Valor econômico, v. 17, n. 4078, 26/08/2016. Política, p. A7

Volume de dados atrasa investigação suíça

Ministério Público do país afirma que não foi criada até agora equipe conjunta com o Brasil

Por: Assis Moreira

 

Milhões de documentos obtidos pelas autoridades suíças nas investigações de corrupção envolvendo Petrobras e Odebrecht já permitiram comprovar a implicação de "vários milhares" de empresas offshore para receber propinas por contratos com a petroleira, confirmou o Ministério Público suíço (MPS) ao Valor.

Visto a amplitude do caso, sem precedente na Suíça, o MPS diz que as análises dos "vários milhões de documentos, dos quais parte considerável está sob forma eletrônica", ainda não terminaram. Para observadores, isso pode significar que mais nomes de envolvidos e valores tendem a aparecer no futuro.

A investigação é dirigida por dois procuradores federais, com ajuda de procuradores assistentes, especialistas de questões financeiras e de agentes da polícia federal, totalizando dez pessoas.

O MPS diz que, apesar dos esforços dos ministérios públicos suíço e brasileiro, a criação de uma equipe conjunta de investigação (Joint Investigation Team, JIT, como é chamada) não foi até agora concretizada "apesar do apoio do Ministério da Justiça suíço"'. Avalia porém que a cooperação entre os ministérios públicos dos dois países pode ser qualificada de "extraordinariamente boa".

Até agora, 60 ações penais foram abertas na Suíça envolvendo 1 mil contas bancárias em Genebra, Zurique e Ticino (Suíça de língua italiana), usadas para lavagem da propinas recebidas por políticos, funcionários e empresários brasileiros em troca de contratos na Petrobras.

O trabalho dos suíços mostra que, nessas 1 mil contas bancárias, mais de 90% foram identificadas como pertencendo a milhares de empresas offshore, que são normalmente utilizadas para esconder e lavar o dinheiro ilegal em paraísos fiscais.

Conforme o Ministério Público suíço, na primeira etapa sua investigação procurou analisar os fluxos financeiros dos envolvidos, e de outra parte responder a diferentes demandas de ajuda judiciária feitas pelas autoridades suíças.

Na segunda fase, o MPS diz que vai examinará a abertura de ações penais contra os intermediários financeiros na Suíça, que ajudaram na lavagem do dinheiro roubado da estatal brasileira.

As investigações na Suíça continuam a tempo integral. Em Lausanne, o procurador Luc Leimgruber investiga o essencial das ações envolvendo Petrobras e os vínculos com a praça financeira de Genebra. Em Berna (capital federal suíça), a equipe de Stefan Lenz foca na parte da Odebrecht e nas operações na praça bancária da Suíça de língua italiana.

A manchete de segunda-feira do jornal "Le Temps", de Genebra, seguida de duas páginas de reportagens, mostra como os bancos suíços não respeitaram as regras antilavagem, no caso de corrupção da Petrobras.

O jornal apoia-se em milhares de documentos oficiais que a Suíça enviou para as autoridades brasileiras, e que foram tornadas públicas pelo Ministério Público do Brasil.

Os documentos mencionam nomes de vários bancos envolvidos, como Credit Suisse, UBS, J. Safra Sarasin, HSBC, Julius Baer, Pictet, Lombard Odier, Heritage e Cramer.

O jornal conta que funcionários da polícia federal suíça ainda se lembram de junho do ano passado, quando o torpor do verão foi interrompido pelo recebimento repentino de fax e cartas de bancos suíços.

Isso veio depois da prisão, dias antes no Brasil, de Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht. Tomados de pânico, os bancos passaram a denunciar em bloco todas as contas e transações ligadas à empresa de construção civil.

Em um só dia, o órgão contra lavagem de dinheiro (MROS, na sigla suíça) chegou a receber 80 denúncias vindas de bancos, algo jamais visto. Foi naquele momento que o escândalo de corrupção da Petrobras tomou uma amplitude maior no Brasil e na Suíça.

Os fornecedores de Petrobras deviam pagar entre 1% e 3% do montante do contrato, para poder continuar a trabalhar com a empresa. A propina devia passar por intermediários brasileiros que davam o número de contas no exterior, abertas em nome de empresas de fachada.

Cerca de 40 bancos baseados na Suíça estão envolvidos e 800 milhões de francos (R$ 2,67 bilhões) foram bloqueados pelas autoridades suíças.

A Finma, autoridade de vigilância do mercado financeiro suíço, confirmou que trabalha com serviços externos (advogados, consultores, auditores etc.) nas investigações sobre bancos suíços com vínculos com a Petrobras.

Até agora, a única investigação concluída foi a que focava o BSI, o banco que pertenceu ao BTG Pactual por algum tempo. A instituição sofreu multa de US$ 95 milhões (R$ 306 milhões).

Novos bancos poderão sofrer investigação a partir de setembro. Um deles poderá ser o banco PKB, localizado no Ticino, segundo o jornal "Le Temps". O próprio banco confirmou em abril que estava no radar da Finma. A suspeita é de que teria aceitado sem maior exame contas ligadas à Odebrecht.