Crédito a concessão não terá subsídios, diz Moreira Franco

 

29/08/2016
Claudia Safatle
Murillo Camarotto
 

 

Fundamental para reverter a escalada do desemprego no país, que pode chegar a 14 milhões de pessoas no fim deste ano, o programa de concessões de infraestrutura não contará com financiamento subsidiado pelo governo. O crédito de longo prazo terá que ser oferecido em condições de mercado pelos bancos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, e o funding das operações poderá contar com uma parcela de recursos dos depósitos judiciais. O cenário é desenhado pelo secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, que recebeu do presidente interino, Michel Temer, a missão de tirar os investidores privados da defensiva.

"Vamos evitar dinheiro subsidiado. É muito difícil para um Estado quebrado manter a mesma política que estimulou a quebradeira", disse Moreira.

Em entrevista ao Valor, ele comentou as ações que estão sendo tomadas para tornar o período pós-impeachment mais convidativo aos investimentos privados. Afastada a incerteza política, a tarefa será consolidar um ambiente concorrencial mais oxigenado, o que passa por adequações de regras e procedimentos, bem como atualização das competências dos ministérios e das agências reguladoras.

O modelo de financiamento não está completamente definido. Segundo ele, os detalhes estão sendo discutidos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que nos últimos anos garantiu o sucesso de vários leilões com taxas de juros generosas. Dessa vez, a instituição irá participar, mas de forma bem mais cautelosa.

"As taxas praticadas pelo BNDES no passado, que afastaram os bancos privados do processo de financiamento, gerando toda essa insegurança entre o empréstimo-ponte e o longo prazo, isso é uma situação extremamente inconveniente para um processo de financiamento e não vai ocorrer mais", garantiu o secretário.

Além do BNDES, o governo conseguiu atrair para o programa de concessões a Caixa Econômica Federal, que também oferecerá linha de financiamento - de menor fôlego. Moreira quer que o Banco do Brasil e as instituições financeiras privadas também participem. Entre as opções de funding avaliadas até agora estão o FI-FGTS, braço de infraestrutura do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, e uma parcela dos depósitos judiciais.

Polêmico, o uso dos depósitos judiciais já é comentado no mercado, mas a operação enfrenta resistências dentro do governo, sobretudo no Ministério da Fazenda. Moreira afirmou, no entanto, que o assunto está sendo discutido e que a decisão será dada por Temer no dia 13 de setembro, data marcada para a primeira reunião do conselho do PPI.

No encontro serão avaliadas as primeiras propostas de concessão de serviços à iniciativa privada. A lista inclui aeroportos, ferrovias, rodovias, terminais portuários e blocos de petróleo, além de projetos de saneamento. Moreira Franco informou que haverá mais empreendimentos do que os já conhecidos, mas não quis nomear quais as empresas ou setores poderão ser incluídos nas privatizações.

"Temos que cumprir um rito para que as coisas possam ser feitas. É necessário que nós tenhamos capacidade de esperar, até porque não é objetivo ter pacote e nem um grande evento publicitário. Vamos ter um conjunto de iniciativas de parcerias de investimento para gerar os empregos necessários", disse o secretário.

Além dos empreendimentos, vão ser discutidas na reunião mudanças de natureza regulatória. Será anunciado, por exemplo, o novo prazo de 100 dias entre a publicação dos editais e a realização dos leilões. Outras duas propostas estão na pauta: que os editais só sejam publicados após a emissão da licença ambiental prévia e uma padronização das regras para realização de audiências públicas.

Moreira Franco também comentou as mudanças previstas na atuação das agências reguladoras. Ele afirmou que ainda não há uma proposta definida, mas que a ideia é que haja uma redefinição do processo decisório tanto das agências quanto dos ministérios setoriais, no intuito de fortalecer todos os órgãos.

"Para que haja segurança jurídica, é fundamental que o papel de cada ente esteja bem definido. O papel do poder concedente, do concessionário e das agências. Não havia muita clareza sobre isso, porque desde que Dilma (Rousseff) assumiu a Casa Civil [em 2005] iniciou-se um processo de 'infantilização' do poder político dos ministérios e do poder técnico das agências", disse.

Segundo Moreira, a centralização das decisões em Dilma desorganizou a divisão de competências. "As decisões eram tomadas de maneira absolutamente anárquica. Isso gerou todo esse processo confuso que hoje temos que consertar", afirmou. Entre as mudanças principais está a retomada da competência dos ministérios setoriais para funções como elaboração de editais, leilões e celebração de contratos.

"Pela regra, a responsabilidade é do poder concedente. Ele pode e deve usar a experiência das agências, mas não deve transferir para a agência a responsabilidade que é dele. O mesmo vale para a elaboração do contrato. É o poder concedente que faz isso", explicou.

Um dos auxiliares mais próximos de Temer, Moreira Franco disse que a crise econômica e a escalada do desemprego no país realça a prioridade dos investimentos em infraestrutura, que são intensivos em mão de obra. Se até pouco tempo atrás o objetivo principal das concessões era a redução dos custos de produção, agora é, também, a geração de empregos.

"O presidente Temer recebeu um país com mais de 11 milhões de desempregados e todos os números estão a indicar, as projeções mostram, que estamos caminhando para 14 milhões até o fim do ano. Então temos urgência em gerar emprego", disse Moreira. "No passado, quando tínhamos situação mais confortável de emprego, o objetivo principal era diminuir o custo Brasil. Agora não. Agora é gerar emprego, pois é extremamente doloroso conviver em um ambiente com este número de brasileiros sem trabalho", completou.

Questionado sobre a confiabilidade de que o ajuste fiscal do governo Temer será bem sucedido, ele afirmou a força do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é que pode garantir o êxito. "A experiência que nós temos no Brasil é de que quando o ministro não é fortalecido, as consequências são terríveis."

 

Valor econômico, v. 17, n. 4079, 29/08/2016. Brasil, p. A6