Valor econômico, v. 17, n. 4077, 25/08/2016. Finanças, p. C1

Rebaixamento do país e dívida alta encarecem captações externas

Petrobras e Vale pagaram cerca de 40% mais para levantar recursos em dólar neste ano

Por: Alessandra Bellotto e Fernando Torres

 

O mercado de captações externas reabriu para emissores brasileiros, mas ficou mais caro, confirmando o efeito direto mais esperado da perda do grau de investimento do país. Mesmo após o auge da turbulência política, duas das mais conhecidas empresas entres os investidores de bônus, Petrobras e Vale, pagaram cerca de 40% mais para levantar recursos em dólar neste ano por dez anos, na comparação com o custo médio pago na última vez que acessaram o mercado com operações de prazo equivalente - Vale, no início de 2012, e Petrobras, em março de 2014.

Das últimas duas vezes que havia emitido títulos de dívida em dólar com prazo de dez anos antes da perda do grau de investimento pelo Brasil, em janeiro e abril de 2012, a Vale levantou US$ 2,25 bilhão pagando retorno médio de 4,35% ao ano aos investidores. Quando fez emissão de prazo semelhante agora em agosto, captando US$ 1 bilhão, a taxa ficou em 6,25%. Para efeito de comparação, os bônus da australiana Rio Tinto para 2025 pagavam 2,90% no mercado secundário na mesma data.

Já a Petrobras fez duas emissões de títulos de dívida com prazo de dez anos este ano, em maio e julho, no valor somado de US$ 3 bilhões (para este prazo), com remuneração média ao investidor de 8,88%. No secundário, nas datas das ofertas, o rendimento médio pago por bônus de prazo equivalente por seus pares latinos YPF, Pemex e Ecopetrol estava em 7,84%, 4,9% e 5,85%.

Em março de 2014, ainda bem no início da Operação Lava-Jato e antes do risco de atrasar o balanço, o custo para Petrobras havia sido de 6,28%. Antes disso, nas emissões em dólar feitas em 2012 e 2013, a estatal de petróleo pagou remuneração de 4,5% e 4,8%.

Valor procurou decompor o peso de cada componente no custo total da captação, que é resultado da soma dos juros pagos pelos Treasuries, títulos do Tesouro americano de prazo equivalente, mais um prêmio de risco. Considerando a taxa dos títulos do governo americano e o retorno dos papéis do Tesouro Nacional no mesmo dia das captações, chegou-se, por diferença, à parcela do custo que pode ser atribuído diretamente ao risco de cada empresa.

O rebaixamento da nota de risco soberana do Brasil para grau especulativo, como se previa, explica parte do aumento de custo, algo entre 1,7 e 1,9 ponto percentual de crescimento na taxa paga pelas empresas nas comparações realizadas. Outra parcela do juro maior, porém, se deve a uma piora da percepção de risco das próprias empresas, em função, entre outros motivos, da queda nos preços das commodities e do nível de endividamento das companhias (ver detalhes na tabela acima).

Vale dizer que o aumento no custo de captação total só não foi maior porque as taxas pagas pelos Treasuries recuaram no período, uma queda de 0,74 ponto a 1,20 ponto percentual, a depender do período de comparação. Como os investidores costumam olhar o prêmio de juros que recebem em comparação com os Treasuries, e não apenas a taxa absoluta, isso contrabalançou parcialmente o efeito do rebaixamento do rating brasileiro e também da piora de risco das empresas.

No aspecto individual, a Petrobras sofreu mais, com o aumento de pouco mais de 2 pontos percentuais do custo total podendo ser atribuído a ela mesma. Se comparadas as emissões deste ano com a de 2014, a diferença na taxa paga pela companhia em relação aos juros dos papéis do Tesouro Nacional no mercado secundário cresceu de 1,69 ponto para 3,75 pontos.

Para a Vale, o efeito negativo individual ficou em 0,68 ponto. A diferença de taxa paga pela mineradora em relação aos papéis do Tesouro Nacional de prazo equivalente negociados no mercado secundário na data das emissões passou de 1,09 ponto quando ela captou recursos em 2012 para 1,77 ponto neste ano.

