Correio braziliense, n. 19364, 01/06/2016. Política, p. 2

AS MANOBRAS DE CUNHA PARA TENTAR SE SALVAR

CRISE NA REPÚBLICA » Aliados do presidente afastado da Câmara encaminham representações contra o deputado José Carlos Araújo, que se afastará do Conselho de Ética, caso a Corregedoria abra investigações. CCJ também é acionada
Por: JOÃO VALADARES

JOÃO VALADARES

 

A uma semana da votação do relatório que vai pedir a cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o peemedebista, mesmo afastado das funções por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), manobra para tentar salvar a pele. O presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), aliado de Cunha, encaminhou questionamentos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa para tentar livrar o político carioca. A tramitação do processo no colegiado já é a mais longa da história. Arrasta-se, mesmo com prazo legal de 90 dias para conclusão, há mais de seis meses. Ontem, antes de o deputado Marcos Rogério (DEM-RO) entregar o relatório de 84 páginas, o presidente do Conselho de Ética, deputado José Carlos Araújo (PR-BA), foi representado em cinco procedimentos na Corregedoria da Câmara. Ele tem cinco dias para apresentar defesa e, se o processo for instaurado no colegiado, vai se afastar.

“É mais uma manobra de Cunha. Há uma disposição dele de afastar membros do Conselho de Ética que tenha uma posição firmada, mas eu não vou me render”, atestou José Carlos Araújo. Ele assinou a notificação na frente da imprensa, minutos antes de receber o relatório das mãos do deputado Marcos Rogério.

“Mesmo afastado, tudo leva a crer que ele (Cunha) continua manejando os seus tentáculos nessa Casa. Mas não vamos ficar intimidados. Eu não tenho medo e não vou ficar intimidado. O processo está se afunilando para acabar e as coisas estão começando a ficar insuportáveis, mas não vou me render, não vou me entregar. Vão tentar me afastar, mas nós vamos resistir”, afirmou.

Foram registrados cinco procedimentos contra Araújo, três deles foram apensados porque versavam sobre o mesmo tema. O deputado abriu o envelope e leu em voz alta para a imprensa as acusações contra ele próprio. Uma delas, de acordo com o deputado, o acusa de ter recebido R$ 75 mil de um deputado da Bahia. O documento, assinado por um vereador de um município do interior baiano, atesta que Araújo teria distribuído o dinheiro com políticos da região. Em outra acusação, ele é apontado por ter usado seu motorista como laranja para compra de um imóvel.

“Esse motorista trabalha comigo há 18 anos. Ele me pediu um dinheiro para comprar um terreno, que custava R$ 40 mil na época. Emprestei. O terreno é dele”, assegurou. A última denúncia é de que o deputado teria usado uma rádio da família para caluniar adversários políticos. “Eu fiz declarações, sim. Esse rapaz responde no Ministério Público de lá. Tenho tudo comprovado”, afirmou. Em caso de afastamento, a presidência do colegiado será assumida interinamento pelo deputado Sandro Alex (PSD-PR).

 

Consulta

No documento que encaminhou à CCJ, Waldir Maranhão questionou se deve “ser votado em plenário um projeto de resolução ou parecer; se é possível fazer emendas em plenário; se essas emendas podem prejudicar o representado; e se no caso de rejeição pelo plenário do projeto de resolução, é preciso deliberar sobre a proposta original da representação ou se ela é considerada prejudicada”. Nos bastidores, os questionamentos foram interpretados como base para uma nova manobra visando livrar Cunha da perda do mandato. O deputado Arthur Lira (PP-AL) será o relator da consulta.

Hoje, o relatório do deputado Marcos Rogério será lido às 14h. Ele não antecipou o voto, mas, nas entrelinhas, ficou claro que deve pedir a cassação do mandato do peemedebista. O parlamentar falou em “provas técnicas e substanciosas”. Afirmou também que os integrantes do Conselho de Ética, a partir do seu relatório, vão poder “votar com segurança”.

