A determinação surgiu de uma auditoria feita no relatório de avaliação de receitas e despesas primárias, publicado a cada dois meses pela Secretaria de Orçamento Federal (SOF) com o intuito de avaliar a necessidade de ajustes para o cumprimento da meta fiscal. De acordo com o TCU, o relatório referente ao primeiro bimestre de 2016 considerou R$ 56,4 bilhões em receitas que dificilmente entrariam nos cofres. Também foram subavaliados R$ 6,3 bilhões em despesas.
O resultado desses erros de avaliação é de que o governo pode ter deixado de contingenciar R$ 62,7 bilhões no primeiro bimestre, prática que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Os relatórios bimestrais têm justamente a função de ajudar o governo a calibrar os gastos em caso de frustração de receitas.
Os erros de avaliação ocorreram devido a estimativas equivocadas para uma série de receitas, especialmente às referentes ao programa de regularização de ativos no exterior. As previsões para essa rubrica apontavam para um potencial de arrecadação de R$ 35 bilhões com multas e impostos. Na avaliação dos técnicos do TCU, essa quantia está superestimada em R$ 33,3 bilhões.
O relatório do primeiro bimestre também considerou uma arrecadação de R$ 12,6 bilhões com "operações com ativos". Entraram nessa conta, por exemplo, os efeitos da abertura de capital da Caixa Seguridade e da BR Distribuidora, além de um projeto de serviços fiduciários do Banco do Brasil e venda de ações do fundo soberano, entre outros itens.
O governo também calculou mal a projeção de receitas com concessões e permissões. De acordo com o relatório do tribunal de contas, houve uma superestimativa de R$ 6,5 bilhões nessa rubrica, valor correspondente às concessões das usinas hidrelétricas de Jaguara, São Simão e Miranda, da Companhia Elétrica de Minas Gerais (Cemig). Segundo o TCU, não havia indícios de que esses recursos pudessem efetivamente entrar nos cofres federais em 2016, dada a complexidade do processo, que está judicializado.
O relatório aponta ainda outros R$ 4 bilhões que o governo esperava embolsar neste ano com os efeitos tributários de algumas operações com ativos. As arrecadações referem-se aos impostos incidente sobre as aberturas de capital da Caixa Seguridade e da BR Distribuidora.
A maioria dos tópicos incluídos na projeção foram classificados como sendo de baixa probabilidade de realização, o que não impediu que os valores fossem contabilizados. "A conduta de considerar, nos resultados estimados, receitas como baixa probabilidade de realização não se coaduna com o princípio da prudência, que deve orientar as divulgações contábeis públicas e privadas", afirma o relatório.
As previsões anteriores foram feitas pela equipe de Nelson Barbosa, que ocupava o Ministério da Fazenda até o afastamento da presidente Dilma Rousseff, em maio. A nova equipe econômica, capitaneada por Henrique Meirelles, optou pela prudência e baixou todas essas estimativas a zero já no relatório do segundo bimestre, entregue em maio.
De qualquer forma, o TCU quer que as próximas projeções sejam melhor embasadas. O parecer sugere ao plenário que o Ministério da Fazenda seja obrigado fazer estimativas de receitas e despesas amparadas em estudos e premissas "que caracterizem o nível de probabilidade da efetivação", mesmo aquele previstas em projetos de lei. A chance de realização das previsões pode ser identificada em percentual ou em uma escala que vai de "muito baixa" a "muito alta".
Os auditores do tribunal de contas argumentam que a ideia é que estimativas mais factíveis vão minimizar e necessidade de contingenciamentos desnecessários de despesas. Isso porque sempre que uma receita é frustrada, o governo tem que guardar mais dinheiro para garantir o cumprimento da meta fiscal.
Houve também uma solicitação para que os técnicos do governo responsáveis pelo relatório equivocado sejam chamados a prestar explicações. Entre os citados estão Otávio Ladeira (ex-secretário do Tesouro), Francisco de Assis Leme (ex-secretário de Orçamento), Jeferson Bitencourt (ex-secretário-adjunto de Política Fiscal) e Manoel Pires (ex-secretário de Política Econômica).
Caso fique comprovada a tese de descumprimento da LRF, os responsáveis poderão ser enquadrados em infração administrativa, cuja penalidade é o pagamento de multa. O Valor não conseguiu localizar as pessoas citadas no relatório do TCU.
Valor econômico, v. 17, n. 4079, 29/08/2016. Brasil, p. A3