Valor econômico, v. 17 , n. 4078, 26/08/2016. Brasil, p. A5

Julgamento de Dilma começa com atrasos

Testemunhas de defesa e acusação são contestadas

Por: Fabio Graner / Cristiano Zaia /Lucas Marchesini /Letícia Casado / Vandson Lima/ Cristiane Bonfanti / Thiago Resende

 

O primeiro dia de julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade foi marcado por brigas entre os parlamentares a favor e contra o impeachment e por um processo de desqualificação das testemunhas arroladas. Por decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que queria ouvir a segunda e última testemunha de acusação na mesma sessão, o julgamento avançou pela madrugada.

Procurador junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, protagonizou um embate com o advogado da petista, José Eduardo Cardozo. "A vossa excelência [Cardozo] se equivoca quando deixa de atuar como causídico e passar a atuar como psicólogo", declarou o procurador, que foi acusado de agir politicamente. Com atraso, a participação de Oliveira terminou por volta das 22h. Até o fechamento desta edição, o auditor federal de Controle Externo do TCU Antonio Carlos Costa D'Ávila Carvalho Junior prestava depoimento.

O PT e demais aliados de Dilma, que desde o começo da sessão atuavam para atrasar o processo, conseguiram, ontem, obter sucesso parcial em um pedido de impedimento e a declaração de suspeição do procurador Júlio Marcelo. Ele era a principal testemunha da acusação e Lewandowski decidiu rebaixar a condição do procurador de testemunha para informante.

A decisão do presidente do STF foi baseada na informação de que o procurador participou, em rede social, de ato de convocação em favor do impeachment de Dilma. "Vejo que o senhor Júlio Marcelo de Oliveira confirma os fatos que foram irrogados pela defesa, na medida em que participou de um ato em que se pretendia, publicamente, agitar a opinião pública para rejeitar as contas da senhora presidenta da República. Penso que, como membro do Ministério Público do Tribunal de Contas, não estava autorizado a fazê-lo; portanto, incide na hipótese de suspeição", disse o ministro do Supremo. A decisão dele foi tomada por provocação do advogado de Dilma, o ex-ministro José Eduardo Cardozo.

A condição de informante significa que, em tese, é permitido ao depoente mentir, o que não poderia ocorrer se fosse testemunha. A vitória do PT foi parcial porque Lewandowski, apesar de aceitar a tese da suspeição, permitiu que Júlio Marcelo respondesse às perguntas dos senadores. E os aliados de Dilma a todo tempo lembravam da condição de informante na qual se encontrava o procurador, considerado o principal algoz e responsável por investigar as chamadas "pedaladas fiscais" (pagamentos que o Tesouro atrasou para bancos públicos) e os decretos de suplementação orçamentária, que embasam o processo.

Apesar de minimizar a importância do episódio em torno de Júlio Marcelo, o governo reagiu algum tempo depois. Mesmo ainda longe do depoimento da ex-secretária de Orçamento Federal Esther Dweck, o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), pediu a suspeição dela com base no fato de ela ter sido contratada pelo gabinete da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) para trabalhar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Esther é uma das seis testemunhas arroladas pela defesa. Caiado informou que teria sido contratada em 18 de agosto pelo gabinete de Gleisi para trabalhar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que ela preside.

O advogado de Dilma, José Eduardo Cardozo, argumentou que a questão de ordem não caberia no momento e deveria ser feita quando a testemunha estivesse para ser ouvida, o que pode ocorrer ainda hoje. Lewandowski disse que a questão levantada por Caiado é "séria" e "tem fundamento", mas não decidiu, acatando o argumento de Cardozo de que o momento para isso é quando ela estiver para ser inquirida.

Gleisi disse que Esther ainda não foi contratada, embora haja um pedido de cessão dela para a Universidade Federal do Rio de Janeiro. "A Esther Dweck foi convidada, mas ainda não está nomeada no Senado", afirmou Gleisi. "Mesmo se estivesse nomeada, não haveria problema, pois nunca exigimos neutralidade dela", complementou a senadora. "Eu a convidei porque acho que ela é qualificada para o cargo", afirmou. "A Esther sempre teve lado. Ela foi secretária de Orçamento".

Além da disputa em torno das testemunhas, o primeiro dia do processo de impeachment teve uma manhã na qual prevaleceu a estratégia da defesa de Dilma em protelar o julgamento. Os senadores que apoiam a presidente afastada apresentaram dez questões de ordem, todas rejeitadas por Lewandowski durante a manhã.

Desde o início, o tom estava elevado entre os dois campos. Enquanto o bloco de apoio do presidente interino Michel Temer acusava os opositores de tentarem protelar a sessão, os senadores contrários ao impeachment questionavam diversos pontos do processo, que a toda hora classificam de golpe parlamentar.

A temperatura se elevou tanto que em determinado momento chegou a ser suspensa por dois minutos depois de uma áspera troca de palavras entre Gleisi Hoffmann e Magno Malta. Gleisi disse que os senadores "não tinham moral" para julgar Dilma, causando forte reação. Antes de Gleisi falar, Malta acusou os defensores de Dilma de utilizarem questões de ordem para protelar o processo.

Outro momento de forte estresse foi entre os senadores Ronaldo Caiado e Lindbergh Farias (PT-SP), onde até questões de natureza pessoal foram colocadas. No embate com o petista, o líder do DEM disse estar em dúvida se acionaria Lindbergh "no Conselho de Ética ou no Departamento Nacional de Narcotráfico", por este ter insinuado que Caiado utilizaria trabalho escravo em suas fazendas.

Para fazer os questionamentos ao procurador do TCU, trinta senadores se inscreveram. A fala do procurador, apesar de ter sido rebaixado à condição de informante, foi bastante dura contra a gestão da presidente afastada. Ele disse que houve "dolo direto" de Dilma Rousseff ao editar decretos de suplementação orçamentária incompatíveis com a meta fiscal vigente naquele momento. Segundo Júlio Marcelo, a Constituição define que tais decretos só podem ser editados para ampliar gastos se houver espaço fiscal, ou seja, se não colocarem em risco o cumprimento da meta no exercício.

Ele acrescentou que a meta fiscal aponta para frente e, por isso, não poderia haver decreto de suplementação em um quadro de queda de receita e no qual despesas precisariam ser cortadas. Segundo ele, os decretos permitiram aumento de gastos em ano eleitoral (2014) e essa prática, disse, teve continuidade em 2015, permitindo que o Executivo continuasse com imagem de "provedor, realizador", mesmo em ambiente de queda de receitas. "Foi um grande plano de fraude fiscal", disse.

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