Valor econômico, v. 17 , n. 4062, 04/08/2016. Brasil, p. A3

Municípios puxam contratação de servidor público

Quadro de funcionários cresceu 236% em dezesseis anos, contra 128% nos Estados

Por: Cristian Klein

 

Mapeamento do funcionalismo público brasileiro, feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP), mostra que o contingente de servidores municipais cresceu 263% entre 1998 e 2014, passando de 1,85 milhão para 4,87 milhões, num aumento muito acima das esferas estadual (128%) e federal (134%) de governo. Esse é um dos principais resultados do estudo - obtido com exclusividade pelo Valor - que também indica o crescimento do funcionalismo público nas regiões Norte e Nordeste. No recorte por poderes e órgãos de Estado, o perfil indica a discrepância entre a alta remuneração do Judiciário e do Legislativo - médias de R$ 138,4 mil e R$ 128,4 por ano -cerca do dobro da recebida pelos funcionários do Executivo (R$ 68,9 mil).

O número que mais saltou aos olhos dos pesquisadores da DAPP é o do crescimento explosivo dos servidores municipais. "O estudo evidencia a sobrecarga de responsabilidades que recai hoje sobre os municípios. É a ponta da estrutura federativa que se encarrega hoje de boa parte dos serviços básicos oferecidos à população, por exemplo em áreas como saúde, saneamento, habitação, parte da educação e hoje até mesmo na segurança pública", afirma Marco Aurélio Ruediger, diretor da FGV/DAPP, que coordenou o trabalho com os pesquisadores Rafael Martins de Souza, Miguel Orrillo e Amaro Grassi.

Em 15 anos, o gasto anual com o servidor municipal teve um aumento de 406% passando de R$ 33,48 bilhões para R$ 136,09 bilhões, com valores já deflacionados a dezembro de 2014. Os aumentos das folhas estadual e federal foram de 246% e 225%, no período. Apesar do volume de contratações, o rendimento médio dos servidores municipais, de R$ 28 mil anuais em 2014, é bem inferior aos dos estaduais, que recebem quase o dobro por ano, R$ 54,1 mil, e dos federais, que ganham o triplo, R$ 85 mil anuais.

"Os entes municipais sentem diretamente a pressão por maior acesso e qualidade dos serviços e são, assim, levados a aumentar o seu corpo de funcionários, porém com um nível de remuneração mais baixo do que nos níveis estadual e federal - o que tem reflexos evidentes na qualidade do serviço prestado", ressalta Ruediger. O pesquisador afirma que esse arranjo é decorrente, de um lado, da descentralização federativa e, de outro, do aumento dos direitos sociais, ambos previstos na Constituição de 1988. Desde 1999, o rendimento médio anual dos servidores nas três esferas de governo passou de R$ 27,9 mil para R$ 43,5 mil.

Em relação aos poderes da República, no âmbito federal, o estudo mostra que o rendimento anual médio dos servidores do Executivo aumentou 153% no período - mais do que os 129% do Judiciário e os 114% do Legislativo, mas são estes dois que concentram os maiores salários. O maior tempo de serviço público é dos que trabalham em autarquias e fundações. As unidades da Federação com mais servidores por mil habitantes são o Distrito Federal e Roraima. Pelo mesmo critério, destacam-se as regiões Norte, que era a terceira em 2000 e agora é a primeira, e Nordeste, que subiu da quinta para a terceira posição.

O diretor da DAPP destaca que o estudo tem algumas consequências ao debate público como não restringi-lo apenas aos servidores federais e a necessidade de uma rediscussão do pacto federativo, "para que não haja um desequilíbrio que agrave ainda mais a situação dos municípios, com reflexos diretos para o cidadão".

