Título: Três vezes Kirchner
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 25/10/2011, Mundo, p. 18

Com o triunfo esmagador nas urnas, Cristina parte com força redobrada para o "terceiro mandato"NotíciaGráfico

Cristina Kirchner pode se tornar a chefe de Estado mais poderosa da história da Argentina. Com sua vitória avassaladora, no último domingo, pela primeira vez uma força política — no caso, o kirchnerismo — vai governar o país por três períodos consecutivos: serão 12 anos na Casa Rosada. Além disso, a presidente se fortaleceu e deixou para trás a sombra do marido e antecessor, Néstor Kirchner, cuja morte completará um ano na quinta-feira. Cristina é a terceira governante argentina (e a única mulher) a conseguir a reeleição, e a que venceu com vantagem mais folgada (54% contra 17% para o segundo colocado) desde 1983. Com maioria no Congresso e o apoio de grande parte dos governadores, ela terá o poder de colocar suas estratégias em prática.

Quando recebeu a faixa presidencial do marido, em 2007, a presidente enfrentou uma série de desafios internos. Teve de melhorar a enfraquecida economia e travou uma luta com o setor agroexportador. Cortou relações com seu vice, Julio Cobos, com quem não fala até hoje, porque ele apoiou os produtores rurais. Depois, ficou viúva. Com a popularidade em declínio, Cristina reverteu o quadro, unificou o dividido Partido Justicialista e construiu a reeleição com hegemonia no Senado e maioria absoluta na Câmara dos Deputados.

Para o historiador argentino Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o "terceiro mandato" dos Kirchner é um marco para a Argentina. "Cristina tem todas as condições para aprofundar sua política e tem os instrumentos para governar tranquila. Está em um momento muito bom com o setor agrícola, por exemplo. Durante muito tempo, ela ficou um pouco na sombra do marido, mas agora está claro que ela tem capacidade política", afirma o especialista.

Cristina fez campanha desfilando uma economia em crescimento interrupto desde que o casal chegou à Casa Rosada, em 2003 — com exceção de 2008. Para completar, escolheu o jovem ministro da Economia, Amado Boudou, como seu novo vice. Também apostou nos programas sociais e consolidou sua popularidade. Com uma mensagem concisa e discreta, sem dar entrevistas nem participar de debates, ela ganhou votos não apenas entre os mais pobres, mas também na classe média e entre os jovens.

No mandato que começa em dezembro, a presidente deve continuar a apostar nas estratégias do último ano de governo. Com a Casa Rosada fortalecida, os argentinos aguardam possíveis mudanças no governo. "É um momento importante, e ela precisa de uma boa diretriz. Especula-se muito sobre qual caminho ela vai seguir, se vai ter um tom mais conciliador com a oposição e com alguns setores, como os meios de comunicação, ou se vai apegar-se a questões menores. Isso deve ser definido já nos próximos dias, com a formação da nova equipe", diz Ayerbe.

Frente externa A política externa deve sofrer poucas alterações. "A Argentina vai continuar relativamente fechada e não deve ceder muito. Com o Brasil, devem persistir alguns problemas no Mercosul. É uma questão histórica, desde a época de Perón, de focalizar muito no desenvolvimento interno", aponta Moisés Marques, coordenador do curso de relações internacionais da Faculdade Santa Marcelina.

No discurso da vitória, Cristina fez questão de agradecer primeiramente à presidente Dilma Rousseff, "por suas doces palavras". A governante brasileira ligou para dar os parabéns à colega logo depois da divulgação parcial dos resultados e afirmou que pretende comparecer à posse, marcada para 10 de dezembro.