Valor econômico, v. 17, n. 4077, 25/08/2016. Política, p. A5

Delação suspensa favorece PT e PSDB

Por: Carolina Oms / Letícia Casado

 

Foram seis meses negociando a delação premiada do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro. Mas bastaram alguns dias depois do vazamento de informações do empreiteiro para a revista "Veja" para que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, decretasse o fim das tratativas. "Não sei se é possível retomar a negociação. Hoje saímos da mesa", disse um investigador aoValor. Nos bastidores, há quem aposte que pode ser retomada, e que a decisão da PGR foi para assustar os vazadores, incluindo a Odebrecht. Enquanto isso, os que poderiam ser implicados na delação, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (PSDB-MG), respiram aliviados.

A veemência do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes ao criticar a atuação do Ministério Público na Operação Lava-Jato continuou gerando reações ao longo do dia de ontem. A acusação de que os procuradores da Lava-Jato seriam responsáveis pelo vazamento da delação foi vista com ressalvas por alguns ministros do Supremo, inclusive aqueles que consideraram inconsistentes a denúncia contra o também ministro do Supremo, Dias Toffoli.

O ministro Marco Aurélio Mello defendeu a apuração e o Ministério Público. "Eu não consigo imaginar que parta do Ministério Público. Precisamos apurar, porque é algo que conflita com a lei regedora da colaboração premiada e verificar como houve esse vazamento."

Na terça-feira, o ministro Gilmar Mendes afirmou que é preciso colocar "freios" na atuação do MP. Marco Aurélio, no entanto, discordou. "Há o sistema nacional de freios e contrapesos. O Ministério Público vem atuando e reafirmo o que venho dizendo: mil vezes o excesso do que a acomodação. E temos o Judiciário para corrigir possíveis erros de procedimentos", disse a jornalistas ontem.

Os advogados, no entanto, ficaram aliviados ao ver um ministro do Supremo fazer críticas à Operação Lava-Jato abertamente. Uma das medidas propostas pelo MPF no projeto "10 medidas contra a corrupção" preocupa advogados: a que defende que provas obtidas de forma ilícita sejam consideradas válidas se "o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável". A proposta foi duramente criticada por Gilmar, para quem só poderia ter partido de um "cretino absoluto".

Embora tenha chegado ao ápice nesta semana, momentos de tensão entre o Supremo e o Ministério Público não foram incomuns desde que a Lava-Jato chegou à mais alta Corte do país. Janot, por exemplo, defendeu a manutenção de todos os desdobramentos da Lava-Jato em Curitiba, nas mãos do juiz da 13ª Vara Federal, Sergio Moro. Mas o Supremo determinou o fatiamento de parte da operação, o que, na visão de alguns investigadores, poderia resultar em condescendência com os acusados.

Mais recentemente, em junho, o vazamento dos pedidos de prisão contra a cúpula do PMDB também fez surgir acusações contra o MP e Rodrigo Janot chegou a abrir uma investigação para apurar os motivos. Naquela época e nesta semana, Gilmar foi um dos principais críticos do vazamento. "Onde as investigações estão? Há quanto tempo? Já houve alguma conclusão? Foi pedido. Então, isso precisa ser esclarecido", cobrou o ministro na terça-feira.

Para Gilmar, o habeas corpus concedido por Dias Toffoli para o ex-ministro das Comunicações, Paulo Bernardo é um dos motivos para que o vazamento seja direcionado para o ministro do Supremo. À época, promotores criticaram a soltura do ex-ministro publicamente. O ex-ministro foi preso em junho na Operação Custo Brasil, mais um desdobramento da Lava-Jato que investiga suposto esquema de corrupção no Ministério do Planejamento,

Os ministros que ficaram incomodados com a ação do Ministério Público desconfiam que a PGR pressionava para conseguir informações sobre ministros do Supremo. A delação de Pinheiro teria potencial de implicar Lula com as obras que a OAS fez no apartamento tríplex do Guarujá (SP) e no sítio de Atibaia (SP) e Aécio pelo suposto pagamento de suborno a auxiliares do então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, durante a construção da Cidade Administrativa.

O ex-presidente da OAS também teria se comprometido a falar do caixa dois que, segundo ele, irrigou a campanha de Marina Silva à Presidência em 2010.

A lista de possíveis beneficiados pelo suspensão da delação de Pinheiro deve ser ainda maior. A empreiteira teria entregado aos investigadores uma lista de quase uma centena de políticos que poderiam ser envolvidos, entre eles, atual ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB-SP).

O embate entre Gilmar e Janot ganhou corpo nos últimos dias, gerou constrangimentos em pessoas que atuam na área e provocou reações em diferentes setores. Ontem, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirmou ser "lamentável" que Gilmar Mendes, "em período de grave crise no país, milite contra as investigações da Operação Lava-Jato, com a intenção de decretar o seu fim".