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Ministérios Públicos estouram limite de gasto com pessoal

Por: Camilla Veras Mota

 

Em mais de metade dos Estados com informações fiscais disponíveis para este ano a despesa do Ministério Público com pessoal ultrapassa o limite de alerta estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Nos relatórios de gestão de 23 unidades referentes ao primeiro quadrimestre, em 12 os gastos com a folha de pagamentos ultrapassam 1,8% da receita corrente líquida total. Três estão acima do nível prudencial e um, o Rio Grande do Norte, já cruzou o limite máximo, conforme levantamento feito pelo Valor.

Entre 21 Tribunais de Justiça com dados publicados no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), 7 já ultrapassaram o limite de alerta, de 5,4% da receita corrente líquida. Nos tribunais de contas, 10 entre 23 já contabilizam despesa com pessoal acima do limite de alerta, de 0,9%.

Ao lado da Defensoria Pública, esses poderes estão entre os beneficiados pela flexibilização dada nesta semana pelo governo para as contrapartidas que vinham sendo exigidas na renegociação da dívida dos Estados. Após pressão feita em conjunto pelo Judiciário, essas instituições foram excluídas da atualização das regras proposta para o cálculo das despesas com pessoal. Atualmente, auxílios para moradia, alimentação, creche, saúde, benefícios e funcionários terceirizados não são contabilizados no indicador. O PLP 257 defendia a inclusão dessas rubricas, sob a alegação de que ela promoveria um acompanhamento mais realista dos gastos dos Estados.

No Ministério Público do Amapá (MPAP), os auxílios e benefícios recebidos pelos promotores - que, pelas regras atuais, não precisam entrar no cálculo das despesas com pessoal - somam pouco mais de R$ 7 mil, cerca de 25% do salário-base médio dos 80 servidores que ocupam o cargo, R$ 28,6 mil.

Além desse valor, somam-se à remuneração final os ganhos de "exercícios anteriores e restos a pagar", que incluem parcelas de acordos salariais e outras decisões judiciais, conforme o diretor do departamento de finanças e contabilidade do MPAP, Elionai Paixão, os abonos de permanência e as receitas identificadas como "função", que ele não soube explicar a que se referiam. Com os adendos - dos quais apenas parte entra, por lei, no cálculo oficial -, o rendimento total cresce em média 64% e mais de 90% para 15 promotores. O valor mais alto contabilizado na folha de abril chegou a R$ 78,1 mil.

Por ter ultrapassado o limite prudencial, de 1,9%, neste primeiro quadrimestre, o MP do Amapá teve de restringir suas despesas variáveis - como recomenda a LRF. As convocações e nomeações foram congeladas, assim como as autorizações para plantões e substituições. A relação entre despesa e receita corrente líquida só é pior no Rio Grande do Norte, que não respondeu às questões enviadas pelo Valor.

"E ainda não foi dado o aumento aos servidores", destaca Paixão, fazendo referência ao reajuste autorizado em junho, que varia entre 16,5% e 41,5% para o Judiciário. Com a correção, o gestor teme que o indicador ultrapasse o teto de 2%. Passado o limite máximo, os entes são obrigados a congelar os reajustes salariais. "Foi um susto", ele comenta. "O que houve foi uma queda forte da receita corrente".

A contração expressiva das receitas dos Estados, mais acentuada que a queda da arrecadação federal, tem contribuído para agravar o quadro de desequilíbrio das contas públicas, pondera o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pesquisador do Ibre/FGV, José Roberto Afonso.

"Mas a prática recorrente de medidas criativas acaba impedindo uma análise acurada para distinguir claramente quanto do desajuste decorre de fatores alheios aos gestores locais, sobretudo a perda de receita, e quanto decorre de eventuais excessos em criação de cargos e reajustes de salários", ele completa, lembrando que a LRF prevê que os prazos para adequação dos indicadores fiscais dobrem quando o PIB crescer menos de 1%. "Se alguns órgãos estão desenquadrados, isso ocorre mesmo com uma apuração algo criativa do que realmente seja a despesa com pessoal", acrescenta.

