Valor econômico, v. 17 , n. 4060, 02/08/2016. Brasil, p. A5

Por realismo, governo adia revisão de usinas

Ministério rejeita trabalho herdado da equipe de Dilma Rousseff sobre garantia física de hidrelétricas

Por: Daniel Rittner e Rafael Bitencourt

 

Diante de uma encruzilhada, o novo comando do Ministério de Minas e Energia pretende adiar a aguardada revisão das garantias físicas de usinas hidrelétricas, em um processo que pode envolver bilhões de reais para geradoras e distribuidoras. As garantias físicas são um certificado que atesta quantos megawatts as usinas podem comercializar. Com base no documento, as empresas negociam seus contratos de fornecimento e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) desenha sua estratégia para garantir que haja luz para todo mundo. Enquanto isso, o governo identifica a eventual necessidade de novos leilões para atender a demanda.

Às vésperas da primeira revisão das garantias físicas em quase duas décadas, as novas autoridades do setor querem suspender esse processo porque consideram totalmente irrealistas os trabalhos herdados da gestão anterior. O ex-ministro Eduardo Braga e sua equipe haviam concluído, semanas antes do afastamento de Dilma Rousseff pelo Senado, um levantamento que reduzia o volume de megawatts certificados em meros 0,1%. Trata-se de montante inferior a 50 MW médios - o equivalente a uma hidrelétrica de pequeno porte - em um parque gerador que envolve centenas de empreendimentos gigantescos.

A conclusão, que foi mantida sob reserva e não chegou a ser apresentada oficialmente, foi recebida com descrédito pelo governo interino de Michel Temer.

A consultoria PSR, uma das mais renomadas do setor, vinha causando discussões ao apontar uma ineficiência de 11% na operação das hidrelétricas. Por diversos fatores, as turbinas gastavam mais água do que o indicado pelos modelos computacionais do sistema interligado, segundo relatórios da empresa. Uma série de possibilidades foi aventada: equipamentos descalibrados, assoreamento dos reservatórios, qualidade de informações relativas às vazões na região Nordeste.

Eis que um dos sócios-diretores da PSR, o matemático Luiz Barroso, tornou-se em julho o novo presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal responsável pelo planejamento do setor elétrico e à frente do processo de revisão das garantias físicas. Ele e o secretário-executivo do ministério, Paulo Pedrosa, manifestaram desconforto em levar adiante o trabalho deixado pelo governo de Dilma Rousseff.

A nova equipe esbarra, porém, na cobrança do Tribunal de Contas da União (TCU) por uma solução rápida sobre o tema. O órgão de controle tem advertido que o sistema interligado provavelmente opera com superestimativa das garantias físicas. Não fez cálculos de quanto pode ser excesso, mas observou que o governo já contratou 9.778 MW nos leilões de energia de reserva para cobrir eventuais diferenças entre a oferta de megawatts no papel e o que é efetivamente produzido.

De acordo com as estimativas do TCU, o custo total dos contratos de energia de reserva - com 20 anos de vigência - é de R$ 70 bilhões. Pelas regras do setor, essa conta é repassada para os consumidores na forma de encargos cobrados nas tarifas. O "descompasso entre a garantia física nominal das usinas e as respectivas capacidades reais de energia", diz o tribunal, gera uma fatura anual de R$ 3,5 bilhões por ano.

O decreto presidencial 2.655, de 1998, determinava a revisão das usinas a cada quatro anos. Esse processo foi sendo adiado sucessivamente, mas o governo se comprometeu com o recálculo no fim de 2014. Falhou novamente com o cronograma e passou, então, a receber uma pressão mais forte do TCU. Na mesma época, surgiram estimativas independentes do setor privado que apontaram superestimativa das garantias físicas. Diante da cobrança, o ministério acelerou os trabalhos e estava a ponto de apresentar a conclusão quando houve o afastamento de Dilma.

A nova equipe estava dividida entre duas hipóteses. A primeira seria cumprir burocraticamente a determinação do TCU aproveitando os cálculos que já estavam prontos. Nesse caso, o ajuste viria a partir de provável contestação no tribunal. A segunda opção, escolhida pelo governo, envolve a redefinição de toda metodologia. Com isso, o processo deve ser retomado praticamente do zero e uma conclusão só deve sair no fim de 2017 ou início de 2018.

Para as geradoras, a decisão pode diminuir volumes expressivos de energia comercializados. O tema é acompanhado por distribuidoras que veem a oportunidade de reduzir a sobrecontratação surgida no período atual de baixa no consumo de energia.