Lava-Jato pode ressuscitar Castelo de Areia

 

24/08/2016
André Guilherme Vieira

 

Novas evidências descobertas pela Operação Lava-Jato podem ressuscitar uma investigação sobre corrupção e lavagem de dinheiro que foi sepultada pelos dois tribunais superiores do país, atingir o PMDB, outros partidos, e chegar ao presidente interino Michel Temer: a Operação Castelo de Areia. Temer, no entanto, só pode ser investigado por eventuais ilícitos cometidos durante o exercício do mandato presidencial, de acordo o previsto na Constituição.

Deflagrada em março de 2009 pela Polícia Federal (PF) em São Paulo, a Castelo de Areia encontrou na casa de um diretor da Camargo Corrêa uma planilha com siglas partidárias, nomes de políticos e números, interpretados pelos investigadores como uma lista de pagamentos via caixa dois feitos pela construtora.

Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça revelaram menções a pelo menos seis partidos políticos, além do PMDB: PSDB, DEM, PSB, PPS, PP e PDT.

A existência de um esquema de propinas destinadas a abastecer políticos foi revelada em 2014, no âmbito da Petrobras, com a atuação de um clube de empreiteiras organizadas em cartel, segundo a PF. Durante a fase Juízo Final, em novembro daquele ano, a Lava-Jato apreendeu na Camargo Corrêa uma tabela impressa, com nomes de políticos, entre os quais Michel Temer, organizada por "município, tipo de obra, valor estimado, projeto, edital e parlamentar". Temer negou, na época, o recebimento de pagamentos via caixa dois. A Camargo pagou R$ 700 mil em acordo de leniência e o ex-presidente da empresa e outro executivo fecharam delação premiada.

Em dezembro de 2009, o então juiz titular da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, Fausto Martin De Sanctis, recebeu a denúncia da Operação Castelo de Areia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) e deu início a processo penal contra três executivos da empreiteira.

Mas cerca de um mês depois, em janeiro de 2010, a Castelo de Areia começou a ruir com o trancamento da ação penal concedido em caráter liminar pelo à época presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Cesar Asfor Rocha, em recurso ajuizado pelo então advogado da Camargo Corrêa, Márcio Thomaz Bastos (morto em 2014), e julgado durante o recesso do Judiciário.

O caso desmoronou após decisão por três votos a um da 6ª Turma do STJ, que entendeu ser inválida uma operação policial iniciada por denúncia anônima.

Em abril de 2015, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou por unanimidade o entendimento do STJ ao negar recurso do MPF e sepultou de vez a Castelo de Areia, que agora pode renascer como mais um filhote da Operação Lava-Jato.

O artigo 157 do Código de Processo penal diz que as provas ilícitas são inadmissíveis, assim como as que delas derivarem.

Mas o inciso primeiro do mesmo artigo abre duas exceções: "salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas [provas] e outras, ou quando as [provas] derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras".

E as tais provas independentes foram encontradas. Ao longo de quase dois anos e meio de investigações da operação Lava-Jato, o MPF reuniu tamanha quantidade de informações que permitiram à força-tarefa conhecer novos fatos do suposto esquema que começou a ser apurado pela Castelo de Areia, mas foi interrompido.

Delatores e candidatos a delator, entre os quais Marcelo Odebrecht, já mencionaram, ainda que em conversas informais, o suposto esquema de pagamentos ilegais inicialmente detectado pela Castelo de Areia em São Paulo. Ele não estaria restrito à Camargo Corrêa e também contaria com um "clube" do qual outras empreiteiras investigadas no caso Petrobras fariam parte.

Como não tem ligação direta com os processos criminais resultantes dos desvios bilionários da Petrobras, a investigação, caso seja reaberta, deverá ser remetida à procuradoria da República em São Paulo (cidade onde fica a sede da Camargo Corrêa), obedecendo ao critério da territorialidade dos fatos investigados - adotado pelo STF na própria Lava-Jato, ao determinar o envio das investigações sobre a Eletronuclear para a sede da estatal, no Rio, em outubro do ano passado.

Procurado, o ex-presidente do STJ, Cesar Asfor Rocha, que hoje atua como mediador em casos extrajudiciais, afirmou ter julgado a liminar "de acordo com a legislação em vigor na época".

Asfor Rocha disse que depois disso não teve mais contato ou conhecimento do assunto e que "isso não me diz respeito".

Indagado pelo Valor sobre a possibilidade de retomada da Castelo de Areia, o ex-ministro do STJ disse: "Acho muito bom, mas nada tenho a ver com isso."

Procurada, a assessoria de imprensa do presidente interino Michel Temer não respondeu ao pedido feito pela reportagem até o fechamento desta edição.

 

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Menção a Toffoli leva a confronto entre Janot e Gilmar

 

24/08/2016
Carolina Oms
Letícia Casado

 

A escalada do confronto entre Supremo Tribunal Federal e Ministério Público Federal cresceu ao longo do dia de ontem. A crise gerada pela menção ao ministro do STF, Dias Toffoli em um suposto vazamento da delação premiada negociada pelo ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, fez com que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, negasse que o MPF tenha recebido qualquer material sobre o tema.

