Brasil quer que Mercosul permita acordos comerciais em separado

Eliane Oliveira, Gabriela Valente e Simone Iglesias

19/08/2016

 

 

Negociações seriam feitas em ritmo diferente por sócios do bloco

O governo brasileiro quer aproveitar a reunião que acontecerá na próxima terça-feira, dia 23, em Montevidéu, entre representantes dos países fundadores do Mercosul, para propor a flexibilização dos acordos bilaterais entre os sócios e terceiros países. A estratégia do Itamaraty é evitar que os debates se voltem apenas para a questão da Venezuela — que enfrenta a resistência de Brasil, Argentina e Paraguai para assumir a presidência pro tempore do Mercosul.

Hoje, os países do bloco não podem negociar acordos em separado que comprometam a Tarifa Externa Comum (TEC), usada no comércio com países que não fazem parte do Mercosul. A saída encontrada nos últimos dois anos tem sido fechar tratados mais amplos, incluindo não apenas reduções de alíquotas de importação, mas também compras governamentais, investimentos e serviços, mas sempre com preferência aos membros da união aduaneira.

Uma das propostas é que os associados não sejam mais obrigados a concluir, ao mesmo tempo, uma negociação. Por exemplo: o Brasil negocia um acordo de livre comércio com o México, previsto para ser concluído até o fim deste ano. Os demais parceiros do Mercosul fariam o mesmo em momentos diferentes. Isso também se aplicaria à União Europeia e aos Estados Unidos. Para evitar que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, assuma a presidência do Mercosul, o Brasil chegou a cogitar usar a cartada mais poderosa para excluir um membro do bloco: alegar autoritarismo e rompimento dos princípios democráticos. Com a justificativa de que a Venezuela não respeita os direitos humanos e os princípios democráticos, o governo brasileiro poderia evocar a cláusula democrática da região para que o país fosse suspensa do Mercosul. O argumento seria que o país não cumpre deveres, como o da liberdade de ir e vir, e também de direitos humanos, já que vários opositores do chavismo estão na cadeia.

Mas o governo do presidente interino, Michel Temer, desistiu dessa estratégia por entender que seria vencido, tendo em vista o apoio incondicional dado ao líder venezuelano por Bolívia e Equador, sócios em processo de adesão ao bloco. O Brasil pode usar, entretanto, o não cumprimento de Caracas às normas do Mercosul como argumento para rebaixar a Venezuela, retirandolhe o status de membro pleno e deixando-a como mero associado, sem direito a voto.

Os venezuelanos são fortemente criticados quando o assunto é a expansão do comércio entre o Mercosul e outros parceiros internacionais. A queda dos governos de esquerda e, consequentemente, a perda do apoio, fizeram o país embarreirar negociações que já foram fechadas.

— Temos um acordo automotivo com a Colômbia que não pode entrar em vigor, porque falta a assinatura da Venezuela — desabafou uma fonte do primeiro escalão do governo Temer.

Esse é um dos argumentos para que os negociadores brasileiros tentem conseguir o apoio do Uruguai ao projeto de limar os venezuelanos do bloco. Formalmente, já houve avanço. Na semana passada, um comunicado foi enviado à Venezuela. O texto diz que o país não havia cumprido todas as condições para entrar no bloco, entre os signatários estavam os uruguaios.

A questão é que o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, está em uma situação complicada. Sua base de sustentação no Congresso do país, ligada ao expresidente José Mujica, não concorda que se impeça Caracas de assumir por seis meses o Mercosul, como prevê normas do bloco. Esta semana, Maduro agradeceu publicamente a Vázquez e atacou Brasil, Argentina e Paraguai, que, segundo o presidente da Venezuela, formam a “aliança tripartite golpista e de ultradireita” que quer acabar com a união aduaneira.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra, defende que o Mercosul seja administrado por um colegiado com representantes dos quatro países fundadores, uma vez que a Venezuela deverá ser impedida de assumir a presidência pro tempore do bloco. Outra saída seria deixar o bloco sem presidente.

— É preciso um consenso político. Depois disso, a forma como será feito é o de menos — argumentou um diplomata.

Os venezuelanos não foram convidados para o encontro de Montevidéu. E sofreram ataques feitos diretamente por Serra, na última quarta-feira, que disse que o mundo democrático deve pressionar a Venezuela a realizar o plebiscito que pode levar à alternância de poder no país.

Ontem, o Palácio do Planalto respaldou integralmente as críticas feitas pelo ministro José Serra à Venezuela. Mais do que isso, disse um interlocutor do presidente interino, seu governo está fazendo uma clara inflexão, se afastando de países que considera autoritários, casos de Venezuela e Cuba, e buscando aproximação com Argentina e Colômbia. Estes dois serão os primeiros países da América do Sul a serem visitados por Temer, entre setembro e outubro próximos.

— A Venezuela tem que se adequar às normas dos demais países do bloco — disse um auxiliar do peemedebista. Em uma avaliação reservada, fontes próximas ao ministro das Relações Exteriores brasileiro disseram que o governo continua bastante preocupado com a situação na Venezuela. Citaram a crise humanitária, as notícias de “arbitrariedades e de atropelos” contra o Poder Legislativo e a existência de presos políticos.

— Parece que há manobras para atrasar artificialmente a realização do referendo revocatório, que é o instrumento constitucional que permitirá ao povo venezuelano se manifestar democraticamente sobre o futuro do país — disse uma fonte.

Quanto ao papel da Venezuela no Mercosul, a informação é que a posição brasileira permanece inalterada. O governo brasileiro entende que os venezuelanos não têm condições de assumir a presidência do Mercosul.

— Estamos conscientes das dificuldades e das diferenças de posição, mas continuaremos empenhados em buscar uma solução adequada, que preserve o bloco e seu bom funcionamento — destacou a fonte.

 

 

O globo, n. 30328, 19/08/2016. Economia, p. 24.