Caso o PLP fosse aprovado em seu formato original, a despesa com pessoal do MP de Santa Catarina saltaria dos atuais 1,86% da receita líquida para algo acima de 2,5%, estima seu coordenador-geral administrativo, Adauto Viccari Júnior. Uma mudança nesse sentido, ele afirma, teria impacto negativo direto nos serviços públicos prestados pela instituição.

Para ele, as contas do MP já são suficientemente transparentes, à medida em que a folha de pagamentos é divulgada em sua totalidade no portal da entidade, inclusive com as remunerações que são excluídas do cálculo oficial. "O problema do Brasil não é o servidor público, é a dívida pública", comenta ele, que é favorável à retirada da contrapartida do projeto.

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Meirelles nega recuo da União em renegociação da dívida

Por: Fábio Pupo, Juliana Schincariol e Rodrigo Carro

 

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, negou que o governo interino tenha recuado da proposta de renegociação da dívida dos Estados. Segundo ele, a parte fundamental do projeto - o teto das despesas estaduais - está mantida.

"Não há nenhum tipo de cessão ou dificuldade em relação ao ponto fundamental. A estrutura de pagamento da dívida e a contrapartida, que é o teto das despesas estaduais, [seguem] nos termos propostos pelo governo federal. Está tudo indo normalmente", disse, acrescentando que não cabe ao governo federal "ditar" a maneira como os Estados vão administrar seus orçamentos.

O ministro afirmou que há um mal-entendido. Segundo ele, estão sendo negociados agora apenas quais elementos são considerados como despesa de pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). "Está em discussão algo que não faz parte do acordo da União com os Estados. Isso não é parte das contrapartidas", afirmou em Brasília.

Segundo ele, é preciso agora apenas definir quando a proposta será aprovada pelos parlamentares. "A questão que resta é se vai ser votado ou não na semana quem. Esperamos que, quando for adequado, o Congresso vá aprovar. Não há nenhuma correria. Mas evidentemente que quanto mais cedo melhor", disse, acrescentando que o Congresso "é soberano" para as decisões.

Meirelles disse que os Estados têm compromisso, ao assinar a renegociação da dívida, em criar legislações estaduais para limitar os gastos. Mas, afirma, uma emenda pode ser inserida na proposta de emenda à Constituição (PEC) estendendo a limitação de gastos federais para o âmbito estadual. "Com avanço do teto dos gastos pode-se considerar a possibilidade de uma emenda à PEC dos gastos. Mas isso está em discussão", afirmou.

Meirelles esteve pela manhã no Rio de Janeiro e passaria o resto do dia em São Paulo, mas retornou a Brasília para acompanhar de perto as discussões sobre o tema. "Achei que seria mais relevante estar em Brasília para acompanhar o desenrolar desse assunto", disse. No fim da noite, ele adicionou à agenda oficial uma reunião com o presidente interino Michel Temer no Palácio do Planalto.

Ana Carla Abrão Costa, secretária de Estado da Fazenda de Goiás, acredita ainda que a existência da limitação do crescimento de gasto estadual, o principal item na renegociação das dívidas, "já é muito positiva" e vai obrigar uma melhora de gestão por parte dos entes federados - inclusive com consciência a respeito do crescimento das despesas com pessoal. "O que adianta eu ter muito médicos e não ter equipamentos? Então isso vai exigir mais [habilidade] dos Estados para alocar os recursos dentro daquela limitação", disse.

A secretária também defende uma atualização da LRF para dar mais transparência aos gastos de pessoal dos Estados. Para ela, deixar de fazer as alterações significa "perder uma grande oportunidade de dar clareza às contas públicas". O governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), também esteve no Ministério da Fazenda ontem e afirmou que defende a proposta do governo sem alterações.