Janot rebateu as acusações de envolvimento de investigadores na divulgação das informações. "Não vejo como partir do pressuposto, porque o fato não é verídico, de presunção de delinquência dos agentes públicos. O fato não existiu, o anexo jamais chegou às dependências do MPF, seja em Curitiba, seja em Brasília. E aí digo que se assemelha a um quase estelionato delacional", disse Janot, em discurso durante sessão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Segundo Janot, "estelionato delacional" é a situação em que "inventa-se um fato, divulga-se um fato, para que haja pressão ao órgão do Ministério Público para aceitar, dessa ou daquela maneira, eventual acordo de colaboração". '

Ontem, ao chegar a uma sessão do STF, o ministro Gilmar Mendes atribuiu aos investigadores da Lava-Jato o vazamento de informações sobre a delação do empreiteiro Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, à revista "Veja" e defendeu que sejam investigados. Disse já ter visto isso em outros momentos e afirmou que "depois, esses falsos heróis vão encher o cemitério".

A revista informou que Toffoli recorreu a uma empresa indicada por Leo Pinheiro para fazer uma obra em sua casa em Brasília. O Valor confirmou o conteúdo da conversa entre Leo Pinheiro e a PGR sobre o ministro. Segundo uma fonte, o empresário disse ter indicado a empresa para arrumar uma infiltração na casa do ministro, mas que não houve irregularidades e a medida não foi troca de favores - e, por isso, a menção a Toffoli não virou tema da delação. A posição de Toffoli é de que conhece Pinheiro, mas não tem intimidade com ele e nunca lhe pediu favor.

Gilmar reforçou que a reportagem informa que a reforma foi paga por Toffoli e, "portanto, nenhum fato ilícito é imputado". Na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República suspendeu a tratativa para o acordo de delação de Leo Pinheiro e outros executivos da OAS.

O tom da fala de Gilmar foi forte. "Não entendo que seja o caso de suspender a delação ou prejudicar quem esteja disposto a contribuir com a Justiça. Acho que a investigação tem que ser em relação aos investigadores, porque esses vazamentos têm sido muito comuns, é uma prática bastante constante, e eu acho que é um caso típico de abuso de autoridade e isso precisa ser examinado com toda cautela."

Gilmar Mendes atacou, inclusive, uma das propostas do projeto de lei "10 medidas contra a corrupção" - bandeira do MPF: "Uma delas [medidas] diz que prova ilícita feita de boa-fé deve ser validada. Quem faz uma proposta dessa não conhece nada do sistema. É um cretino absoluto". A medida poderia justificar a obtenção de provas mediante tortura, afirmou.

Segundo Gilmar, há "objetivos" por trás de vazamentos e deu a entender que um seria colocar Toffoli na Lava-Jato devido a decisões suas. Por duas vezes, Toffoli teria contrariado o MPF, segundo Gilmar: ao mandar soltar o ex-ministro Paulo Bernardo, preso em junho por suposto envolvimento em corrupção no Ministério do Planejamento, e quando votou por enviar a investigação ao Rio.

Gilmar Mendes também cobrou resultados de investigação sobre o vazamento dos pedidos de prisão contra caciques do PMDB, feito por Janot em junho: "As investigações sobre aquele episódio da prisão preventiva, onde estão? Há quanto tempo? Já houve alguma conclusão? Isso precisa ser esclarecido".

"Este meio de comunicação diz ter havido um anexo - nome que se dá às informações escritas dos colaboradores ao MP - envolvendo alto magistrado. E há especulação de ter havido vazamento desta informação. Posso afirmar peremptoriamente que este fato não foi trazido ao conhecimento do MP. Este pretenso anexo jamais ingressou em qualquer dependência do MP. Portanto, de vazamento não se trata", disse Janot.

Segundo ele, as negociações com a OAS se arrastam há cerca de seis meses. Janot foi enfático ao afirmar que não há menção de autoridades do STF nos anexos apresentados por Leo Pinheiro ou outros executivos da empreiteira - cerca de 20, apurou a reportagem.

De acordo com Janot, a divulgação de informações sobre delação premiada em negociação visa fazer pressão sobre o MPF "para aceitar desta ou daquela maneira eventual acordo de colaboração". "Reafirmo que não houve, nas negociações de colaboração dessa empreiteira nenhuma referência, nenhum anexo, nenhum fato enviado ao Ministério Público que envolvesse essa alta autoridade do Judiciário. A gente vaza aquilo que tem. Se você não tem a informação, não tem o acesso, você vaza o quê? Você vaza o nada, aquilo que você não tem. Não vaza. Não sei a quem interessa essa cortina de fumaça"

Ele rebateu outra afirmação de Gilmar Mendes, sobre perseguição de investigadores da Lava-Jato a algumas pessoas. Janot disse que o MPF busca delações espontâneas e que os advogados do caso estão entre os melhores do país e não permitiriam pressões.

Janot comparou o momento da Lava-Jato com as pressões sofridas pelos investigadores da Operação Mãos Limpas, na Itália, que investigou corrupção na política. "A Lava-Jato hoje está incomodando tanto? A quem e por que?", indagou. (Com agências noticiosas)

 

Valor econômico, v. 17, n. 4076, 24/08/2016. Política, p. A8