Correio braziliense, n. 19365, 02/06/2016. Política, p. 2

CONTAS DE CUNHA SÃO MOTIVO PARA CASSAÇÃO

CRISE NA REPÚBLICA » Deputado Marcos Rogério recomenda ao Conselho de Ética a perda do mandato do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha. No parecer, parlamentar detalha o dinheiro secreto mantido na Suíça. Votação do texto deve ocorrer na semana que vem
Por: JOÃO VALADARES E NATÁLIA LAMBERT

JOÃO VALADARES

NATÁLIA LAMBERT

 

O deputado Marcos Rogério (DEM-RO), relator do procedimento instaurado contra o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no Conselho de Ética, pediu ontem, durante leitura do relatório, a cassação do mandato do parlamentar. Rogério e o presidente do colegiado, José Carlos Araújo, emocionados, choraram ao fim da sessão. Em 84 páginas, com provas contundentes, o relator atestou que o peemedebista mentiu à CPI da Petrobras, em 2015, ao negar que teria contas no exterior.

O parlamentar detalhou informações sobre quatro contas secretas, utilizadas na Suíça para esconder dinheiro sujo de propina proveniente do esquema de corrupção da Petrobras. São elas: Orion, Triumph, Netherton e Kopek. Assim que a leitura foi concluída, após seis horas, aliados de Cunha pediram vista coletiva, cujo prazo pra devolução é de dois dias úteis — com isso a votação do texto deve ocorrer na semana que vem, provavelmente na quinta-feira. Levantamento feito com integrantes do colegiado aponta uma vantagem de Cunha. Seus aliados somam 10 votos. Os contrários ao presidente afastado são nove. A deputada Tia Eron (PRB-BA), até o momento, é a única indecisa. Em caso de empate, o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo, que defende a cassação, pode votar.

O relatório atestou que “o deputado Eduardo Cunha mentiu à CPI, pois sempre soube e teve pleno conhecimento de que ele era o verdadeiro proprietário do dinheiro”. Marcos Rogério destacou ainda que houve várias omissões do peemedebista em relação à Receita Federal. “Durante anos, o deputado Eduardo Cunha omitiu à Câmara dos Deputados, e nas sucessivas declarações de Imposto de Renda apresentadas à Receita Federal, a titularidade de milhões de dólares no exterior”, salientou.

Em seguida, o voto do relator afirma que “quando prestou depoimento à CPI da Petrobras, em 12 de março de 2015, ocasião em que afirmou nunca ter tido contas fora do Brasil, o representado havia acabado de retornar de Paris, viagem na qual ele, a esposa e a filha gastaram com cartões de créditos vinculados a contas na Suíça no valor de 46.601,56 dólares em hotéis, lojas e restaurantes de luxo”.

A tese central escolhida pelo parlamentar é a de que o mecanismo chamado de trust foi utilizado por Cunha como uma manobra para esconder propina no exterior. “A partir do exame dos documentos compartilhados pelo Supremo Tribunal Federal e Banco Central do Brasil, é possível concluir que, na hipótese analisada, os trusts instituídos pelo deputado Eduardo Cunha representaram, na verdade, instrumentos para tornar viável a prática de fraudes: uma escancarada tentativa de dissimular a existência de bens, sendo tudo feito de modo a criar uma blindagem jurídica para esconder os frutos do recebimento de propinas cujo valores foram relatados por testemunhas e lastreiam a denúncia já recebida do Supremo, também confirmados perante este conselho.”

O relator afirmou também que há provas suficientes para comprovar que “Eduardo Cunha usou o cargo de deputado federal para receber vantagens indevidas, ora praticando atos privativos de parlamentares, ora usando seu prestígio e poder para indicar aliados a postos-chave da administração pública, o que torna censurável sua conduta perante a CPI da Petrobras no sentido de negar peremptoriamente fatos que, logo depois, viriam a lume à sociedade”.

 

PGR

O presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados foi acompanhado do deputado Sandro Alex (PSD-PR), na manhã de ontem, à Procuradoria-Geral da República (PGR), para entregar ao procurador-geral, Rodrigo Janot, um documento onde detalha tudo “o que considera manobra que está acontecendo na Casa”. Segundo Araújo, Janot escutou tudo atenciosamente e afirmou acompanhar a situação. “Não fiz pedido nenhum. Eu disse que só tinha a ele e ao papa para me queixar. Às risadas, ele disse ‘fique com o papa’”, comentou Araújo. De acordo com o presidente do colegiado, a intenção é mostrar que, mesmo afastado do mandato, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) continua atuando nos trabalhos da Câmara. “Não tenho dúvida nenhuma de que, com seus tentáculos, Cunha está trabalhando nesta Casa e sufocando o Conselho de Ética. Fica muito difícil trabalhar do jeito que as coisas estão”, afirmou.

Ontem, três representações contra Araújo foram entregues à Corregedoria da Câmara para que ele seja investigado. As denúncias são de políticos baianos e têm como base fatos regionais. Se for aberta a investigação, Araújo terá que se afastar do Conselho de Ética. Segundo o presidente do conselho, grande parte dos fatos citados já foi esclarecida.

 

Frases

“Durante anos, o deputado Eduardo Cunha omitiu à Câmara dos Deputados, e nas sucessivas declarações de Imposto de Renda apresentadas à Receita Federal, a titularidade de milhões de dólares no exterior”

Trecho do relatório do deputado Marcos Rogério

 

“Não existe uma prova material de que existe conta no exterior em nome do meu cliente. Delator não prova nada. Ministério Público não faz prova de nada”

Marcelo Nobre, advogado de Eduardo Cunha

 

 

Os principais pontos

Confira trechos do relatório apresentado no Conselho de Ética

 

“O deputado Eduardo Cunha mentiu à CPI, pois sempre soube e teve pleno conhecimento de que ele era o verdadeiro proprietário do dinheiro”

“Durante anos, o deputado Eduardo Cunha omitiu à Câmara dos Deputados e nas sucessivas declarações de Imposto de Renda apresentadas à Receita Federal a titularidade de milhões de dólares no exterior”

“As teses apresentadas pela defesa não encontram qualquer amparo na legislação vigente. Igualmente, não há qualquer prova que possa conferir credibilidade à versão do representado”

“Considerados somente os documentos compartilhados com a Câmara dos Deputados, já há, no mínimo, oito pessoas que afirmam ter conhecimento sobre o pagamento de propina ou realização de depósitos em contas do representado no exterior”

“Há provas robustas, amparadas em evidências documentais, extratos bancários, declarações de autoridades e bancos estrangeiros”

“Para a quebra do decoro parlamentar, é importante ressaltar, não é necessária a prática de infração penal, a qual está sujeita a exigência de rígida tipificação no ordenamento jurídico. Basta a existência de sério dano à credibilidade e à respeitabilidade do parlamento”

“Um dos critérios para mensurar a gravidade de uma mentira é averiguar a finalidade com a qual foi praticada e, aqui, resta demonstrado que o falso praticado na CPI da Petrobras foi cuidadosamente premeditado em mais uma tentativa de criar um contexto político desfavorável ao prosseguimento da Lava-Jato”