Dilma: 'Visivelmente errei na escolha do vice'

Cristiane Jungblut e Eduardo Bresciani

19/08/2016

 

 

Presidente afastada ironiza Temer em entrevista a agências internacionais; aliados vão prepará-la para participar de interrogatório no Senado

Senadores aliados vão fazer uma espécie de treinamento com a presidente afastada, Dilma Rousseff, para prepará-la para o interrogatório a que será submetida no processo de impeachment no dia 29. Os parlamentares pretendem antecipar a ela como irão se comportar os colegas, dos mais agressivos aos mais folclóricos. A ideia é evitar surpresas. Ontem, Dilma deu entrevista a agências estrangeiras em que afirmou ter cometido um “erro óbvio” ao escolher o seu vice.

— Visivelmente, eu errei na escolha do meu vice-presidente — disse.

Antes de receber as dicas dos aliados, Dilma recebe no Palácio da Alvorada hoje o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDBAL), que passou o dia de ontem com o interino, Michel Temer.

Além do embate duro com adversários ferrenhos, os parlamentares aliados querem preparar a presidente afastada para o confronto com senadores mais falastrões. Magno Malta (PR-ES), por exemplo, avisou a colegas que cantará para Dilma no plenário o refrão do principal sucesso da dupla Kleiton e Kledir: “Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau”. Caso seja afastada definitivamente do cargo, a presidente deve mesmo retornar à capital gaúcha.

A ideia de fazer uma prévia com a presidente lhe foi levada ontem pessoalmente pelo líder petista, Humberto Costa (PE), e os senadores José Pimentel (PT-CE) e Paulo Rocha (PT-PA).

— Pedimos para conversar sobre o que imaginamos que será o depoimento. É difícil, mas não é uma batalha perdida — afirmou Humberto Costa.

— Ela está animada, se preparando para o debate. Estamos vendo isso com o (José Eduardo) Cardozo, para ver qual tipo de pergunta ocorrerá no fim do debate — acrescentou Paulo Rocha.

Os petistas acreditam que o depoimento pode ajudar a reverter votos, mas que, mesmo sem isso ocorrer, será importante para a narrativa construída junto às bases de que a presidente está sofrendo um “golpe”.

— A vinda dela pode ajudar a consolidar votos e a reverter, mas, mesmo que não ocorra isso, vai ser um ponto definitivo da narrativa do que é esse processo, porque ela terá condição de demonstrar de viva voz que não cometeu crime. Ela pode até ter cometido erros na política e na política econômica, mas não há crime. Será um depoimento valioso para embates futuros — comentou Humberto Costa.

Os aliados afirmam que Dilma não virá com intenção de agredir nenhum adversário e que caberá ao Senado e ao presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, garantir um alto nível no debate. Dizem ainda que ela está preparada para demonstrar não ter havido irregularidades nas pedaladas fiscais e nos decretos de crédito suplementar.

Para acertar detalhes da presença dela, o presidente do Senado avisou a Lewandowski que iria conversar com a petista. Na prática, Renan também terá uma conversa para “preparar” Dilma. Pelas regras definidas, ela poderá fazer um pronunciamento de 30 minutos, mas o prazo pode ser prorrogado pelo próprio presidente do Supremo. Em seguida, os senadores, a acusação e a defesa poderão fazer perguntas à petista, por cinco minutos cada um.

Os defensores do impeachment também se reúnem na próxima terça-feira para fechar uma estratégia sobre as perguntas a serem feitas à petista. O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), defenderá que todos façam questionamentos. A avaliação entre os aliados de Michel Temer é que Dilma quer fazer um registro histórico do processo e que eles devem fazer o mesmo. Para eles, evitar fazer perguntas para a presidente afastada poderia ser apontado como covardia.

 

MUDANÇA DE PERGUNTA

Os advogados responsáveis pela acusação no processo pediram ontem a Lewandowski mudança no texto da pergunta que será feita aos 81 senadores na hora da votação do impeachment. Eles argumentam que a pergunta formulada no roteiro do julgamento está incompleta, faltando alguns artigos da legislação que teria sido descumprida. Os advogados pedem duas coisas: ou que sejam incluídos esses trechos ou que seja feita uma pergunta genérica apenas sobre se houve algum crime de responsabilidade, como foi feito em 1992, com Collor.

 

 

O globo, n. 30328, 19/08/2016. País, p. 6.