Deputados do DF pediram propina, diz empresário ao MP

Renata Mariz

19/08/2016

 

 

Testemunha afirma que parlamentares citaram dívidas de campanha

Uma testemunha ouvida pelo Ministério Público do Distrito Federal nas investigações sobre o suposto esquema para desviar verbas da Saúde confirmou ter sido achacada por deputados distritais que compõem a Mesa Diretora da Câmara Legislativa. Em depoimento, um empresário que presta serviços na área de manutenção predial disse que foi procurado por dois parlamentares sobre a possibilidade de aprovarem uma emenda que o beneficiaria, caso ele retornasse parte da verba, que seria usada, segundo os políticos, para pagar dívidas de campanha.

O suposto esquema e a investigação foram revelados pelo GLOBO anteontem. O inquérito tem como base áudios entregues ao Ministério Público pela deputada distrital Liliane Roriz (PTB) que revelam uma cobrança de propina por parte da Mesa Diretora da Casa, incluindo a presidente Celina Leão (PPS), num projeto que destinava R$ 30 milhões para pagamentos de dívidas antigas de UTIs de hospitais no Distrito Federal.

As gravações foram consideradas graves e levaram a Procuradoria-Geral de Justiça a abrir um procedimento de investigação criminal, que está sob sigilo, na última sexta-feira. Há uma outra apuração em curso na esfera cível, para verificar a prática de improbidade administrativa.

O empresário confirmou aos investigadores que se encontrou com os parlamentares. Uma das reuniões aconteceu numa churrascaria de Brasília. Nas conversas, ainda segundo ele, os deputados mencionaram de forma sutil a necessidade de recursos para, principalmente, pagar contas que ficaram da campanha de 2014 à Câmara. Ele contou que, ao perceber a intenção dos parlamentares, disse que não poderia ajudá-los.

Mesmo assim, ainda conforme a versão do empresário, um emissário de um dos parlamentares o procurou, na sede de sua empresa, para pedir a contribuição. Isso porque uma parte ínfima (cerca de 3%) do valor da emenda originalmente ofertada havia sido destinada às obras que o beneficiariam. Ele disse que voltou a afirmar, desta vez ao assessor do deputado, que não pagaria.

Ontem, Celina Leão reagiu às denúncias, chamando Liliane Roriz de “mentirosa contumaz”. Segundo ela, as gravações apresentadas pela distrital são “editadas” e “fora do contexto”. Celina acusou Liliane de ser a autora da emenda que destinou verba à Saúde que teria sido negociada com empresas de UTI. Ela lembrou ainda que Liliane responde a um processo de cassação na Casa, por ter sido condenada por improbidade administrativa, o que ela contesta num recurso no Tribunal de Justiça.

— Quem propôs a emenda foi a deputada Liliane. Se existe alguma ilegalidade sobre a emenda, ela tem que responder — disse Celina.

A assessoria de Liliane alega que ela tinha apenas competência regimental para dar forma técnica à emenda, porque ocupava a vice-presidência — cargo a que ela renunciou na quarta-feira. O comando para alteração de orçamento, segundo o gabinete da deputada, parte da 2ª Secretaria da Mesa. O titular da 2ª Secretaria é o deputado Júlio César (PRB), citado nominalmente nas gravações entregues ao MP.

Numa das conversas gravadas por Liliane, Celina reclama de uma suposta armação dos “meninos”, que seriam os deputados da Mesa, segundo a denúncia apresentada pela distrital. O diálogo sugere que eles estariam querendo mudar a destinação do dinheiro sem colocá-las no esquema de propina.

— O quê que eu acho? Eles pensaram o seguinte: como as meninas não se manifestaram nada, nós vamos dar o tombo nas meninas. Aí eu virei a carroça: Não vou votar isso, não. Eu tinha combinado de votar o da Liliane. Por que eu vou votar o de vocês? — disse Celina Leão nas gravações. — Acho que eles queriam entubar a gente.

O áudio, revelado pelo GLOBO, faz parte de uma série de gravações que Liliane fez. Nos diálogos, Celina diz que o governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB), “fuma maconha demais”, ao reclamar da falta de habilidade do chefe do Executivo. Em outro momento, a deputada diz que o seu gabinete só tem “analfabeto”. Ela disse que as declarações foram dadas em âmbito privado e descontraído.

 

 

O globo, n. 30328, 19/08/2016. País, p. 8.