Valor econômico, v. 17 , n. 4060, 02/08/2016. Brasil, p. A3

Serra ignora troca de chefia no Mercosul

Em carta aos países-membros, ministro diz que o Brasil considera vaga da presidência do bloco

Por: Daniel Rittner e Fabio Murakawa

 

As divergências no Mercosul em torno da legitimidade venezuelana para exercer sua presidência nos próximos seis meses deixaram o bloco sem comando. Em correspondência enviada ontem aos seus colegas da vizinhança, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, deixou claro que não reconhecerá a passagem de bastão do Uruguai para a Venezuela.

"O governo brasileiro entende que se encontra vaga a Presidência Pro Tempore do Mercosul, uma vez que não houve decisão consensual a respeito de seu exercício no período semestral subsequente", afirmou Serra na carta, à qual o Valor teve acesso.

No sábado, à revelia dos demais sócios, os uruguaios consideraram encerrada sua presidência rotativa de seis meses. No dia seguinte, a Venezuela enviou carta aos demais membros dizendo que assumiria a presidência do bloco até dezembro, algo a que Brasil e Paraguai se opõem. O Uruguai, por sua vez, pede que seja respeitado o rodízio alfabético.

Na carta, Serra agradeceu as atividades desenvolvidas por Montevidéu, mas ponderou que o encerramento da presidência ocorreu "de forma sem precedente". Ele sugeria - e volta a dizer isso na carta - o adiamento de decisões em torno de "assuntos sensíveis" para meados de agosto. E defendia o prolongamento da presidência uruguaia até a realização de nova cúpula dos chanceleres.

O ministro brasileiro cita o descumprimento de 102 normas que a Venezuela, incorporada ao bloco em agosto de 2012, não aprovou até hoje. Uma delas - não mencionada na correspondência, mas tida como prioritária - é a Declaração de Assunção sobre Direitos Humanos. Caracas tinha quatro anos, que vencem agora, para adotar essas normas.

"Torna-se evidente que se está diante de um cenário de descumprimento unilateral de disposições essenciais para a execução do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul, que deverá ser avaliado detidamente à luz do direito internacional", afirmou.

Alegando que o Brasil se empenhará em "preservar e fortalecer a institucionalidade" do bloco, Serra demonstra simpatia com a proposta feita pela Argentina: assumir, em caráter temporário e excepcional, a presidência do bloco. "A decisão unilateral de encerrar [a presidência pro tempore] gera incerteza e impõe a necessidade de adoção de medidas pragmáticas para permitir o funcionamento do Mercosul", disse o chanceler. "A sugestão argentina de estabelecimento de um mecanismo transitório de coordenação coletiva é medida construtiva que merece ser considerada."

Ontem, o chanceler do Paraguai, Eladio Loizaga, disse que o rodízio deve ser feito por consenso e que, portanto, seu país não reconhece a Venezuela como presidente do bloco. A Argentina vem mantendo uma posição neutra até o momento.