Correio braziliense, n. 19364, 01/06/2016. Artigos, p. 11

ANA FRAZÃO - Corrupção, concorrência e transparência

O enfrentamento da corrupção de maneira sistêmica e prospectiva, no Brasil, requer necessariamente mudanças institucionais. É indispensável estabelecer novas regras para assegurar melhores e mais transparentes relações entre o poder econômico e o poder político. Mais do que isso, é preciso que as mudanças institucionais se projetem sobre as estruturas de mercado, a fim de torná-los mais competitivos e transparentes, reduzindo os excessivos custos de transação que decorrem da corrupção.

Entre as inúmeras iniciativas que podem ser trilhadas nesse sentido, destaca-se a mudança nos valores e práticas do mercado, a fim de se criar uma ética empresarial, tal como pretendem o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Programa Empresa Pró-Ética, desenvolvido em nosso próprio país, pela Controladoria Geral da União (CGU). No caso do primeiro, trata-se de extenso programa de alcance internacional, e que propõe o fortalecimento do compromisso empresarial em quatro importantes searas: respeito e proteção aos direitos humanos; respeito e proteção ao trabalho humano, inclusive no que diz respeito ao reconhecimento do direito à negociação coletiva pelos trabalhadores, à erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado ou compulsório, e à eliminação de qualquer tipo de discriminação no emprego; respeito e proteção ao meio ambiente, inclusive no que se refere ao desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis; e o combate à corrupção em todas as suas formas.

O Programa Empresa Pró-Ética, da CGU, tem foco mais preciso nas práticas anticorrupção direcionadas à realidade brasileira. O conjunto de proposições visa assegurar que as empresas parceiras dos agentes públicos promovam boas práticas corporativas não apenas internamente, mas também externamente. Ou seja, adotem ações que alcancem também todos os seus clientes e fornecedores, reforçando a formação de uma rede cujo objetivo é a construção de uma sociedade comprometida com valores éticos. Tais programas envolvem a adesão voluntária dos agentes econômicos e reforçam a importância da autonomia privada na mudança institucional.

Os recentes acontecimentos em curso no Brasil, sobretudo a partir da chamada Operação Lava-Jato, estão impulsionando os agentes públicos e privados a tomar conhecimento dessas novas regras. E, mais do que isso, a implementá-las em suas organizações. Empresas flagradas nessas investigações já formalizaram publicamente compromissos para futuras mudanças de conduta. Com esse novo cenário, tornar-se-á comum uma base de regras que norteiam há tempos as atividades econômicas em outras nações democráticas: os chamados programas de compliance.

Numa tradução livre, programas de compliance ou de integridade são meios que cada agente econômico tem de estruturar e monitorar o cumprimento de normas éticas a serem observadas por toda a organização. É um conjunto de regras claras, com base na legislação em vigor, a orientar a conduta de dirigentes e funcionários, a dar transparência às ações e às relações e a incentivar a ética concorrencial e de mercado. Essas iniciativas são de extrema importância para o fortalecimento de princípios éticos, até porque os recursos do Estado são limitados para combater a corrupção apenas por meio de uma legislação punitiva.

Por isso, há que se estabelecer os adequados incentivos para que os agentes econômicos possam espontaneamente conduzir seus negócios em observância aos preceitos éticos e legais. O momento delicado que o Brasil atravessa deve priorizar a mudança de cultura e de práticas empresariais, ainda que isso também dependa do estímulo e do enforcement estatais.

Em se tratando do combate à corrupção, há de se ter cautela para resolver não apenas as consequências atuais das práticas nocivas. De nada adianta neutralizar os efeitos, se as causas, relacionadas ao ambiente institucional, continuarem a propiciar ou estimular a prática da corrupção. Como a corrupção apenas pode ser enfrentada de maneira estrutural, isonômica e consistente; do ponto de vista prospectivo, é preciso levar a sério a questão da mudança das práticas e dos valores, criando regras do jogo e ambiente institucional que iniba efetivamente as práticas ilícitas e incentive os agentes econômicos a atuarem dentro da lei.

 

 

ANA FRAZÃO

Advogada, doutora em direito comercial, professora de direito civil e comercial na UnB (Universidade de Brasília) e ex-conselheira do Cade