Rafael Quintas, sócio da XP responsável pela área de distribuição institucional, lembra que em 2012 o preço do minério de ferro, principal insumo da Vale, chegou a ser negociado acima dos US$ 145, assim como a alavancagem da empresa era outra. No pico deste ano, o minério superou os US$ 68, o que representa uma queda superior a 50%. "Apesar de a empresa ter um rating melhor do que o Brasil, o spread aumentou por conta dos preços menores do minério e da deterioração da companhia", diz. O índice de alavancagem da Vale, medido pela indicador dívida/Ebitda em dólar, está hoje em 4,16 vezes, bem acima do índice de 1,6 vez que ela tinha em 2012.

Já no caso da Petrobras, entre os motivos para o aumento do custo de captação, na avaliação de Quintas, pode-se colocar, além do rebaixamento do Tesouro, seu controlador, a queda no preço do petróleo - que na mínima do ano chegou a US$ 28 o Brent, depois de ficar acima de US$ 100 em 2013 e 2014 -, seu envolvimento na Lava-Jato e a piora no balanço. A relação entre dívida total e Ebitda da empresa em dólar está hoje em 6,2 vezes.

Um aumento de 40% no custo da dívida dessas e ou de qualquer empresa seria suficiente para reduzir de forma relevante o retorno de seus acionistas no tempo. A Petrobras tem dívida bruta de US$ 124 bilhões, o que significa que qualquer 1 ponto percentual a mais no custo médio da dívida resulta em US$ 1,2 bilhão adicionais em despesa financeira anual. No caso da Vale, a dívida financeira é de US$ 32 bilhões.

Mas cabe notar que o que Petrobras e Vale fizeram foi rolar antecipadamente, com juros maiores, apenas uma parte pequena da dívida, então o efeito de aumento de custo não se materializa sobre o saldo integral.

Ao reforçar a liquidez neste momento, e sem credores batendo na porta no horizonte, elas esperam ter condições de seguir o processo de renovação do restante da dívida em condições melhores no futuro.

Como dito acima, nem toda a variação dos juros pode ser atribuída à perda do grau de investimento pelo Brasil, salvo no caso das emissões soberanas. "Nas captações do Tesouro, o aumento do spread sobre os Treasuries na comparação com os anos anteriores representa a piora da qualidade da economia do país e pode ser atribuído ao 'downgrade'", diz Quintas.

Na emissão de março, quando a situação política era menos clara, o Tesouro Nacional aceitou pagar 6,125% de retorno ao investidor para captar US$ 1,5 bilhão, um aumento de 57,5% ante sua última emissão. A taxa equivale a um prêmio de 420 pontos-base sobre os títulos do Tesouro americano (que pagavam na ocasião 1,93%), maior nível desde pelo menos 2009. Em setembro de 2014, quando ainda mantinha o selo de "bom pagador", o Brasil pagou 3,888% por dez anos, um prêmio de 147 pontos sobre os papéis do Tesouro americano, cuja taxa estava mais alta, em 2,42%.

Quando se compara a captação deste ano com operações de 2012 e 2013, o encarecimento é maior ainda. Em 2013, o Tesouro reabriu um bônus com vencimento em janeiro de 2023 emitido no ano anterior e pagou um retorno de 2,75%, o equivalente a um spread de 98 pontos sobre os Treasuries.

Num horizonte mais curto, dificilmente o Brasil vai conseguir captar numa taxa tão baixa. Cabe notar, contudo, que desde a emissão de março as condições melhoraram para o Tesouro e, consequentemente, para as empresas. Os papéis emitidos com taxa de retorno de 6,125% pagam hoje cerca de 4,25%, uma queda de 1,87 ponto percentual.

Boa parte da compressão da taxa desse título soberano, segundo o executivo de um grande banco de investimento, veio da melhora da percepção de risco em relação ao país. Isso porque quando se compara o spread sobre os Treasuries, verifica-se um recuo de 149 pontos, dos 420 pagos em março para os atuais 271 pontos, enquanto a taxa paga pelos títulos de dez anos do Tesouro americano caiu apenas 0,38 ponto percentual, de 1,93% para os atuais 1,54%.

Na esteira da melhora recente na percepção de risco do país, que deve se estender, na avaliação do interlocutor, os papéis do Tesouro emitidos em março podem testar níveis abaixo dos 4% nos próximos seis meses no secundário. "Não estamos muito longe dos níveis de 2014", diz. No pano de fundo, está a manutenção de um fluxo relevante para portfólios de emergentes e, por consequência, para o Brasil, especialmente após o encerramento do processo de impeachment.