maior do setor privado. Essa combinação produziria um cenário de crescimento econômico mais sustentável no longo prazo.

Apesar de ainda elevado, o déficit primário de R$ 139 bilhões para o governo central (R$ 143,1 bilhões para o setor público) projetado para o próximo ano significa um "impulso fiscal negativo", avaliou uma fonte do governo. Esse interlocutor destaca que, além de ser menor em termos nominais do que o deste ano, a redução desse saldo negativo no ano que vem proporcionalmente fica ainda maior com o cenário de maior crescimento que acompanha o projeto de lei orçamentária. O déficit previsto para o governo central em 2016 é de R$ 170,5 bilhões, embora para todo o setor público haja risco de ser ainda maior. "A questão é que, em termos de fluxo, haverá um déficit primário e despesas menores em relação ao tamanho da economia, portanto, há uma contenção fiscal", disse a fonte.

Na última quarta-feira, o Ministério da Fazenda anunciou a revisão da projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 de 1,2% para 1,6%. Para 2016, a estimativa de queda do PIB saiu de 3,1% para 3%. Dessa forma, o déficit com que o governo trabalha, se realmente for cumprido, será ainda menor do que se projetava inicialmente, quando a nova meta fiscal foi anunciada, há mais de um mês.

O Orçamento de 2017 tem que ser enviado ao Congresso até o dia 31 de agosto. Este é o primeiro projeto de lei orçamentária construído nos termos do chamado "novo regime fiscal", proposto pelo governo na chamada "PEC do gasto", que está ainda em fase inicial de tramitação no Congresso Nacional. O princípio é que os gastos públicos se mantenham congelados em termos reais nos próximos 20 anos, embora a PEC traga a possibilidade de revisão da regra a partir do décimo ano de vigência.

No entendimento do governo, a política fiscal mais restritiva já tem gerado efeitos positivos na economia, que tendem a se intensificar ao longo do tempo. As quedas dos juros de mercado já começam a estimular investimentos e gastos privados e a expectativa das autoridades do governo do presidente interino Michel Temer é que a economia, nesse novo regime, cresça com maior presença do setor privado, o que a equipe econômica considera uma situação de maior qualidade e mais sustentável.

Um especialista em política fiscal e setor público, que pediu anonimato, concorda com a avaliação do governo de que, se a política fiscal do ano que vem seguir a regra da PEC e ainda houver corte adicional de despesas discricionárias, o cenário será mesmo de contração fiscal. Essa fonte explica que provavelmente esses cortes de gastos serão concentrados em investimentos, que têm maior efeito multiplicador na economia, reforçando o quadro de contenção da política fiscal.

O interlocutor pondera, entretanto, que esse efeito contracionista será maior ou menor a depender de outros fatores, como a velocidade de queda da inflação. O governo prevê que o IPCA caia de 7,2% neste ano para 4,8% em 2017. Ou seja, confirmado esse quadro, ainda haverá um crescimento real da despesa, ainda que bem menor do que a média da última década. A fonte explica que, na prática, uma queda menos intensa do IPCA significaria uma contração fiscal maior, ao passo que uma redução mais acelerada, diminuiria esse efeito, ao implicar em um aumento real das despesas. "A contração fiscal existe, mas de fato pode ser menor, se a inflação melhorar mais rapidamente", disse.

Em relação ao impacto dessa política fiscal na melhora do humor na economia, a fonte é mais cética. A avaliação é que o movimento atual ainda é basicamente de expectativas, resultado da descompressão do ambiente político e da recuperação cíclica da economia, após dois anos de recessão forte. "Há vários fatores que induzem essa recuperação, não dá para dizer que ela está relacionada à política fiscal", disse.

Nos estudos do governo para redução da despesa discricionária, uma fonte da equipe econômica destaca que a base de comparação também deve ser menor. Além disso, a despesa obrigatória deve subir (embora menos do que se esperava), puxada por gastos como benefícios previdenciários. Por isso que, apesar do esforço para reduzir as despesas que o governo tem controle, o gasto total do governo crescerá exatamente dentro dos termos previstos na PEC.