O parlamentar ressaltou que cumpriu à risca o que determinou o presidente interino, Waldir Maranhão, que limitou o escopo das investigações apenas ao fato de que Cunha teria mentido na CPI da Petrobras ao negar a existência de contas no exterior. O documento vai apontar que o peemedebista mentiu e, por isso, incorreu em quebra de decoro parlamentar. A defesa de Cunha alega inocência e refuta as acusações de manobras para protelar a tramitação.

O parecer se ampara em artigo do Código de Ética que determina que são procedimentos puníveis com a perda do mandato omitir intencionalmente informação relevante ou prestar informação falsa em declarações relativas aos dados do Imposto de Renda.

“Mesmo discordando, considerando ilegal, antirregimental e intempestiva a manifestação do vice-presidente Maranhão, meu parecer respeita sua decisão. Não quero dar margem a um questionamento quanto à ilegalidade”, salientou o relator.

Ele disse que, mesmo não considerando as outras acusações — de recebimento de propina e de abuso de poder —, apenas o acolhimento da denúncia que acusa Cunha de “omitir intencionalmente informação relevante ou prestar informação falsa nas declarações” já dá margem para cassação de mandato. “Eu estou falando em tese e não da minha conclusão. O fato de afastar um inciso e manter o outro não significa que muda a consequência jurídica da investigação. As duas hipóteses tem como consequência a perda de mandato”, afirmou.

 

Frase

“É mais uma manobra de Cunha. Há uma disposição dele de afastar membros do Conselho de Ética que tenha uma posição firmada, mas eu não vou me render”

José Carlos Araújo, presidente do Conselho de Ética

 

Quem está com quem

Confira a tendência dos votos

 

A favor de Cunha (9)

André Fufuca (PP-MA)

Mauro Lopes (PMDB-PR)

Nelson Meurer (PP-PR)

Sérgio Moraes (PTB-RS)

Washington Reis (PMDB-RJ)

Wladimir Costa (SD-PA)

João Carlos Bacelar (PR-BA)

Laerte Bessa (PR-DF)

Wellington Roberto (PR-PB)

 

Contra Cunha (10)

Marcos Rogério (DEM-RO)

Paulo Azi (DEM-BA)

José Carlos Araújo (PR-BA)*

Leo de Brito (PT-AC)

Sandro Alex (PSD-PR)

Valmir Prascidelli (PT-SP)

Zé Geraldo (PT-PA)

Betinho Gomes (PSDB-PE)

Julio Delgado (PSB-MG)

Nelson Marchezan Junior (PSDB-RS)

 

Indefinido (1)

Tia Eron (PRB-BA)

 

Vaga em aberto (1)

O deputado Erivelton Santana (PSC) renunciou ao Conselho de Ética. Desta maneira, o PMDB deve indicar outro nome. O mais provável é que seja um aliado de Eduardo Cunha.

 

* Só vota em caso de empate

 

A tramitação

»  Hoje, o relator do caso Cunha no Conselho de Ética, deputado Marcos Rogério, faz a leitura do relatório, que deve recomendar a cassação do peemedebista

»  É provável que, como é de praxe, ocorra pedido de vista. Neste caso, o prazo é de dois dias úteis. Sendo assim, a apreciação só poderia ocorrer a partir de 6 de junho.

»  Na próxima terça-feira, o presidente do Conselho de Ética vai convocar uma sessão para leitura do relatório.

»  A expectativa dos integrantes do Conselho de Ética é de que, até 9 de junho, o relatório seja votado no colegiado

»  Para ser aprovado, o documento precisa de 11 votos favoráveis. Se passar pelo Conselho de Ética, o documento segue para apreciação na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ)

»  Em seguida, por tramitar em regime de urgência, uma vez que o prazo legal de 90 dias úteis para conclusão do processo já expirou, o pedido de cassação de Cunha pode ir imediatamente ao plenário da Casa

»  Para cassar o mandato do deputado é preciso que a maioria absoluta, em votação aberta, aprove o parecer, o que significa 257 votos de um total de 513