Além da renegociação da dívida dos Estados, Meirelles falou em evento no Rio pela manhã sobre outros temas. Segundo ele, o Brasil atravessará 2015 e 2016 a pior recessão desde que o Produto Interno Bruno (PIB) começou a ser medido, em 1901. Ele reafirmou o compromisso do governo com a recuperação da economia. "Não vamos ceder de cumprir a meta de primário".

Ele ainda disse que, se o governo optar pelo aumento da carga tributária, o fará de forma pontual e temporária. Porém, disse acreditar que ainda pode haver uma recuperação da arrecadação federal sem que torne necessária a opção pelo aumento dos impostos.

Meirelles lembrou que já é possível notar uma "consolidação da recuperação industrial". "Isso ficou muito nítido e transparente agora no mês de junho, em que a produção industrial cresceu substancialmente. Apesar de ainda estar caindo em relação ao ano passado, já está em franca recuperação. A mesma coisa é o índice de confiança empresarial e o índice de confiança do consumidor", afirmou.

"Se tiver algum aumento [dos impostos], vamos procurar fazer o mais pontual possível, se for absolutamente necessário e que seja temporário", afirmou, em linha com o que tem declarado nos últimos meses.

"Basta parar esta queda [da arrecadação] com a recuperação da atividade e da confiança do consumidor. Basta subir um pouquinho a arrecadação tributária como proporção do PIB, além de um crescimento do PIB maior do que se previa. Nós poderemos ter uma recuperação tributária que não torne necessário um aumento de imposto. No entanto, vamos esperar até o limite da lei, que é o fim deste mês, para definir uma previsão do que será necessário durante o próximo ano", disse. (Colaboraram André Ramalho e Rodrigo Polito, do Rio).

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Governo ainda avalia impacto de mudanças feitas no projeto

Por: Fabio Graner e Raphael Di Cunto

 

A negociação em torno do projeto sobre a renegociação da dívida dos Estados não está fechada e o governo ainda não bateu o martelo em torno do texto final, apesar dos recuos sinalizados nas conversas com a base aliada, informaram fontes do governo ao Valor. A equipe econômica trabalha para avaliar os impactos das mudanças acordadas pela base governista e deve mesmo ceder em algumas questões específicas, como a sistemática de contabilização de gastos com pessoal. A ideia original era colocar no projeto uma regra clara que unificasse o entendimento, hoje bastante disperso, sobre a forma de contabilizar esse gasto para verificação do cumprimento do limite de 60% da receita corrente líquida dos Estados.

O governo considera agora que o mais relevante é instituir o teto de crescimento dos gastos dos Estados, aprovar o projeto de renegociação da dívida e evitar que insatisfações contaminem a tramitação da PEC dos gastos. Mesmo assim, ainda avalia detalhadamente as mudanças propostas pela base aliada retirando algumas contrapartidas e ainda não deu um aval final às alterações feitas entre segunda e terça-feira dessa semana.

Nesse sentido, o relator do projeto da dívida, deputado Esperidião Amin (PP-SC), disse que foi procurado pelo presidente interino Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em uma tentativa de reabrir as conversas sobre a proposta. "Estarei de volta na segunda-feira e vamos conversar, mas as linhas gerais são essas", disse o relator, que já tinha ido para Santa Catarina.

Para Amin, Meirelles teve uma "inteligência adequada" ao interpretar corretamente as alterações feitas. "Ele aderiu à minha ideia do que é o principal e o acessório. As mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal [LRF] eram acessórios que criaram 10 frentes de atrito. O principal está lá, que é uma figura coerente de atacado, o limite de gastos", afirmou.

Uma fonte do governo lembra que, apesar das mudanças não irem na direção correta, elas não implicam afrouxamento para os Estados. O interlocutor lembra que o Tesouro tem o poder de estabelecer um controle mais forte sobre as contas dos Estados por meio da concessão de garantias a empréstimos. "A regra da PEC mais o controle na concessão de garantias limita a capacidade deles (Estados) gastarem", disse.